Pular para o conteúdo

ANJOS – UM BREVE ESTUDO BÍBLICO

  • por

 

Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho, para a Igreja Batista Central de Macapá, AP

 

INTRODUÇÃO

O que é um “anjo”? Nos gibis de Maurício de Souza, é um ente com cabelos loiros encaracolados, olhos azuis, um par de asas nas costas e uma auréola sobre a cabeça.  Quando criança, criado na Igreja Católica, eu colecionava estampas de santos em meu catecismo. Havia um cartão especial que me impressionava: uma criança ia atravessar uma ponte e um anjo a protegia. Como sempre, o anjo era loiro e tinha um grande par de asas.

No misticismo de hoje, os anjos são mostrados como entes que podem ser manipulados. Há um anjo para cada dia, dá-se seu nome, e como se relacionar bem com ele. No neopentecostalismo não é diferente. “Gloria Copeland e Charles Capps sugerem que pode haver entre 40.000 e 72.000 anjos designados para cada crente, apenas esperando para servir-nos”[1]. Em certo lugar, um missionário recebera uma legião de anjos da parte de Deus, e os  alugava aos crentes, que pagavam mensalidades de um carnê pelo “aluguel”.

O que é um anjo? Alguém alado, alguém a serviço dos cristãos, alguém que vem nos visitar e dar revelações? O que a Bíblia diz?

 

1. OS TERMOS BÍBLICOS

O Antigo Testamento hebraico traz a palavra mal´aqh e o Novo Testamento grego assumiu a palavra aggelos, que se pronuncia angelos  (quando há dois gamas, nossa letra “g”, o primeiro soa como “n”) como as palavras mais comuns. Os termos não têm a ver com sua forma, mas com sua função, que significa “mensageiro”. Anjos são mensageiros de Deus. O termo é usado tanto para mensageiros humanos (1Rs 19.2, Lc 7.24 e 9.52), como para mensageiros divinos (Gn 21.17, Mt 1.20, Lc 22.43).

Na maior parte das vezes, a palavra se refere aos mensageiros de Deus, que povoam o mundo celeste e assistem em sua presença. Mas aggelos se usa tanto para anjos de Deus quanto para os anjos caídos. Já não acontece isto com mal´aqh porque no judaísmo a noção de Satanás e de anjos caídos é tênue.

Há outros termos hebraicos usados para designar anjos. Um deles é benym Elohym (“filhos de Deus”). Encontramos em Jó 1.6 e 2.1, Salmos 29.1 e 89.6 (que algumas versões trazem como “seres celestiais”).

Outro termo é “santos” (qadoshym), com a idéia de “distintos, separados”. Vemos assim no Salmo 89.5 e 7. Outro, ainda, é “vigias” ou “vigilantes” (ayr), que aparece apenas em Daniel 4.13, 17 e 23. A idéia é que estão vigiando pelo povo de Deus.

No Novo Testamento, além de aggelos, eles são chamados de “espíritos”, como lemos em Hebreus 1.4. O termo é pneuma, que significa “ar” ou “vento”. Ressalta a idéia da sua imaterialidade, ou seja, são incorpóreos. Citando Augustus Nicodemus:

 

Existe outro termo no Novo Testamento para se referir aos anjos, o qual só Paulo emprega: “principados e potestades”. Em duas ocasiões é usado em referência aos demônios (Ef 6.12; Cl 2.15) e em três outras aos anjos de Deus (Ef 3.10; Cl 1.16; 1Pe 3.22). Em todos os casos, refere-se ao poder e à hierarquia que existe entre esses espíritos [2].

 

 

2. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DOS ANJOS

Apresento cinco, a seguir. Não são todas as características, mas dentro de nosso propósito neste estudo nos servirão.

2.1  – Os anjos são entes espirituais. Prefiro chamá-los “entes” a “seres”. Filosoficamente, só há um Ser, Deus, o Incriado, o Eterno, o Autoexistente. Os demais são criados, por isso é melhor chamá-los de “entes”. Como entes espirituais, são incorpóreos (Hb 1.14). Embora não tenham corpo físico podem, eventualmente,  assumir forma corpórea, como percebemos em Gênesis 19.

2.2   – Os anjos são imortais. Não são eternos, pois eterno é o que não tem princípio nem fim. Eles tiveram início, mas não morrem. Esta imortalidade deles se vê nas palavras de Jesus em Lucas 20.36.

2.3   – Os anjos não se reproduzem de acordo com sua espécie. A Bíblia não os mostra como entes assexuados. As referências a eles se dão com o pronome masculino. Aparecem e são vistos como se fossem homens, do sexo masculino. No Antigo Testamento, Gabriel é mostrado com aparência de homem (Dn 8.15-16). É o mesmo Gabriel de Lucas 1.26. Em Apocalipse 12.7 há outro anjo, com nome masculino, Miguel (Ap 12.7). Não há referências a “anjas”, ou anjos do sexo feminino. Parece que sua reprodução não fazia parte do projeto de Deus.

2.4  – Os anjos têm poder superior ao humano, mas não são onipotentes. Vejamm-se  Salmo 8.5 (onde elohym, termo usado para Deus e para entes espirituais foi entendido por alguns tradutores como “Deus”) e 103.20. São mais fortes que nós (2Pe 2.11), são poderosos (2Ts 1.7) e esta força pode ser usada por Deus para tocar em pessoas (2Sm 24.16-17 e At 12.23). Esta força pode operar pelos crentes (At 5.19 e 12.7). Na ressurreição de Jesus esta força foi usada: Mateus 28.2.

2.5  – Os anjos são servidores dos crentes. Libertaram Pedro. Um deles apareceu a Paulo, em hora de crise e o esclareceu sobre o plano de Deus: Atos 27.23-25. Esta idéia é declarada em Hebreus 1.14.

 

3. QUAL A ORIGEM DOS ANJOS?

Os anjos não são autoexistentes, ou seja, não são eternos nem são incriados.

A Bíblia não declara com exatidão  quando foram criados.  Pode ser que antes da criação material ou logo após ela. Deduzimos isso de Neemias 9.6. Jesus, o Filho, fez parte deste ato criador (Jo 1.1-3 e Cl 1.15-16). Há também o fato de que são criação divina e que devem ter sido criados todos juntos, pois eles não podem se procriar, como deduzimos das palavras de Jesus em Mateus 22.30.

É bom lembrarmos isto porque há hoje gente querendo adorar anjos. O culto a anjos já aparecia nos dias do Novo Testamento. Paulo adverte os colossenses para não cometerem neste erro: Colossenses 2.16-18. Jesus é maior que eles, porque os criou. Antes de adorar a criação, adore ao Criador. O texto de Hebreus 1.5-14 mostra a relação entre Jesus e os anjos. Vivemos numa época de religiosidade ocultista e antibíblica. Jesus é Senhor dos crentes, e os anjos são servidores dos crentes (Hb 1.14).

 

4. POR QUE OS ANJOS FORAM CRIADOS?

Não foram criados porque Deus não tinha o que fazer. Ocupam um lugar especial no seu propósito. Vejamos algumas das ações dos anjos, que mostram por que foram criados:

4.1 –  Os anjos foram criados para darem glória, honra e ações de graça a Deus. Vejamos o Salmo 148.1-2.

4.2  – Os anjos foram criados para adorarem a Cristo: Hebreus 1.6. Eles cuidaram de Jesus: Mateus 4.11 e Lucas 22.43-44.

4.3  – Os anjos cumprem os propósitos divinos. Eles protegem o povo de Deus (Dn 12.1), lutam contra Satanás (Jd 9 e Ap 12.7). Anunciaram desígnios de Deus: Lucas 1.11-17, 1.26-38.

4.4  – Eles levam os salvos à presença de Deus: Lucas 16.22.

4.5  – Eles virão com Jesus, para efetuar juízo: 2Tessalonicenses 4.16 e Judas 14-15.

 

5. ORDENS DE ANJOS

A Bíblia deixa transparecer que há categorias de anjos, ou seja, ordens de anjos. Ela fala de querubins, serafins e arcanjos. Os dois primeiros indicam tipos diferentes, e “arcanjos” indica classificação.

5.1 – Querubins – O hebraico é qerub. “Querubim” é plural (o plural hebraico não se faz com “s”, mas com “im”). São sempre representados como simbólicos, celestiais e alados. Impediam o retorno ao Éden (Gn 3.24). Dois deles estavam representados no propiciatório, que era a tampa da arca do Senhor (Ex 25.17-20, Hb 9.5). Eles protegiam objetos e lugares sagrados. Eram figuras para impressionar. Eis o que diz O novo dicionário da Bíblia:

 

Figuras de querubins formavam parte das suntuosas decorações do Templo de Salomão (1Rs 6.26 e segs.). Duas dessas, esculpidas em madeira de oliveira e recobertas de ouro, dominavam o Santo dos Santos ou santuário mais interno. Tinham cerca de 5 metros de altura, com a envergadura das asas de dimensões semelhantes, e, quando postas juntas cobriam a parede inteira (…). São geralmente representados como criaturas dotadas de asas, mas também com pés e mãos. Na visão de Ezequiel sobre a Jerusalém restaurada, as semelhanças esculpidas de querubins tinham dois rostos, um de homem e o outro de leão novo (Ez 41.18 e segs.) (…) Mas invariavelmente aparecem associados com Deus, e lhes eram atribuída uma elevada e etérea posição.[3]

 

Sua importância se vê no fato de que eram eles que guardavam o trono de Deus (Ez 10.1-4).

 

5.2 – ­Serafins- O hebraico é seraf, derivado de  “saraph”, “queimar, consumir com fogo”. As serpentes ardentes de Números 21.4-9 eram as saraphs, de mordedura ardente.  Os serafins seriam os anjos em fogo, ardendo. São mencionados em Isaías 6. Pareciam com homens, pela descrição de Isaías. Tanto que onde se lê que “cobriam os pés”, a Bíblia de Jerusalém, em nota de rodapé, diz “eufemismo para designar o sexo”. Literalmente eles seriam os anjos em fogo, ardendo. Isto porque estão próximo do templo de Yahweh. A proximidade de Deus é tão santa que os anjos estão em fogo. Isto causou o terror de Isaías (Is 6.5). Eles são anjos de adoração, e repetem incessantemente que Deus é Santo. Não três vezes santo, mas infinitamente santo. A idéia do texto hebraico não é que eles dizem três vezes “santo”, mas que as parelhas de anjos se revezam constantemente dizendo “santo”.  Um deles purificou Isaías (Is 6.6-7).

 

5.3 – Arcanjos – Seriam anjos mais antigos ou anjos maiorais, conforme a tradução. Um deles tocará a trombeta no dia final (1Ts 4.16). Outro lutou com o Diabo pelo corpo de Moisés (Jd 9). Segundo o apócrifo Assunção de Moisés, que é citado por Judas, Satanás queria usar o corpo de Moisés para torná-lo objeto de idolatria por parte dos hebreus. Os arcanjos parecem estar ligados a momentos muito especiais, singulares mesmo, da revelação. No livro de Tobias 12.15, da Bíblia católica, são mencionados sete arcanjos, que seriam Rafael, Gabriel, Uriel, Miguel, Izidquiel, Hanael e Quefarel. Seriam os únicos que teriam o privilégio de adentrar à presença de Deus. Gabriel disse a Zacarias que ele assistia diante de Deus (Lc 1.19). É oportuno lembrar que Tobias têm vários equívocos históricos e erros geográficos, que só entrou no cânon católico em 1548. Diz-nos Elwell: “Em 1548, o Concílio de Trento reconheceu que os apócrifos, com exceção de 3 e 4 Esdras e da Oração de Manasses, tinham status canônico não qualificado” [4]. Sem dúvida, Tobias, pelos erros históricos e geográficos, é um livro de ficção, com data de composição estimada no ano 200 antes de Cristo. Já reflete muitos conceitos persas e gregos (foi escrito em grego, não em hebraico)e não é base segura para estabelecer doutrinas nem posições teológicas. Mas registremos o andamento do conceito de anjos, no judaísmo, como ele mostra.

 

6. ANJOS BONS E ANJOS MAUS

Os anjos são entes criados por Deus. A Bíblia nada diz sobre a época de sua criação, mas é provável que tenha sido antes da criação do mundo e do homem, pois um deles já impediu o homem de voltar ao Éden. A Bíblia é lacônica e enigmática sobre a queda deles, mas menciona anjos caídos (2 Pe 2.4 e Jd 6) e que padecerão no inferno com Satanás (Mt 25.41). O texto de Ezequiel 28.11-19 pode ser entendido como se o rei de Tiro fosse a encarnação de Satanás e dá uma descrição de como teria sucedido. Eles são os espíritos imundos do Novo Testamento (Mt 10.1). Por isso devemos ter cuidado ao adorar anjos. Quem sabe se o anjo adorado não é um caído?

Estão alguns no inferno, segundo 2Pedro 2.4. Aqui, inferno é “Tártaro”, que indica o lugar, na mitologia grega, onde Zeus aprisionara os titãs. Pedro pode ter usado este termo porque seus leitores, familiarizados com a cultura grega,  sabiam que era um lugar de espera de entes espirituais condenados. Alguns estão em liberdade e trabalham para prejudicar a obra de Deus (Ap 12.7-9 e Jd 9). Parece que os que estão na terra precisam de um corpo. Caso contrário, voltam para o Abismo, como se pode depreender de Lucas 8.27-31. O abismo ali mencionado não é o abismo onde os porcos caíram, mas o Abadon, na imaginação da época, uma fenda que conduzia ao hades, o mundo dos mortos. A idéia é de um lugar sem fundo, a habitação dos demônios. Em Apocalipse 20.1-2, Satanás é jogado no abismo (Abadon), onde ficará por um período de tempo, e de onde sairá. Só mais tarde é que ele será lançado no lago de fogo e enxofre (Ap 20.10). Este é o destino final dos anjos caídos.

Mas há anjos bons. Vejamos alguma coisa sobre eles. São os que não caíram e continuam trabalhando dentro do propósito de Deus.

6.1 – Eles guiam e guardam os crentes: Sl 91.11 e Hb 1.14. Lembremos, ainda que eles serviram a Jesus, logo após a tentação: Mateus 4.11. Marcos 1.13 diz que serviram durante todo o tempo.

6.2 – Eles tiveram participação no ministério de Jesus. Seu nascimento foi anunciado por Gabriel (Lc 1.26), um anjo falou a José sobre a gravidez de Maria (Mt 1.20) e o orientou a ir e regressar do Egito (Mt 2.13 e 19). Um anjo confortou Jesus no Getsêmani (Lc 22.43).

6.4 – Eles defendem os servos de Deus e os livram em momentos de aflições – Gn 19. 10-11,  At.5.19-20.

6.5 – Eles escoltam os salvos à presença de Deus: Lc 16.22. Em Lucas 24.22-24 e Judas 9, eles têm ações ao redor de falecidos.

6.6  –  Eles estarão ativos no juízo final:  Mt 13.49, 25.31-32  e 2Ts 1.7-8.

 

7.  O DESTINO FINAL DOS ANJOS

Qual será o destino final dos anjos? Como terminará a história deles?

Os anos fiéis, que não caíram, continuarão servindo a Deus por toda a eternidade, como podemos deduzir de Apocalipse 21.1, 2 e 12.

Os anjos maus serão lançados no fogo eterno que foi preparado para o Diabo e para eles (Mt 25.41). À luz de 1Coríntios 6.3, os crentes terão parte no julgamento dos anjos maus, quando do juízo final.

Quanto a Satanás, será lançado e detido no Abismo (Ap 20.3). Na visão amilenista, esta detenção é sua limitação na época presente, pela ação do Espírito Santo na igreja que age no mundo e o bloqueia. Ele terá livre campo para agir por um período de tempo. Tentará destruir o povo de Deus, mas será derrotado. E lançado no lago de fogo (Ap 20.10 e Mt 25.41).

 

CONCLUSÃO

Criação divina, obreiros de Deus, ajudadores dos fiéis, tudo isto faz parte da razão de ser dos anjos. Um lembrete final: eles não devem ser adorados nem sequer reverenciados. No tempo de Paulo, alguns diziam ter visões de anjos e se gloriavam disso. O apóstolo exortou os crentes a não serem influenciados por tais pessoas: Colossenses 3.16-18. A Cabeça de tudo é Cristo  (Cl 2.19). Não suceda que venhamos a adorar a criatura no lugar do Criador. Jesus é o Criador. “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). Ele criou o mundo, os anjos, nós, e a Igreja. E esta,  com seu sangue. Seja ele bendito para sempre, inclusive por ter criado os anjos. Mas muito mais por nos ter salvado e nos constituído como seu povo.



[1] ANKERBERG, John e WALDON, John.  Os fatos sobre o movimento da fé. Porto Alegre: Chamada da Meia-Noite, 1996, p. 63.

[2] Em seu artigo “Crença em anjos no Novo Testamento”, que recebi pela Internet, e do qual não tenho mais detalhes. Mas cito o autor, mesmo com dados incompletos, por questão de respeito.

[3] SHEDD , Russel (ed.) O novo dicionário da Bíblia. S. Paulo: Edições Vida Nova, s/d, 3º. vol. p. 1357

[4] ELWELL, Walter (ed.) Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. S. Paulo: Edições Vida Nova, 1988, 1º. v., p. 95.

RSS
Follow by Email
YouTube
WhatsApp