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A ARTE DE CULPAR OS OUTROS

“Aí Sarai disse a Abrão: – Por sua culpa Agar está me desprezando. Eu mesma a entreguei nos seus braços; e, agora que sabe que está grávida, ela fica me tratando com desprezo. Que o Deus Eterno julgue quem é culpado, se é você ou se sou eu!” (Gênesis 16.5).

 

Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

 

Depois de culpar a Deus (como vimos na meditação anterior, baseada em Gênesis 16.5), Sarai, a mulher que não soube esperar o tempo de Deus, arranja mais uma pessoa para nela colocar a culpa de seus problemas, o marido, Abrão. Aliás, muita gente ainda gosta de culpar seu cônjuge…

Vimos que ela não conseguiu esperar e decidiu ajudar Deus. Como foi dito, decidiu “fazer o milagre”. “Milagres” à parte do poder de Deus são fontes de problemas.  E este não foi exceção. Deu errado. As coisas não saíram como ela esperava. Raramente as coisas saem como esperamos quando desprezamos o agir de Deus e lhe sobrepomos o nosso. A escrava está grávida e a olha com desdém, porque ela não engravidava.

 

Sua solução, mais uma vez, foi fácil. Aliás, ela apreciava soluções fáceis. Como muitos de nós, que além da facilidade, ainda as queremos com rapidez, típico de uma cultura fast food. Há até uma denominação que parece ter milagre pronto e estocado: “Venha buscar o seu milagre!”. Ela culpa o marido: “Por sua culpa Agar está me desprezando”. Coitado de Abrão. Lembra aquele personagem de “O alienista”, de Mestre Machado de Assis: “Preso por ter cão, preso por não ter cão”. Sarai seguiu uma tendência do coração pecaminoso: “Quando as decisões que você tomar não derem certas, então culpe alguém!”. Como é difícil ao pecador dizer: “Errei!”. Davi, o homem que os pregadores gostam de esbordoar no episódio de Bate-Seba e Urias, foi correto quando Natã o acusou: “Pequei!”. Reconhecer a culpa é uma grande medida! Mas, quão poucos dizem como isso, como o desprezível Davi disse. Ele foi grande em declarar sua culpa e pedir perdão. Sabemos dizer “Pequei!”?

 

Agar está me desprezando”. Boa queixa, Sarai. Justa queixa. Ser desprezado e zombado não é bom. Mas você a desprezou quando a tratou como coisa. Você a desprezou quando viu o filho dela como sua propriedade, só porque ela era sua escrava. Há gente assim. Que dispensa certo tipo de tratamento aos outros, mas não o deseja para si. O leitor já notou como as pessoas que se dizem francas se melindram imediatamente quando as outras são francas com elas? É bom ser estilingue, Sarai. O duro é ser vidraça…

 

Para piorar, Sarai ainda chama Deus para o seu lado, na briga que trava com Agar e com Abrão: “Que o Deus Eterno julgue quem é culpado, se é você ou se sou eu!”. Também vemos muito dessa mania, em nosso meio: pensar em Deus como seu parceiro em questões pessoais. Um conceito muito baixo de Deus, sem dúvida.

 

Isso quer dizer que Sarai não prestava? E como Deus a usou? Este não é ponto. Mas respondamos. Sarai prestava tanto quanto nós. Tinha virtudes e falhas como nós. Mas a Bíblia, na sua serenidade e na sua imparcialidade, não doura a pílula nem esconde os problemas sob o tapete. A questão não é o caráter ou o temperamento de Sarai. A questão é a graça soberana de Deus. Usa quem quer, quando quer, da forma que quer, e não nos deve satisfações. Usou Sarai, Raabe, Sansão, Davi, Pedro, João Marcos, usa a mim e usa a você. Ele usa pecadores falíveis.

 

Graça significa que ele usa gente imperfeita, gente problemática mesmo. Os vasos de que ele se vale são de barro, e não de ouro: “Porém nós que temos esse tesouro espiritual somos como potes de barro para que fique claro que o poder supremo pertence a Deus e não a nós” (2Co 4.7).  Soberania significa que ele está acima de nossas querelas e tentativas de nos apossarmos dele para ser nosso parceiro nas briguinhas que travamos com os outros. Ele não pode ser usado nem manipulado. Nós somos propriedade dele, mas ele não é nossa propriedade.

 

A preocupação não é esbordoar Sarai. É mostrar como Deus age. Pessoas imperfeitas, rabugentas, brigonas, pecadoras, são os instrumentos dos quais ele se vale. Que ele seja louvado por isso! E que nenhum de nós pense de si mesmo que não pode ser usado por Deus. Porque pode!

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