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EBD: UM ENSINO PARA IMPACTAR VIDAS

Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho para os professores da EBD da Igreja Batista Central de Macapá, 25.11.11

 

 

 

INTRODUÇÃO

Esta palestra não ensinará alguém a ser um bom professor de EBD. Talvez não acrescente muito aos participantes, porque, na sua maior parte, são professores experientes e crentes maduros. Mas nos relembrará algumas verdades que, eventualmente, tenham ficado esmaecidas. E relembradas, debatidas e ponderadas, podem nos devolver um rumo que pode ter ficado perdido. É sempre bom relembrarmos verdades espirituais, mesmo que singelas. Muitas vezes ficamos tão familiarizados com elas que deixamos de ver seu brilho.

 

No livro O mundo de Sofia, o doutrinador de menina Sofia diz que a criança é  o verdadeiro filósofo, porque ainda não perdeu a capacidade de se encantar. Os adultos se acostumaram com as verdades, com o mundo, perderam esta capacidade de se encantar. As coisas se tornaram rotina. O doutrinador lhe escreve: “Podemos dizer que um filósofo permanece a vida toda tão receptivo e sensível às coisas como um bebê. E agora você precisa se decidir, querida Sofia: você é uma criança que ainda não se ´˜acostumou´ com o mundo? Ou você é uma filósofa capaz de jurar que isto nunca vai lhe acontecer?”[i].

 

Quando acontece de nos “acostumarmos” à vida espiritual, perdemos a capacidade de nos encantarmos, na área espiritual, e perdemos também a capacidade de aprender algo novo. Já sabemos tudo e tudo se tornou rotina. Espero que os participantes deste encontro ainda estejam encantados. Com a Bíblia, com a igreja, com a EBD, com sua tarefa. Porque gente que fez da vida espiritual uma rotina não consegue impactar ninguém. É preciso que nos impressionemos com o mundo da igreja para impressionarmos os outros. E muito mais necessário é que nos impressionemos com a Bíblia e seu estudo para conseguirmos ensiná-la de maneira impactante. Porque o ensino que impacta vidas depende fundamentalmente de algo bem simples: que seja ministrado por pessoas que foram impactadas.

 

Com isto, caminhemos juntos e edifiquemo-nos mutuamente.

 

O LUGAR DO ENSINO NA IGREJA

A igreja cristã herdou sua estrutura litúrgica das sinagogas e não do templo. Numa época em que tanta gente quer ser levita, porque toca guitarra (e levita era uma espécie de zelador e guarda do templo) é oportuno recordar isso. A liturgia da sinagoga se centrava no ensino das Escrituras. O surgimento do judaísmo como uma religião ao redor de um livro ensinado ao povo se dá com o episódio de Neemias 8, quando Esdras lê a Lei para o povo. Neste momento, o judaísmo experimenta uma virada: passa a ser uma religião normatizada  por um livro. Isto se tornará mais forte com o trabalho das sinagogas. O ministério de ensino era a razão de ser das sinagogas, de onde herdamos a estrutura de ensino da igreja cristã. Tanto que Paulo ia às sinagogas para ensinar (At 13.14, 14.1, 17.1, 18.4, entre outros).

 

O  ministério de ensino faz parte vital da missão da igreja. Faz parte do conteúdo da Grande Comissão (Mt 28.19-20). O dom de ensino está em Romanos 12.7. Em Efésios 4.11-16, ao tratar da maturidade da igreja, Paulo mostra que o dom de ensinar é necessário para que ela seja  madura. Nunca teremos igrejas e crentes maduros sem o ensino bíblico consistente. Hoje muita gente quer encher a igreja na base de festas e programas especiais. Isto cria comunidades agitadas, mas não equilibradas. Até mesmo em nosso meio encontramos pessoas que se impressionam com igrejas que ajuntam gente, em grande multidão, e são levadas a presumir que a estrutura tradicional de igreja ensinadora está falida. Sem resvalar para críticas, recordo que nossas igrejas não são estação rodoviária, lugar de passagem. São família, lugar de firmar laços e criar vínculos relacionais estáveis. Numa igreja estabelecida sobre a Bíblia sempre há um núcleo fiel que, alguém que a visite e volte a vê-la dez anos depois, encontrará presente. São pessoas estáveis e permanentes, bem diferentes de igrejas que trazem sempre rostos novos em busca de alguma coisa, mas que nunca se formatam como uma comunidade.

 

A cultura contemporânea vive uma fase de irracionalismo e de superespiritualização.  A história do pensamento humano é um pêndulo. A história da Filosofia mostra como as correntes filosóficas vieram em choques, colidindo, indo de um extremo a outro. Por exemplo, o extremo racionalismo de Hegel foi abalado pela emotividade não racional de Kierkegaard.  No nosso caso, após três décadas de materialismo, cientificismo, marxismo, existencialismo e agnosticismo, entramos numa fase de misticismo. Saímos do ceticismo para a crença no absurdo. Isto ajuda a entender o porquê do florescimento de tanta esquisitice espiritual. Uma pessoa que me disse que não podia crer na mensagem de Jesus porque a julgava absurda. Mas trazia estampado em seu carro um adesivo “Eu acredito em duendes”. Neste cipoal de incoerências, surgem os absurdos evangélicos. Quanto mais mística, irracional e manipulativa for a seita, mais adeptos ela consegue. Porque as pessoas confundem irracionalidade com espiritualidade. Acham que razão e estudo matam a fé. São, sem saber, kierkegaardianas: o que vale é a subjetividade. Estamos em desvantagem. Nós, chamados de tradicionais, não  formamos currais. Treinamos pessoas para  a maturidade. O pastor competente consegue formar líderes que partilhem o fardo com ele, e formata uma igreja que não é dependente dele. Ela tem alegria em tê-lo como pastor, mas não depende dele para viver. O bom pastor é aquele que, saindo de uma igreja, ela continua bem. Ele formou líderes.

 

A boa igreja tem bons mestres. E são eles que ajudam a igreja a sobreviver a crises. Porque  bons mestres na igreja produzem pessoas maduras que sabem andar sozinhas e superar as dificuldades. O ensino na igreja não é para  formar dependência, mas pessoas maduras, que saibam viver sem o mestre. Tenho visto que muito do chamado discipulado nada mais é que criar pessoas dependentes do discipulador.

 

Alisto, a seguir, algumas passagens bíblicas que acentuam o valor do ensino. Leiamo-las (elas foram distribuídas, à parte) e a partir delas, sigamos nosso rumo.

 

 

A IMPORTÂNCIA DO ENSINO

PARA AS GERAÇÕES FUTURAS

Ensinem-nas a seus filhos, conversando a respeito delas quando estiverem sentados em casa e quando estiverem andando pelo caminho, quando se deitarem e quando se levantarem” (Dt 11.19)

 

“Disse ele aos israelitas: No futuro, quando os filhos perguntarem aos seus pais: ‘Que significam essas pedras?’ Expliquem a eles: Aqui Israel atravessou o Jordão em terra seca” (Js 4.21-22)

 

 

PARA A GERAÇÃO PRESENTE

“Pois tudo o que foi escrito no passado, foi escrito para nos ensinar, de forma que, por meio da perseverança e do bom ânimo procedentes das Escrituras, mantenhamos a nossa esperança.” (Rm 15.4)

 

 

O ENSINO É UM DOM DADO POR DEUS

Se o seu dom é servir, sirva; se é ensinar, ensine;” (Rm 12.7)

 

 

PORQUE NÃO BASTA IR

“Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”. (Mt 28.19-20)

 

 

O ESPÍRITO SANTO ENSINA E LEMBRA

“Mas o Conselheiro, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, lhes ensinará todas as coisas e lhes fará lembrar tudo o que eu lhes disse.” (Jo 14.26)

 

 

NO TEMPLO E DE CASA EM CASA

“Todos os dias, no templo e de casa em casa, não deixavam de ensinar e proclamar que Jesus é o Cristo.” (At 5.42)

 

 

PARA QUE HAJA FIRMEZA

“Se trabalhamos e lutamos é porque temos colocado a nossa esperança no Deus vivo, o Salvador de todos os homens, especialmente dos que crêem. Ordene e ensine estas coisas.” (1Tm 10.11)

 

 

HOMENS FIÉIS QUE ENSINEM OUTROS

“Portanto, você, meu filho, fortifique-se na graça que há em Cristo Jesus. E as palavras que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie-as a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar outros.” (2Tm 2. 1-2)

 

 

 

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTAS PASSAGENS

Chamo sua atenção para alguns aspectos importantes que brotam destes textos:

 

  1. O ensino cristão não é meramente cognitivo, ou seja, a transmissão de dados e informações. O mestre cristão não ministra informações cristãs. Ministra vida, ministra experiência com Deus. Lemos em Oséias 4.6: “O meu povo está sendo destruído porque lhe falta  conhecimento…”. A palavra “conhecimento” é o hebraico da´at que é o conhecimento nos termos de “Adão conheceu a Eva sua mulher”.  É o conhecimento pela mais profunda experiência.  Isto lhe impõe um ônus: ele precisa ser uma pessoa que tenha experiência com Deus. Uma pessoa pode ser mestre secular de alta competência, e ser um péssimo mestre cristão. O mestre cristão não passa informações, mas transmite realidades espirituais que ele deve viver. O mais importante é vida. O conteúdo mais forte do ensino cristão é a vida. Não a vida pessoal, que glorifica a pessoa, mas a vida com Cristo, que glorifica a Cristo. Cristo deve ser visto na vida do mestre cristão.

 

  1. Nas passagens bíblicas lidas observamos que o conteúdo do ensino eram experiências com Deus. O ensino a passar aos jovens hebreus era este:  Deus fizera algo por Israel. Da mesma maneira, este é o ensino a se passar aos jovens cristãos: Deus fez algo por nós, em Jesus Cristo. Os mestres tinham internalizado o conteúdo. Assim, não contavam histórias, mas contavam algo que lhes era vivencial. O mestre cristão não é um contador de histórias, mas deve exibir uma experiência com Deus para motivar os alunos a se interessarem a ter uma experiência com Deus. Muitos professores de crianças contam as histórias bíblicas como se fossem as histórias de João e Maria ou de Chapeuzinho Vermelho. Devem contar como revelação de Deus, com paixão espiritual. Não são contadores de histórias, mas apresentadores de Jesus.

 

  1. Na igreja, o Mestre que ensina os mestres é o Espírito Santo. O mestre cristão precisa ter um dom espiritual, e não apenas um dom natural. Ele precisa ter uma vida em comunhão com Deus e sob orientação do Espírito Santo. Vida espiritual abundante é exigência do mestre cristão. E seu ensino não deve se restringir ao templo. Confundimos tempo de classe na EBD com ensino cristão. No tempo da EBD o ensino é exposto em forma de aula, mas ele deve continuar em todo lugar e deve se expressar na vida do discípulo, em todo lugar. Os alunos devem saber e ver que seu mestre vive o que ensina.

 

  1. Observe nas passagens do Novo Testamento (principalmente Mt 28.18-20, Jo 14.26 e At 5.42) que nosso tema de ensino é o evangelho de Jesus Cristo. É este o ponto central. Nosso ensino e nossa pregação se focam em Jesus. Deve ter um aspecto evangelístico, também. Há gente não salva na igreja e na EBD, que deve ser desafiada à conversão. Hoje estamos pregando e ensinando  meio ambiente, coleta seletiva de lixo, responsabilidade social, etc. Estas coisas não são erradas e são boas em si mesmas, mas não são o foco de nosso ensino. “Discussões sobre salvar a família ou salvar a Terra de uma catástrofe ambiental são ouvidas pelos não cristãos. Mas discursos e ações dos quais a igreja testemunha – o julgamento de Deus e a justificação dos pecadores por meio de Cristo – são estranhos aos ouvidos deles”[ii]. Se não ouvirem da igreja, de quem ouvirão?

 

ALGUNS DESAFIOS PARA NÓS

Isto posto, gostaria de salientar alguns desafios para estabelecermos um processo de ensino que conduza os crentes à maturidade cristã, tendo como desdobramento os quesitos anteriores.

 

  1. O primeiro é que o mestre precisa internalizar em sua vida o que ele ensina. É mais que saber a lição. É ser a lição. Valha-nos, aqui o texto de Romanos 2.17-24. Leiamo-lo, substituindo “judeu” por “crente” e “lei” por “evangelho”. O mestre cristão precisa ter uma vida transformada pelo ensino do Espírito Santo ao seu coração, para transformar vidas com seu ensino. Ao comentar o texto em que João come o livro que o anjo lhe dá (Ap 10.9-10), Eugene Petersen fez esta observação: “João faz isto: come o livro – não apenas o lê. O livro agora é parte de seus terminais nervosos, de seus reflexos, de sua imaginação”[iii]

 

  1. O segundo é que o mestre cristão deve ter em mente que transmite vida, não informações. Pode até trazer informações, mas elas precisam estar carregadas de vida. Lecionei Homilética, por mais de trinta anos, inclusive em nível de Mestrado. Uma das considerações que fazia aos alunos é que pusessem vida no sermão, desde a leitura do texto bíblico. Isto não significa gritar, mas falar com firmeza, com convicção. Há gente que lê o diálogo de Jesus com a mulher samaritana como se estivesse lendo uma bula de remédio. E há os que perderam a paixão pelo livro santo e o lêem como obrigação. Ler a Bíblia é sempre um ato de paixão e de humildade. Nenhum pregador e nenhum mestre  terão futuro se lerem a Bíblia em busca de sermão ou para preparar estudo. Devem ler para si, com fome.

 

  1. O terceiro é que o mestre precisa ter em mente o objetivo do ensino cristão. A meta do ensino está bem definida em Efésios 4.12-16. Mais que ter uma igreja bem doutrinada (o que é válido e necessário) é ter cristãos vivos, maduros e equilibrados. Muita classe de EBD parece fila do SUS: um lugar onde se exibem cicatrizes de cirurgia, numa disputa para ver quem tem a dor mais forte ou cirurgia mais dramática. Há uma tendência muito grande em círculos evangélicos de afastamento das Escrituras, substituindo-a pelo texto de nossa existência (necessidades, anseios e dores). A classe não é lugar para terapia de grupo, mas para ensino da Palavra. É a Bíblia que deve ser ensinada e não a vida dos participantes. E este ensino não é informativo, mas formativo.

 

  1. O quarto é que o mestre precisa entender que não é um guru, mas um instrumento divino. As primeiras instruções cristãs que Saulo de Tarso recebeu foram de Ananias, mas ele ultrapassou Ananias. Foi-se para cumprir seu ministério. O ensino cristão não cria dependência, mas forma pessoas para viverem suas vidas sob orientação do Espírito Santo. O mestre deve respeitar o aluno, não o vendo como uma criança, mas como um irmão a quem Deus quer usar e talvez até mais que a ele, o mestre.

 

  1. O quinto é que o mestre precisa entender que não é um produto acabado, mas em construção. Paulo foi mestre de Timóteo e Tito, bem como de muitos outros pastores e igrejas. No fim de sua vida, queria livros e pergaminhos (livros sagrados), como lemos em 2Timóteo 4.13. Este crescimento não era apenas intelectual, mas espiritual e relacional, pois ele viu o valor de Marcos (2Tm  4.11), com quem antes  brigara (At 15.37-40). O mestre cristão estará sempre crescendo, inclusive nos relacionamentos. Há santos insuportáveis, pessoas muito difíceis de conviver. Não cresceram emocional e espiritualmente, mas cresceram em seus pontos de vista pessoais.

 

  1. O sexto é que precisamos rever um ponto básico de ensino. Fazemos avaliações cognitivas, com perguntas que mensuram o quanto o aluno aprendeu. Quando escrevi  três últimos trimestres de lições para a Convenção Batista Fluminense, fiz perguntas de teor vivencial, para saber  quanto os alunos tinham mudado comportamento e não o que guardaram de conceitos. Se ensinamos para formar vidas, devemos avaliar por vidas transformadas. Neste sentido, o grande desafio é para que os alunos mudem suas vidas à luz da Palavra de Deus. Se este for o alvo, encaminharemos nosso ensino nesta direção.

 

CONCLUSÃO

O ex-presidente FHC, em entrevista à revista Veja, nas páginas amarelas, declarou que ele, como professor, apenas dava aulas. Não se importava com a vida do aluno fora da classe. Isto era problema do aluno. Um professor secular pode pensar e agir assim. Um mestre na igreja do Senhor é diferente. Ele não ensina matérias nem disciplina. Ensina uma pessoa, Jesus Cristo. E ensina esta pessoa a pessoas. Sempre disse aos meus alunos de Homilética: “Nós não apenas pregamos a Bíblia. Pregamos a Bíblia para pessoas”. O alvo do nosso trabalho é gente. Gente preciosa aos olhos de Deus. E que deve ser preciosa aos olhos do mestre cristão. Deve saber os nomes dos alunos, deve orar por eles, e deve preparar o estudo pensando neles. Não no seu desempenho como professor, se brilhará ou não. Mas em como poderá ajudar os alunos a crescerem espiritualmente.

 

Ser mestre cristão é algo muito sério. “Meus irmãos, somente poucos de vocês deveriam se tornar mestres na Igreja, pois vocês sabem que nós, os que ensinamos, seremos julgados com mais rigor que os outros” (Tg 3.1). É o que se chama de glória com peso. É glorioso, mas é pesado. E não deve nos intimidar, mas nos tornar conscientes da seriedade do que fazemos e nos levar a uma consagração de vida ao Senhor para desempenho de nossa missão.



[i] GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 3ª. reimpressão, 1995, p. 30.

[ii] HORTON, Michael. Cristianismo sem Cristo. São Paulo: Editora Cristã,  2010, p. 107.

[iii] PETERSEN, Eugene. Maravilhosa Bíblia – a arte de ler a Bíblia com o Espírito. São Paulo: Mundo Cristão,  2008, p. 25.

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