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A CARTA AOS EFÉSIOS

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Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

 

INTRODUÇÃO

Esta carta é chamada de “a rainha das epístolas”. É considerada como sendo o melhor tratado sobre a Igreja. Nos dois manuscritos gregos mais antigos, chamados de Álefe e de Beith não constam o nome de Éfeso. Marcião considerava-a como a “epístola a Laodicéia”. Neste caso seria ela o documento mencionado em Colossenses 4.16. Parece que a carta foi uma circular, que Paulo encaminhou às igrejas. Uma  cópia que nos ficou guardou o nome de Éfeso. Mas os dois manuscritos citados o têm em branco. Em favor desta teoria, vem o fato de que Paulo fundara a igreja de Éfeso (At 19.1) e a pastoreou por três anos (At 20.31). Na epístola, aparentemente, ele desconhece a igreja:  1.15. Obviamente, se carta não foi endereçada especificamente a Éfeso,  isto não diminui a sua autenticidade nem o seu valor. Aumenta-o, pelo contrário. Mostra que foi algo que Paulo queria que todas as igrejas lessem. Tem grande valor, portanto.

A carta é impessoal, não mencionando nomes de pessoas, a não ser Tíquico (6.21). Poderia ter sido ele o portador das cartas, entregando as cópias às igrejas. A bênção final (6.23-24) é bastante genérica, podendo ser aplicada a qualquer comunidade cristã em qualquer lugar. Paulo a escreveu da prisão em Roma (3.1, 4.1 e 6.20), dispondo de tempo para fazer cópias para todas as igrejas da época.

 

UM ESBOÇO DA EPÍSTOLA

Sendo uma obra muito bem elaborada, Efésios tem duas grandes divisões, facilmente notadas. A primeira vai de 1.1 a 3.21. Após a saudação, Paulo trata dos propósitos eternos de Deus em relação ao homem. Esta é a primeira parte. Ela trata do propósito divino para a humanidade.  A segunda vai de 4.1 a 6.24 e pode ser chamada de consequências práticas do propósito divino para nós. Em termos simples: o que Deus fez por nós e o que devemos fazer, tendo sido transformados pela graça de Deus.

Na realidade, Efésios não é uma carta, como conhecemos. É muito mais um tratado teológico sobre a Igreja. A ausência de pessoalidade (nomes, lugares, situações) e os conceitos mostrados indicam que ela é um tratado de Paulo, mais que um documento pessoal.

 

A MENSAGEM DE EFÉSIOS –  A PESSOA DE CRISTO

O tema central de Efésios é a pessoa de Cristo. É a obra mais cristológica de Paulo, ou seja, onde ele mais expõe a pessoa de Cristo. Na realidade, este era o assunto de Paulo (1Co 2.2), mas aqui ele trata muito mais da pessoa do que da obra de Jesus. E seu conceito de Cristo aqui é bastante diferente do conceito mostrado em outras obras. O texto de 1.10, por exemplo, é de uma profundidade fantástica. Há nele uma declaração não encontrada em nenhum outro lugar. Todas as coisas convergirão para Cristo, na plenitude dos tempos, no fim dos tempos. Quando apresentei estudos no Seminário de Queluz, em Portugal, sobre Efésios, abordei este tópico, que impressionou os pastores lusos: o Cristo cosmológico, ou o Cristo cósmico.  Cristo, além de Criador,  é a finalidade do universo. Ele está acima de tudo, por causa de sua ressurreição, como lemos em 1.2-21. Ele é o cabeça sobre tudo (1.22). Ele é a razão de ser do universo. Tudo se encaminha para sua mão ou para ser sujeito aos seus pés.

Cristo está assentado nos lugares celestiais (1.20). É só aqui que Paulo emprega esta expressão. Isto significa que ele é de outra dimensão espiritual, de outra esfera de vida. Neste tratado, Paulo não discute a humanidade ou os feitos de Jesus. Mostra os feitos do Pai e apresenta um Cristo mais celestial, mais envolvido com o universo. Tudo caminha para uma consumação cosmológica, centralizada na pessoa de Jesus, como já lemos em  1.10. Isto não quer dizer que Paulo mudou sua pregação. Ele via o perigo dos gnósticos, que ensinavam que, sendo criatura, Jesus era inferior a Deus. Na realidade, nunca poderia ser Deus, porque para eles, gnósticos, a matéria era má. Nesta carta e em sua irmã gêmea, Colossenses, Paulo mostra que Cristo é plenamente Deus (Cl 2.9) e é o Criador de todo o universo (Cl 1.16-17). Em Éfesios, Cristo é mostrado como sendo a finalidade do universo. Completa assim o pensamento de Colossenses. O mundo é obra dele, foi feito para ele e voltará para ele. Cristo é Senhor não apenas das almas dos homens, mas de todo o cosmos. Paulo teve uma extraordinária compreensão de Jesus: naquele homem, o Criador e Sustentador do universo se fez presente entre os homens.

 

A MENSAGEM DE EFÉSIOS – O QUE É A IGREJA

O conceito de Igreja aqui em Efésios é também profundo. Ela não surgiu como um imprevisto,  porque Israel rejeitou a Jesus e Deus “ficou no mato sem cachorro”, precisando de um povo e aí escolheu a Igreja. Ela não é um par de muletas emocionais para a  Divindade. Ela foi escolhida na eternidade, antes de haver tempo, no coração de Deus (1.4). Deus nos predestinou para Cristo antes de tudo existir (1.5). A Igreja, presentemente, é o corpo de Cristo (1.23), o que quer dizer que ele está presente neste mundo por ela. Ele age neste mundo por ela. É por ela que ele se manifesta.

A Igreja é o novo povo de Deus, junção dos dois povos anteriores, judeus e gentios (2.14). Em Cristo, o Pai aboliu toda a antiga dispensação, o Antigo Testamento em suas ordenanças (2.15).  Israel estava edificada sobre sacerdotes e profetas. A Igreja está edificada sobre apóstolos e profetas (2.20). Isto quer dizer que ela tem uma revelação nova, diferente. Os profetas falavam de Iahweh. Os apóstolos falavam de Jesus. Ele é o centro da nova ordem de Deus.  A Igreja é também  a nova raça de Deus (2.14-15). É ela a habitação do Espírito (2.22).

A Igreja é tão fantástica, que não apenas foi engendrada por Deus na eternidade, mas é ela que ensina aos anjos, como lemos em 3.10. Quando tanta gente está querendo consultar anjos e aprender deles (como os gnósticos diziam que faziam), Paulo diz que eles é que aprendem da Igreja. É por ela que Deus manifesta sua sabedoria. Principados e potestades espirituais devem olhar para a Igreja de Jesus na terra e ver como Deus é sábio, como conduziu as coisas, como da aparente derrota (a morte de Cristo), conseguiu uma vitória retumbante, com sua ressurreição. Ele une os povos na pessoa de Jesus.

O desejo de Paulo é que sejamos cheios de Deus (3.19). Por isso que, em  vez de sermos cheios de vinho, devemos ser cheios do Espírito de Deus (5.18). Em vez de “pileque”, santidade.

 

A MENSAGEM DE EFÉSIOS – OS RELACIONAMENTOS

Em Cristo fomos colocados em um novo relacionamento com Deus. Veja isto em 2.12-13, 19. Este novo relacionamento com ele se evidencia em novos relacionamentos com os outros. Quando Deus entra numa vida, redireciona-a em todos os sentidos.  Paulo mostra isso  na Igreja (2.14, com a expressão “parede de separação”). O apelo à unidade da fé, em 2.1-6 e 5.21 mostram isso muito bem. Depois, Paulo mostra estes relacionamentos no lar, no relacionamento entre cônjuges (5.22-27),  na postura dos filhos para com os pais (6.1-3), na dos pais para com os filhos (6.4),  dos servos para com os senhores (6.5-7) e dos senhores para com os servos (6.9).

Este novo modo de vida é explicável. A Igreja é a nova sociedade de Deus. Deve andar de modo digno, como Deus espera (4.17-19 e 22-24). Estamos envolvidos uns com os outros (4.25) e nosso relacionamento deve ser verdadeiro. O falar que devemos ter uns para com os outros deve evidenciar isto: 4.30-32. Isto é imitar a Deus: 5.1-2.

 

A MENSAGEM DE EFÉSIOS – A SALVAÇÃO

Os gnósticos ensinavam a salvação pelo conhecimento (gnôsis, daí seu nome, gnósticos). Paulo mostra que a salvação não nos vem por obra humana, mas pela graça de Deus, por meio da fé (2.8-9). A salvação tem um componente divino e outro humano. Da parte de Deus, ela é um ato de graça, ou seja, é um favor imerecido. Os gnósticos se gloriavam de sua sabedoria e de seus mistérios. Pensavam que seriam salvos pelo seu conhecimento esotérico. Paulo diz que, sendo a salvação um ato da graça, ninguém pode se gloriar. Nós não a conseguimos. Deus no-la dá, em Cristo. Estávamos mortos (2.5) e um morto nada pode fazer. Deus nos deu vida, em Cristo (2.5). Ele fez isto por causa de sua grande misericórdia (2.4). Ele não é um juiz destrambelhado, iracundo, cheio de ódio. Deus é rico em misericórdia. É por isto que podemos ser salvos. Pela misericórdia de Deus.  Ele deseja que todos os homens sejam salvos (1Tm 2.4).

Da parte humana, vem a fé. Fé é aceitar o que Deus fez. Costumo definir estes dois termos assim: graça é o chamado e fé é a resposta. Graça é Deus vindo até a metade do caminho e o homem vindo até a outra metade. Graça é Deus “eu dou”. Fé é o homem dizendo: “eu aceito”. Graça são os braços de Deus abertos e estendidos para nós. Fé é o homem lançando-se nos braços de Deus. No entanto, a graça não opera contra a nossa vontade. Ela se completa em nossa vida com a fé, que é a nossa resposta.  Desta maneira se juntam dois elementos, a vontade de Deus e o arbítrio humano. Ninguém é salvo à força. A salvação é oferecida, mas precisa ser aceita.

 

A MENSAGEM DE EFÉSIOS – ARMADURA DE DEUS

Encarcerado, olhando a armadura do soldado romano, Paulo fez uma analogia dela com armadura do cristão (6. 11-17). Enumera as suas partes. Primeira: o cinturão, que vinha do meio do peito até a cintura, para proteger de golpes de espada. Paulo o compara à verdade. Isto é mais do que o posto da mentira. É um sistema de valores. Sobre o cinturão, punha-se a couraça, que protegia todo o peito. Paulo fala da couraça da justiça. “Justiça”, no pensamento de Paulo, é o ato de Deus em nos tornar retos, perdoados, em Cristo. Temos um sistema de valores e de fé, que é a verdade, e que nos protege do erro, do pecado e do mal. Havia o escudo, que protegia todo o corpo. Quando as flechas eram lançadas, o soldado se abaixava e se escondia atrás do escudo. Paulo fala do escudo da fé. É a fé que protege dos “dardos inflamados do Maligno”. A salvação, como um todo, é o capacete. Nossa nova relação com Deus é que protege nossa cabeça, a nossa mente. Mas não ficando apenas na defesa, o cristão se vale da espada do Espírito, a Palavra de Deus, para atacar. É com a Palavra de Deus que nos defendemos e atacamos. No deserto, por três vezes, Jesus se valeu deste recurso: Mateus 4.4,7 e 10. “Está escrito” deve ser a lembrança para todos nós.

Além da armadura, um outro recurso: a oração. Não apenas por si, mas também a  intercessória (6.18-19). Quando oramos intercessoriamente, abrimos nosso coração para a obra de Deus como um todo. Orar intercessoriamente faz bem a quem ora, também.

Esta armadura não é para lutarmos uns contra os outros. É para lutar contra o Diabo  (6.11) e contra anjos caídos que nos assediam (6.12). Por vezes agimos como se os outros de outra fé fossem nossos inimigos. Nossos inimigos são Satanás e seus companheiros.

 

CONCLUSÃO

Começando com a soberana vontade de Deus em nos amar e nos escolher antes da história, ainda na eternidade, passando pela obra histórica de Cristo em trazer o universo de volta para o Pai, e pela  Igreja que surge como expressão concreta do ministério de Cristo, até à nossa luta contra as potestades espirituais que desejam a desordem no mundo, Efésios é um belo documento que mostra a totalidade da vida cristã. O texto de 3.20-21 deve ficar em nossa mente como lembrança do que ele pode fazer por nós e a quem deve ser a glória por aquilo que ele faz: “Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera, a esse seja glória na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém”.

 

 

 

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