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UMA BREVE INTRODUÇÃO À BÍBLIA – UMA ABORDAGEM HISTÓRICA-DEVOCIONAL

  • por

IGREJA BATISTA CENTRAL DE MACAPÁ

UMA BREVE INTRODUÇÃO À BÍBLIA – UMA ABORDAGEM HISTÓRICA-DEVOCIONAL

Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

 

 

INTRODUÇÃO

A Bíblia contém 66 livros (39 no Antigo Testamento e 27 no Novo Testamento), escritos por cerca de 40 autores (31 do AT e 9 do NT).  Ela foi escrita durante um período de mais ou menos 1.500 anos (1.400 a.C. a 100 d.C.), mas tem um único tema – a redenção do homem.  O AT compõe três quartos do conteúdo da Bíblia; o NT, um quarto.  Em termos da mensagem do evangelho:

  1. 1.    O AT relata: ……………………………..a preparação para o Evangelho
  2. 2.    Os quatro evangelhos relatam: …….a manifestação do Evangelho
  3. 3.    Atos relata: ……………………………….a expansão do Evangelho
  4. 4.    As epístolas relatam: …………………..a explicação do Evangelho
  5. 5.    O Apocalipse relata: ……………………a consumação do Evangelho.

IGREJA BATISTA CENTRAL DE MACAPÁ

UMA BREVE INTRODUÇÃO À BÍBLIA – UMA ABORDAGEM HISTÓRICA-DEVOCIONAL

Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

 

 

INTRODUÇÃO

A Bíblia contém 66 livros (39 no Antigo Testamento e 27 no Novo Testamento), escritos por cerca de 40 autores (31 do AT e 9 do NT).  Ela foi escrita durante um período de mais ou menos 1.500 anos (1.400 a.C. a 100 d.C.), mas tem um único tema – a redenção do homem.  O AT compõe três quartos do conteúdo da Bíblia; o NT, um quarto.  Em termos da mensagem do evangelho:

  1. 1.    O AT relata: ……………………………..a preparação para o Evangelho
  2. 2.    Os quatro evangelhos relatam: …….a manifestação do Evangelho
  3. 3.    Atos relata: ……………………………….a expansão do Evangelho
  4. 4.    As epístolas relatam: …………………..a explicação do Evangelho
  5. 5.    O Apocalipse relata: ……………………a consumação do Evangelho.Mas surge a pergunta, feita por muita gente: será que a Bíblia merece confiança, principalmente o AT, que é tão antigo? E também não será que as igrejas mudaram a Bíblia, de acordo com o tempo? Para responder a esta questão, precisamos considerar duas questões: (1) Como o texto foi produzido; (2) Como o texto se tornou o padrão religioso, digno de crédito. A estas duas, acrescento mais algum material para ampliar nosso conhecimento de como temos um texto que dizemos ser a Palavra de Deus. E que podemos ter certeza de sua autoridade e que não é um arranjo de um grupo.

     

    1. COMO O TEXTO FOI PRODUZIDO – A Bíblia foi produzida num espaço de 1.500 anos. O êxodo de Israel aconteceu em 1445 a.C. (segundo a data mais recuada,  de acordo com algumas fontes), e o Apocalipse foi escrito no ano 95 de nossa era. Ajuntando os dois temos 1540 anos. Considerando que Moisés escreveu logo depois do êxodo, podemos calcular 1.500 anos. A preservação dos textos se chama de transmissão. É o processo pelo qual os manuscritos originais, os autógrafos, foram copiados e recopiados através dos séculos.  Houve a transmissão oral, mas houve muito mais a transmissão por escrito.  Formou-se uma profissão altamente conceituada, denominada de “escribas” que se encarregavam desta fiel transmissão, começando com Esdras (Ed 7.6,10-11).  Os escribas tinham tanto respeito pelo texto, que chegaram a ter uma supersticiosa veneração de suas Escrituras.  No 5º e 6º séculos d.C., um grupo de escribas judaicos eruditos (os doutores da lei), chamado de massoretas, produziu uma edição padrão do AT, usando todos os manuscritos disponíveis daquela época.  Este texto modelar ficou tão correto que séculos mais tarde, quando em 1947 d.C. os rolos de Qumrã foram descobertos, datados ao redor de 175 a 225 a.C., os manuscritos eram quase iguais.  Deus, o divino autor que se revelou e que inspirou os escritores para comunicarem sua mensagem, também preservou a sua Revelação durante séculos de transmissão. Esses 1.500 anos são suficientes para dizermos que a Bíblia é um livro maturado, provado e afirmado em mais de um milênio. Não foi algo feito às pressas. E podemos afirmar, com segurança, que o Antigo Testamento que temos é o que havia no tempo de Jesus. Não procede e é profundamente desonesta a afirmação de que o conteúdo da Bíblia foi alterado com o tempo, pelas igrejas. Quem diz isto ignora por completo o processo de formação do cânon das Escrituras. Só a ignorância ou a má-fé para afirmar isto.

     

    2. COMO O TEXTO SE TORNOU PADRÃO RELIGIOSO – Este processo se chama canonização. Mais tarde passou a ter o sentido aplicado a transformação de uma pessoa em santa, depois da beatificação, na Igreja Católica. Mas, etimológica e historicamente, “canonização” é a identificação de um escrito como sendo divinamente inspirado.  A palavra “cânon” vem do hebraico qanah, que significa “régua de medir. “Cânon significa”, na linguagem de estudo da Bíblia, o conjunto de livros, que se tornou o “padrão aferidor”, a régua de medir da nossa fé. Os judeus chamam sua Bíblia, que é o Antigo Testamento protestante e evangélico, de Tanakh, derivado de três palavras, Torah (Lei), Nabhym (Profetas) e Kethubym (Escritos), que são as três divisões que deram à Bíblia (o nosso Antigo Testamento).

     

    (1) A canonização da Lei (Torah) – Houve anotações (Úx 24.4-7; Dt 31.9-13,24-26).  Estes escritos foram lidos e aceitos como Palavra de Deus séculos mais tarde na época de Josias (2Rs 23.1-3; 2Cr 34.29-31) e Esdras (Ne 8.1-3,8,13,14; 9.3), mas na realidade já tinham sido aceitos como autoritativos (isto é, com autoridade) por Josué (Js 1.8; 24.26-28).

     

    (2) A canonização dos Profetas (Nabhym) – Todos os profetas foram reconhecidos como homens com uma mensagem especial de Deus, e, assim, seus escritos foram logo aceitos como autoritativos, vindo de Deus. O que eles falaram se cumpriu, e a vida deles mostrava a seriedade do que falavam, também.

     

    (3) A canonização dos Escritos (Kethubym) – Os escritos também foram aceitos sem problemas.  Houve uma compilação deles pelos escribas do rei Ezequias (Pv 25.1), e há tradições antigas que dizem que Esdras, junto com outros escribas conhecidos como “A Grande Sinagoga” colecionaram e organizaram os manuscritos, de forma em que o Antigo Testamento, na sua essência, foi completado uns 400 anos antes de Cristo.

     

    A Igreja Católica Apostólica Romana acrescentou, no dia 8/4/1546, numa sessão do Concílio de Trento, com apenas cinco cardeais e quarenta e oito bispos presentes, alguns livros, que chamamos de apócrifos, e por ela chamados “deuterocanônicos” (que é o termo correto, diga-se).  Esta posição foi confirmada mais tarde no Concílio Vaticano I, em 1870 d.C. Assim sendo, é oportuno lembrar que não procede a afirmação de que a Bíblia protestante tem livros a menos. É a Bíblia católica que tem livros a mais. Ela os acrescentou. Ela aceitava o Antigo Testamento como judeus e protestantes sempre aceitaram.

     

    Certas traduções usadas pela Igreja Anglicana e a tradução de Martinho Lutero incluem os livros deuterocanônicos, mas inserindo-os em uma seção especial, chamada de “Apócrifos”, entre o Antigo e o Novo Testamentos. Devemos ressaltar que tais livros nunca foram aceitos como inspirados pelos protestantes e evangélicos.

     

    3. E O NOVO TESTAMENTO, COMO FOI FORMADO?

    Houve anotações dos sermões e discursos de Jesus, feitos pelos seus discípulos. Alguns estudiosos, por exemplo, afirmam que o sermão do monte é uma tradução grega (a língua em que o NT foi escrito) de um texto aramaico, a língua que Jesus falava. Há muitas expressões idiomáticas (chamadas de aramaísmos), que mostram que foram anotações de algo pronunciado em linguagem coloquial e não produzido originalmente em grego.  Além disso, a tradição oral (que é a repetição do que fora ouvido) era algo comum naquela época e havia um grande cuidado com a preservação do conteúdo. Afinal, era um dos métodos mais fortes de perpetuar ensinos. Os evangelhos foram aceitos sem problemas. As cartas de Paulo tinham o peso e autoridade de sua vida e de seu trabalho. As epístolas de Tiago, Judas, Pedro e João foram escritas por homens que as igrejas da época respeitavam e reconheciam como pessoas dignas de crédito, e de reconhecida comunhão com Deus. Houve vários critérios, que deixamos de comentar aqui, para evitar tornar o estudo muito técnico. Mas mencionamos três, que são os mais importantes: autoria, aceitação das igrejas e fidelidade à doutrina. O NT se divide em evangelhos (quatro), um livro histórico (Atos), cartas de Paulo (treze), uma carta de autor desconhecido (Hebreus), cartas de outros autores (sete, chamadas de cartas gerais) e o Apocalipse, num total de vinte e sete livros.

     

    Comecemos com o texto de 2Pedro 1.20-21: “sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo”. Podemos observar que Pedro considerava “a profecia” (Antigo Testamento) como “Escritura” (grafês, palavra usada para “escrito”, mas aqui com o sentido de um escrito com autoridade).

     

    Isto nos mostra que a Bíblia dos primeiros cristãos foi o Antigo Testamento. Vemos mais disto em Lucas 24.27, na atitude de Jesus: “E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicou-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras”. E também em Lucas 24.44: “Depois lhe disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco, que importava que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. Os judeus dividiam o Antigo Testamento em Lei, Profetas e Escritos. Jesus alude às três divisões, apenas citando “Salmos” em vez de “Escritos”. Talvez por ser o maior livro dos Escritos.

     

    Desde cedo, o ministério de Jesus sinalizou que havia algo de diferente no mundo. O episódio da transfiguração elucida bem isto. Diante dos discípulos estavam Moisés e Elias, tipificando a Lei e os Profetas, mais Jesus, a nova revelação. Quando Pedro tenta nivelar os três, dispondo-se a fazer uma tenda para cada um, Deus Pai intervém e declara: “Este é o meu Filho amado, em que me comprazo; a ele ouvi” (Mt 17.5) e tira Moisés e Elias de cena. Os discípulos “erguendo os olhos, não viram a ninguém, senão a Jesus somente” (Mt 17.8). Nós ouvimos a Jesus, e não a Moisés e os Profetas. Ouvimos o Novo Testamento, e não o Antigo. Também deduzimos isto de uma palavra de Jesus, em Lucas 16.16: “A lei e os profetas vigoraram até João; desde então é anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem forceja por entrar nele”. A Lei e os Profetas, o Antigo Testamento, se esgotaram em João Batista, o último dos profetas na linhagem dos profetas de Israel. Com Jesus se inicia um tempo novo. Obviamente que uma nova revelação acabaria por surgir.

     

    Jesus se valeu do Antigo Testamento, como judeu que era, mas tinha a noção de que trazia uma nova revelação. E sabia que não conseguiria completar toda ela, na comunicação aos discípulos. Lemos isto em João 16.12: “Ainda tenho muito que vos dizer; mas vós não o podeis suportar agora”. Já dissera coisas demais para que um grupo de pescadores, moldados no judaísmo, conseguissem entender tudo. Ainda havia mais coisas para dizer. Ele continua o discurso e anuncia que suas verdades ainda continuarão a ser ditas, agora pelo Espírito Santo, nos versículos 13-14: “Quando vier, porém, aquele, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas vindouras. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu, e vo-lo anunciará”. Esta palavra de Jesus é o endosso à revelação que viria desaguar no Novo Testamento.

     

    A igreja primitiva entendeu que a revelação do Antigo Testamento se esgotou com o ensino de Jesus. A citação de Jesus em Lucas 16.16 deve ter soado bem clara para eles. Havia uma parte nova em fazimento. Este ensino de Jesus é a palavra final de Deus, como lemos em Hebreus 1.1-2: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho…”. Jesus é a Palavra encarnada, como diz João, no prólogo do evangelho (“e a Palavra de fez carne” – Jo 1.14) e é, também, a Palavra final.

     

    Ao mesmo tempo, a igreja entendeu que tinha uma tarefa de reorganizar a revelação divina escrita. Como reverenciavam as Escrituras, isto deve ter sido uma tarefa muito bem pensada pelos discípulos. Em João 5.39, Jesus disse que os judeus examinavam as Escrituras e que elas testificavam dele: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; e são elas que dão testemunho de mim”. A Igreja entendeu que o Antigo Testamento fora um testemunho sobre Jesus.  A questão era, de um ponto de vista de formulação, bem simples: reinterpretar as Escrituras. Mas era algo bastante complexo. Doutores da Lei haviam cristalizado o Antigo Testamento em séculos de estudo. Como eles fariam isto? Eles tinham que dar algumas explicações não apenas ao mundo, mas a si mesmos. Como entender o fenômeno Jesus? Como explicar o que eles tinham visto? Primeiramente, eles releram o Antigo Testamento, procurando por Jesus. Ele mesmo dissera que o Antigo Testamento testemunhara dele (Jo 5.39) e que Moisés testemunhara dele (“Pois se crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim ele escreveu”- Jo 5.46). Nos sermões em Atos vemos que a Igreja foi buscar no Antigo Testamento, principalmente em Salmos, algumas pistas sobre Jesus. Salmos falam das esperanças e das expectativas dos judeus. Inclusive as esperanças pelo Messias. Os salmos messiânicos aludiam ao rei de Jerusalém como ungido de Deus. Foram aplicados a Jesus. A grande tarefa foi reinterpretar o Antigo Testamento. Ao mesmo tempo em que reinterpretava o Antigo Testamento, a igreja produzia a sua literatura, que gerou o Novo Testamento. Eis nossa questão: como isto aconteceu? Como surgiram os escritos sobre Jesus, sobre a nova revelação, e como chegaram a ser tidos como autoritativos?

     

    3.1 – A TRADIÇÃO ORAL – Antes de chegarem à escrita, os relatos de Jesus circularam oralmente. Esta era uma prática entre os orientais e, óbvio, os judeus. Nas caravanas de viajantes pelo deserto, nas vilas, à noite, ao redor das fogueiras, no campo, as pessoas se ajuntavam para contar as histórias de seu povo. A grande massa da literatura dos rabinos foi desenvolvida entre os anos 100 a.C. e 50 de nossa era. Neste período de 150 anos, a transmissão foi oral. Foi o método de que o Espírito se valeu para formar o Antigo Testamento. Lemos em 2Timóteo 1.14: “guarda o bom depósito com o auxílio do Espírito Santo, que habita em nós”. “O bom depósito” é, no grego, ten kalen paratheken, literalmente, “o verdadeiro depósito”. Kalen era usado para designar algo verdadeiro em contraposição ao falso, principalmente moedas. Paulo está falando da tradição oral que Timóteo recebeu, que está nele, com o auxílio do Espírito Santo, e que ele deve diferenciar das tradições falsas. Assim se foi formando o Novo Testamento. Seu gérmen foi a tradição oral.

     

    Citando Crabtree: “O primeiro evangelho representa a tradição apostólica circulada na Judéia, o Evangelho segundo Mateus. O segundo evangelho representa a tradição conhecida na Igreja de Roma, o Evangelho de Marcos, recebido do apóstolo Pedro. O terceiro evangelho, escrito por Lucas, o médico, representa a tradição circulada em Antioquia e em outras igrejas da Ásia Menor” [1]. Segundo esta teoria, a tradição foi, assim, preservada em três edições: a judaica, a romana e a grega. Isto é suficiente para mostrar que a formulação dos evangelhos foi algo muito bem preparado. Não é um trabalho irrelevante, pois que as três grandes correntes do pensamento mundial, na época, foram alcançadas pelo evangelho e puderam avaliá-lo, também.

     

    3.2 – A TRADIÇÃO ESCRITA – Houve documentação do ensinado por Jesus. Alguns estudiosos, por exemplo, afirmam que o sermão do Monte foi pronunciado em hebraico (menos provavelmente em aramaico) e que isto se vê na forma com foi traduzido para o grego [2]. Neste caso, teria havido anotações do longo discurso. O que temos seria uma síntese do que Jesus proferiu. Mas, isto é que nos interessa neste contexto: teria havido anotações escritas dos sermões proferidos por Jesus.

     

    4. QUAL O VALOR DISTO PARA NÓS? – O grande valor está em que os cristãos consideram o Antigo Testamento, junto com o Novo (os dois juntos formam a nossa Bíblia), como Palavra de Deus. Não que ela contém ou que ela se torna, mas que ela é a Palavra de Deus. Crêem que ela tem lições vivenciais para nós. Longe de ser um livro embolorado, é um livro dinâmico, porque mostra as relações entre Deus e os homens por mil e quinhentos anos. Mostra como Deus se manifestou, como as pessoas agiram, o que deu certo e o que deu errado. Ela traz padrões vivenciais que sempre funcionaram. As sociedades podem mudar, mas os problemas básicos da humanidade são sempre os mesmos. A Bíblia tem ajudado homens e mulheres, nestes 3.500 anos, desde seu primeiro livro, até hoje. Não pode ser descartada sem mais nem menos. E deve ser compreendida como sendo um elemento útil para orientar a nossa vida.

     

    5. COMO DEVEMOS VER A BÍBLIA?

     

     

    (1) Reconhecendo-a como uma obra inspirada por Deus: 2Pedro 1.20-21. Deus veio se revelando gradualmente, até que se revelou, de vez, na pessoa de Jesus: Hebreus 1.1-4. Depois de Jesus, nada há mais para se dizer, em termos de revelação. Cremos que Deus continua a falar, mas não que continua a se revelar. Ele disse tudo, em Jesus.

     

    (2) Reconhecendo-a como verdadeira: 2Timóteo 3.14-17. Isto não significa a verdade em ciência, e química ou qualquer ramo do saber humano. Ela foi escrita para nos ensinar sobre Deus, e neste ponto, seus conceitos são verdadeiros. Há nela o registro de falhas humanas, de falhas pessoais dos escritores, mas os conceitos são de origem divina. Ela não doura a pílula nem varre os defeitos das pessoas para baixo do tapete. É profundamente honesta em mostrar os erros, mas em termos de verdade religiosa, ela é a verdade.

     

    (3) Reconhecendo-a como útil para guiar a nossa vida. Vejamos, sobre isto, o Salmo 119.105. A pessoa que a estuda e medita nela é abençoada em sua vida e nas decisões que deve tomar: Salmo 1.2-3. Assim sendo, não basta lê-la como um livro qualquer, mas lê-la e praticá-la, como vemos em Tiago 1.22-25. Nosso relacionamento com a Bíblia nunca pode ser meramente cognitivo, mas deve ser existencial.

     

    (4) Reconhecendo o critério de que houve uma revelação progressiva. Deus se revelou gradativamente (Hb 1.1-2) até dar sua palavra final em Jesus. É o Novo que interpreta o Antigo e é a nossa fonte de autoridade. Não guardamos o Antigo Testamento, porque o cristão segue a Cristo (a nova revelação), e não a Moisés (a Lei) e Elias (os profetas), conforme Deus Pai declarou em Mateus 17.5. O Novo Testamento é o fio de prumo para se entender a Bíblia, e Cristo é o fio de prumo para se entender o Novo Testamento. Jesus é, como disse Lutero, “o cânon dentro do cânon”. Ela é a chave para se entender as Escrituras.

     

    CONCLUSÃO – Hoje, muitas pessoas pretendem falar em nome de Deus e trazem seus conceitos pessoais como se estes fossem um oráculo sagrado. Ter conceitos pessoais é um direito de qualquer um, mas atribuí-los a Deus é algo bem mais sério. Devemos ouvir, examinar e filtrar toda e qualquer afirmação religiosa: Atos 17.10-11 e 1Tessalonicenses 5.21. Nenhuma pessoa, nenhum líder religioso, que se diga cristão, tem o direito de ensinar o oposto da Bíblia ou de usá-la como deseja. O livre exame das Escrituras é uma coisa, mas a livre interpretação é outra. O texto bíblico tem um sentido e não pode receber outro que divirja do seu ensino. A interpretação bíblica não pode seguir regras de interpretação de textos seculares, porque deve partir de um pressuposto fundamental: o texto é inspirado por Deus.

     

    E toda e qualquer pretensa revelação que alguém traga deve ser examinada pela Bíblia, e não o oposto. A Bíblia é juíza e não ré. É o microscópio pelo qual devemos enxergar as realidades espirituais, e não o objeto a ser analisado pelas lentes de correntes de pensamento humano. Aceitar ensinos humanos, como os adventistas fazem com os escritos de Hellen White ou os mórmons fazem com o Livro do Mórmon, colocando-os em pé de igualdade com a Bíblia é blasfêmia. Os adventistas, por exemplo, consideram White como fonte de autoridade e continuadora da Revelação. Isto é dizer que a Bíblia é incompleta. E nós, que a estudamos, devemos fazer como lemos em Tiago 1.22-25. O mais importante no seu estudo não é descobrir curiosidades inúteis, mas sim aplicar a sua mensagem, na nossa vida. Este é o propósito divino para nós.

     


    [1] David Smith, The days of his flesh, p. XV

    [2] Chouraqui, A Bíblia – Matyah, p.  82.

     

Mas surge a pergunta, feita por muita gente: será que a Bíblia merece confiança, principalmente o AT, que é tão antigo? E também não será que as igrejas mudaram a Bíblia, de acordo com o tempo? Para responder a esta questão, precisamos considerar duas questões(1) Como o texto foi produzido; (2) Como o texto se tornou o padrão religioso, digno de crédito. A estas duas, acrescento mais algum material para ampliar nosso conhecimento de como temos um texto que dizemos ser a Palavra de Deus. E que podemos ter certeza de sua autoridade e que não é um arranjo de um grupo.

 

1. COMO O TEXTO FOI PRODUZIDO – A Bíblia foi produzida num espaço de 1.500 anos. O êxodo de Israel aconteceu em 1445 a.C. (segundo a data mais recuada,  de acordo com algumas fontes), e o Apocalipse foi escrito no ano 95 de nossa era. Ajuntando os dois temos 1540 anos. Considerando que Moisés escreveu logo depois do êxodo, podemos calcular 1.500 anos. A preservação dos textos se chama de transmissão. É o processo pelo qual os manuscritos originais, osautógrafos, foram copiados e recopiados através dos séculos.  Houve a transmissão oral, mas houve muito mais atransmissão por escrito.  Formou-se uma profissão altamente conceituada, denominada de “escribas” que se encarregavam desta fiel transmissão, começando com Esdras (Ed 7.6,10-11).  Os escribas tinham tanto respeito pelo texto, que chegaram a ter uma supersticiosa veneração de suas Escrituras.  No 5º e 6º séculos d.C., um grupo de escribas judaicos eruditos (os doutores da lei), chamado de massoretas, produziu uma edição padrão do AT, usando todos os manuscritos disponíveis daquela época.  Este texto modelar ficou tão correto que séculos mais tarde, quando em 1947 d.C. os rolos de Qumrã foram descobertos, datados ao redor de 175 a 225 a.C., os manuscritos eram quase iguais.  Deus, o divino autor que se revelou e que inspirou os escritores para comunicarem sua mensagem, também preservou a sua Revelação durante séculos de transmissão. Esses 1.500 anos são suficientes para dizermos que a Bíblia é um livro maturado, provado e afirmado em mais de um milênio. Não foi algo feito às pressas. E podemos afirmar, com segurança, que o Antigo Testamento que temos é o que havia no tempo de Jesus. Não procede e é profundamente desonesta a afirmação de que o conteúdo da Bíblia foi alterado com o tempo, pelas igrejas. Quem diz isto ignora por completo o processo de formação do cânon das Escrituras. Só a ignorância ou a má-fé para afirmar isto.

 

2. COMO O TEXTO SE TORNOU PADRÃO RELIGIOSO – Este processo se chama canonização. Mais tarde passou a ter o sentido aplicado a transformação de uma pessoa em santa, depois da beatificação, na Igreja Católica. Mas, etimológica e historicamente, “canonização” é a identificação de um escrito como sendo divinamente inspirado.  A palavra “cânon” vem do hebraico qanah, que significa “régua de medir. “Cânon significa”, na linguagem de estudo da Bíblia, o conjunto de livros, que se tornou o “padrão aferidor”, a régua de medir da nossa fé. Os judeus chamam sua Bíblia, que é o Antigo Testamento protestante e evangélico, de Tanakh, derivado de três palavras, Torah (Lei), Nabhym (Profetas) e Kethubym(Escritos), que são as três divisões que deram à Bíblia (o nosso Antigo Testamento).

 

(1) A canonização da Lei (Torah) – Houve anotações (Úx 24.4-7; Dt 31.9-13,24-26).  Estes escritos foram lidos e aceitos como Palavra de Deus séculos mais tarde na época de Josias (2Rs 23.1-3; 2Cr 34.29-31) e Esdras (Ne 8.1-3,8,13,14; 9.3), mas na realidade já tinham sido aceitos como autoritativos (isto é, com autoridade) por Josué (Js 1.8; 24.26-28).

 

(2) A canonização dos Profetas (Nabhym) – Todos os profetas foram reconhecidos como homens com uma mensagem especial de Deus, e, assim, seus escritos foram logo aceitos como autoritativos, vindo de Deus. O que eles falaram se cumpriu, e a vida deles mostrava a seriedade do que falavam, também.

 

(3) A canonização dos Escritos (Kethubym) – Os escritos também foram aceitos sem problemas.  Houve uma compilação deles pelos escribas do rei Ezequias (Pv 25.1), e há tradições antigas que dizem que Esdras, junto com outros escribasconhecidos como “A Grande Sinagoga” colecionaram e organizaram os manuscritos, de forma em que o Antigo Testamento, na sua essência, foi completado uns 400 anos antes de Cristo.

 

A Igreja Católica Apostólica Romana acrescentou, no dia 8/4/1546, numa sessão do Concílio de Trento, com apenas cinco cardeais e quarenta e oito bispos presentes, alguns livros, que chamamos de apócrifos, e por ela chamados “deuterocanônicos” (que é o termo correto, diga-se).  Esta posição foi confirmada mais tarde no Concílio Vaticano I, em 1870 d.C. Assim sendo, é oportuno lembrar que não procede a afirmação de que a Bíblia protestante tem livros a menos. É a Bíblia católica que tem livros a mais. Ela os acrescentou. Ela aceitava o Antigo Testamento como judeus e protestantes sempre aceitaram.

 

Certas traduções usadas pela Igreja Anglicana e a tradução de Martinho Lutero incluem os livros deuterocanônicos, mas inserindo-os em uma seção especial, chamada de “Apócrifos”, entre o Antigo e o Novo Testamentos. Devemos ressaltar que tais livros nunca foram aceitos como inspirados pelos protestantes e evangélicos.

 

3. E O NOVO TESTAMENTO, COMO FOI FORMADO?

Houve anotações dos sermões e discursos de Jesus, feitos pelos seus discípulos. Alguns estudiosos, por exemplo, afirmam que o sermão do monte é uma tradução grega (a língua em que o NT foi escrito) de um texto aramaico, a língua que Jesus falava. Há muitas expressões idiomáticas (chamadas de aramaísmos), que mostram que foram anotações de algo pronunciado em linguagem coloquial e não produzido originalmente em grego.  Além disso, a tradição oral (que é a repetição do que fora ouvido) era algo comum naquela época e havia um grande cuidado com a preservação do conteúdo. Afinal, era um dos métodos mais fortes de perpetuar ensinos. Os evangelhos foram aceitos sem problemas. As cartas de Paulo tinham o peso e autoridade de sua vida e de seu trabalho. As epístolas de Tiago, Judas, Pedro e João foram escritas por homens que as igrejas da época respeitavam e reconheciam como pessoas dignas de crédito, e de reconhecida comunhão com Deus. Houve vários critérios, que deixamos de comentar aqui, para evitar tornar o estudo muito técnico. Mas mencionamos três, que são os mais importantes: autoria, aceitação das igrejas e fidelidade à doutrina. O NT se divide em evangelhos (quatro), um livro histórico (Atos), cartas de Paulo (treze), uma carta de autor desconhecido (Hebreus), cartas de outros autores (sete, chamadas de cartas gerais) e o Apocalipse, num total de vinte e sete livros.

 

Comecemos com o texto de 2Pedro 1.20-21: “sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo”. Podemos observar que Pedro considerava “a profecia” (Antigo Testamento) como “Escritura” (grafês, palavra usada para “escrito”, mas aqui com o sentido de um escrito com autoridade).

 

Isto nos mostra que a Bíblia dos primeiros cristãos foi o Antigo Testamento. Vemos mais disto em Lucas 24.27, na atitude de Jesus: “E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicou-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras”. E também em Lucas 24.44: “Depois lhe disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco, que importava que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. Os judeus dividiam o Antigo Testamento em Lei, Profetas e Escritos. Jesus alude às três divisões, apenas citando “Salmos” em vez de “Escritos”. Talvez por ser o maior livro dos Escritos.

 

Desde cedo, o ministério de Jesus sinalizou que havia algo de diferente no mundo. O episódio da transfiguração elucida bem isto. Diante dos discípulos estavam Moisés e Elias, tipificando a Lei e os Profetas, mais Jesus, a nova revelação. Quando Pedro tenta nivelar os três, dispondo-se a fazer uma tenda para cada um, Deus Pai intervém e declara: “Este é o meu Filho amado, em que me comprazo; a ele ouvi” (Mt 17.5) e tira Moisés e Elias de cena. Os discípulos “erguendo os olhos, não viram a ninguém, senão a Jesus somente” (Mt 17.8). Nós ouvimos a Jesus, e não a Moisés e os Profetas. Ouvimos o Novo Testamento, e não o Antigo. Também deduzimos isto de uma palavra de Jesus, em Lucas 16.16: “A lei e os profetas vigoraram até João; desde então é anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem forceja por entrar nele”. A Lei e os Profetas, o Antigo Testamento, se esgotaram em João Batista, o último dos profetas na linhagem dos profetas de Israel. Com Jesus se inicia um tempo novo. Obviamente que uma nova revelação acabaria por surgir.

 

Jesus se valeu do Antigo Testamento, como judeu que era, mas tinha a noção de que trazia uma nova revelação. E sabia que não conseguiria completar toda ela, na comunicação aos discípulos. Lemos isto em João 16.12: “Ainda tenho muito que vos dizer; mas vós não o podeis suportar agora”. Já dissera coisas demais para que um grupo de pescadores, moldados no judaísmo, conseguissem entender tudo. Ainda havia mais coisas para dizer. Ele continua o discurso e anuncia que suas verdades ainda continuarão a ser ditas, agora pelo Espírito Santo, nos versículos 13-14: “Quando vier, porém, aquele, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas vindouras. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu, e vo-lo anunciará”. Esta palavra de Jesus é o endosso à revelação que viria desaguar no Novo Testamento.

 

A igreja primitiva entendeu que a revelação do Antigo Testamento se esgotou com o ensino de Jesus. A citação de Jesus em Lucas 16.16 deve ter soado bem clara para eles. Havia uma parte nova em fazimento. Este ensino de Jesus é a palavra final de Deus, como lemos em Hebreus 1.1-2: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho…”. Jesus é a Palavra encarnada, como diz João, no prólogo do evangelho (“e a Palavra de fez carne” – Jo 1.14) e é, também, a Palavra final.

 

Ao mesmo tempo, a igreja entendeu que tinha uma tarefa de reorganizar a revelação divina escrita. Como reverenciavam as Escrituras, isto deve ter sido uma tarefa muito bem pensada pelos discípulos. Em João 5.39, Jesus disse que os judeus examinavam as Escrituras e que elas testificavam dele: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; e são elas que dão testemunho de mim”. A Igreja entendeu que o Antigo Testamento fora um testemunho sobre Jesus.  A questão era, de um ponto de vista de formulação, bem simples: reinterpretar as Escrituras. Mas era algo bastante complexo. Doutores da Lei haviam cristalizado o Antigo Testamento em séculos de estudo. Como eles fariam isto? Eles tinham que dar algumas explicações não apenas ao mundo, mas a si mesmos. Como entender o fenômeno Jesus? Como explicar o que eles tinham visto? Primeiramente, eles releram o Antigo Testamento, procurando por Jesus. Ele mesmo dissera que o Antigo Testamento testemunhara dele (Jo 5.39) e que Moisés testemunhara dele (“Pois se crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim ele escreveu”- Jo 5.46). Nos sermões em Atos vemos que a Igreja foi buscar no Antigo Testamento, principalmente em Salmos, algumas pistas sobre Jesus. Salmos falam das esperanças e das expectativas dos judeus. Inclusive as esperanças pelo Messias. Os salmos messiânicos aludiam ao rei de Jerusalém como ungido de Deus. Foram aplicados a Jesus. A grande tarefa foi reinterpretar o Antigo Testamento. Ao mesmo tempo em que reinterpretava o Antigo Testamento, a igreja produzia a sua literatura, que gerou o Novo Testamento. Eis nossa questão: como isto aconteceu? Como surgiram os escritos sobre Jesus, sobre a nova revelação, e como chegaram a ser tidos como autoritativos?

 

3.1 – A TRADIÇÃO ORAL – Antes de chegarem à escrita, os relatos de Jesus circularam oralmente. Esta era uma prática entre os orientais e, óbvio, os judeus. Nas caravanas de viajantes pelo deserto, nas vilas, à noite, ao redor das fogueiras, no campo, as pessoas se ajuntavam para contar as histórias de seu povo. A grande massa da literatura dos rabinos foi desenvolvida entre os anos 100 a.C. e 50 de nossa era. Neste período de 150 anos, a transmissão foi oral. Foi o método de que o Espírito se valeu para formar o Antigo Testamento. Lemos em 2Timóteo 1.14: “guarda o bom depósito com o auxílio do Espírito Santo, que habita em nós”. “O bom depósito” é, no grego, ten kalen paratheken, literalmente, “o verdadeiro depósito”. Kalen era usado para designar algo verdadeiro em contraposição ao falso, principalmente moedas. Paulo está falando da tradição oral que Timóteo recebeu, que está nele, com o auxílio do Espírito Santo, e que ele deve diferenciar das tradições falsas. Assim se foi formando o Novo Testamento. Seu gérmen foi a tradição oral.

 

Citando Crabtree: “O primeiro evangelho representa a tradição apostólica circulada na Judéia, o Evangelho segundo Mateus. O segundo evangelho representa a tradição conhecida na Igreja de Roma, o Evangelho de Marcos, recebido do apóstolo Pedro. O terceiro evangelho, escrito por Lucas, o médico, representa a tradição circulada em Antioquia e em outras igrejas da Ásia Menor” [1]. Segundo esta teoria, a tradição foi, assim, preservada em três edições: a judaica, a romana e a grega. Isto é suficiente para mostrar que a formulação dos evangelhos foi algo muito bem preparado. Não é um trabalho irrelevante, pois que as três grandes correntes do pensamento mundial, na época, foram alcançadas pelo evangelho e puderam avaliá-lo, também.

 

3.2 – A TRADIÇÃO ESCRITA – Houve documentação do ensinado por Jesus. Alguns estudiosos, por exemplo, afirmam que o sermão do Monte foi pronunciado em hebraico (menos provavelmente em aramaico) e que isto se vê na forma com foi traduzido para o grego [2]. Neste caso, teria havido anotações do longo discurso. O que temos seria uma síntese do que Jesus proferiu. Mas, isto é que nos interessa neste contexto: teria havido anotações escritas dos sermões proferidos por Jesus.

 

4. QUAL O VALOR DISTO PARA NÓS? – O grande valor está em que os cristãos consideram o Antigo Testamento, junto com o Novo (os dois juntos formam a nossa Bíblia), como Palavra de Deus. Não que ela contém ou que ela se torna, mas que ela é a Palavra de Deus. Crêem que ela tem lições vivenciais para nós. Longe de ser um livro embolorado, é um livro dinâmico, porque mostra as relações entre Deus e os homens por mil e quinhentos anos. Mostra como Deus se manifestou, como as pessoas agiram, o que deu certo e o que deu errado. Ela traz padrões vivenciais que sempre funcionaram. As sociedades podem mudar, mas os problemas básicos da humanidade são sempre os mesmos. A Bíblia tem ajudado homens e mulheres, nestes 3.500 anos, desde seu primeiro livro, até hoje. Não pode ser descartada sem mais nem menos. E deve ser compreendida como sendo um elemento útil para orientar a nossa vida.

 

5. COMO DEVEMOS VER A BÍBLIA?

 

 

(1) Reconhecendo-a como uma obra inspirada por Deus: 2Pedro 1.20-21. Deus veio se revelando gradualmente, até que se revelou, de vez, na pessoa de Jesus: Hebreus 1.1-4. Depois de Jesus, nada há mais para se dizer, em termos de revelação. Cremos que Deus continua a falar, mas não que continua a se revelar. Ele disse tudo, em Jesus.

 

(2) Reconhecendo-a como verdadeira: 2Timóteo 3.14-17. Isto não significa a verdade em ciência, e química ou qualquer ramo do saber humano. Ela foi escrita para nos ensinar sobre Deus, e neste ponto, seus conceitos são verdadeiros. Há nela o registro de falhas humanas, de falhas pessoais dos escritores, mas os conceitos são de origem divina. Ela não doura a pílula nem varre os defeitos das pessoas para baixo do tapete. É profundamente honesta em mostrar os erros, mas em termos de verdade religiosa, ela é a verdade.

 

(3) Reconhecendo-a como útil para guiar a nossa vida. Vejamos, sobre isto, o Salmo 119.105. A pessoa que a estuda e medita nela é abençoada em sua vida e nas decisões que deve tomar: Salmo 1.2-3. Assim sendo, não basta lê-la como um livro qualquer, mas lê-la e praticá-la, como vemos em Tiago 1.22-25. Nosso relacionamento com a Bíblia nunca pode ser meramente cognitivo, mas deve ser existencial.

 

(4) Reconhecendo o critério de que houve uma revelação progressiva. Deus se revelou gradativamente (Hb 1.1-2) até dar sua palavra final em Jesus. É o Novo que interpreta o Antigo e é a nossa fonte de autoridade. Não guardamos o Antigo Testamento, porque o cristão segue a Cristo (a nova revelação), e não a Moisés (a Lei) e Elias (os profetas), conforme Deus Pai declarou em Mateus 17.5. O Novo Testamento é o fio de prumo para se entender a Bíblia, e Cristo é o fio de prumo para se entender o Novo Testamento. Jesus é, como disse Lutero, “o cânon dentro do cânon”. Ela é a chave para se entender as Escrituras.

 

CONCLUSÃO – Hoje, muitas pessoas pretendem falar em nome de Deus e trazem seus conceitos pessoais como se estes fossem um oráculo sagrado. Ter conceitos pessoais é um direito de qualquer um, mas atribuí-los a Deus é algo bem mais sério. Devemos ouvir, examinar e filtrar toda e qualquer afirmação religiosa: Atos 17.10-11 e 1Tessalonicenses 5.21. Nenhuma pessoa, nenhum líder religioso, que se diga cristão, tem o direito de ensinar o oposto da Bíblia ou de usá-la como deseja. O livre exame das Escrituras é uma coisa, mas a livre interpretação é outra. O texto bíblico tem um sentido e não pode receber outro que divirja do seu ensino. A interpretação bíblica não pode seguir regras de interpretação de textos seculares, porque deve partir de um pressuposto fundamental: o texto é inspirado por Deus.

 

E toda e qualquer pretensa revelação que alguém traga deve ser examinada pela Bíblia, e não o oposto. A Bíblia é juíza e não ré. É o microscópio pelo qual devemos enxergar as realidades espirituais, e não o objeto a ser analisado pelas lentes de correntes de pensamento humano. Aceitar ensinos humanos, como os adventistas fazem com os escritos de Hellen White ou os mórmons fazem com o Livro do Mórmon, colocando-os em pé de igualdade com a Bíblia é blasfêmia. Os adventistas, por exemplo, consideram White como fonte de autoridade e continuadora da Revelação. Isto é dizer que a Bíblia é incompleta. E nós, que a estudamos, devemos fazer como lemos em Tiago 1.22-25. O mais importante no seu estudo não é descobrir curiosidades inúteis, mas sim aplicar a sua mensagem, na nossa vida. Este é o propósito divino para nós.

 


[1] David Smith, The days of his flesh, p. XV

[2] Chouraqui, A Bíblia – Matyah, p.  82.

 

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