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A contemporaneidade das Escrituras

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A contemporaneidade das Escrituras


A discussão sobre a contemporaneidade das Escrituras me parece a mais relevante a travar na discussão do texto bíblico hoje. Tenho visto vários livros abordando questões como inerrância e autoridade das Escrituras, na quase totalidade traduções, mas que parecem deslocados em nosso contexto teológico. Alguns desses livros trazem para nossa situação questões mais atinentes ao momento teológico europeu ou norte-americano. Há discussões exaustivas sobre Bultmann, Brueggemann e Foehrer, a teoria fragmentária, a escola de Wellhausen e semelhantes. Não são, na realidade, relevantes para a teologia brasileira. Não nego que tenham seu valor, mas uma questão muito presente na educação ministerial e na teologia brasileira é a discussão de problemas que dizem respeito mais aos Estados Unidos e Alemanha que ao Brasil. Nossa discussão teológica ainda não é tupiniquim. Trata de temas alheios à nossa realidade. Uma boa parte de nosso conteúdo programático teológico é alheio à nossa cultura.

Apesar de alguns chamarem pastores pouco tradicionais e convencionais de "modernistas", o fato é que no sentido rigoroso do termo, não temos modernistas teológicos no Brasil batista. Não conheço um livro ou um artigo sequer de um pastor batista brasileiro negando a autoridade das Escrituras, sua inspiração, a divindade de Cristo ou outros pontos que caracterizam um modernista. Desta maneira, a discussão mais importante é, no contexto teológico dos batistas brasileiros, a contemporaneidade das Escrituras. E esta questão é mais eclesiástica que de teologia acadêmica. Em termos mais amenos, a questão é saber se estamos sendo contemporâneos em nossa pregação ou, nas palavras do bom amigo Dewey Mulholland, "estamos falando para falecidos", dirigindo-nos ao passado. E, no que estou dizendo agora, se estamos pregando para brasileiros ou para estrangeiros, aqui no Brasil. Temos algo a dizer às pessoas que nos cercam ou nosso discurso é impessoal, falando de temas que nada têm a ver com a vida das pessoas? O que apresentamos diz respeito à vida do nosso povo ou abordamos questões estranhas? Um exemplo: discordo amplamente da Igreja Universal em seu conteúdo doutrinário e de sua metodologia voraz para extrair dinheiro do povo. Mas há algo a reconhecer: eles pregam o que as pessoas têm necessidade de ouvir. Falam de problemas reais, de doenças, desemprego, de esperança. Há pouco tempo atrás, um pregador batista usou o espaço do culto para pregar sobre dicotomia e tricotomia. Interessante para meia dúzia, irrelevante para o povo. Contemporaneidade tem a ver com realidade, praticidade, realidade.

Para facilitar a compreensão, dividi esta palestra em três tópicos, a saber:
1. Em que consiste a contemporaneidade das Escrituras?
2. Como se apropriar deste conceito de contemporaneidade?
3. Como exibir esta contemporaneidade?

Creio que estes aspectos nos ajudarão a entender a questão e, enunciados do início, nortearão nossa caminhada.

1. EM QUE CONSISTE A CONTEMPORANEIDADE DAS ESCRITURAS?

Nisto: elas são relevantes para a nossa sociedade. Elas falam hoje. Elas dão respostas coerentes ao homem moderno. Deve-se distinguir contemporaneidade de modernidade. Não são sinônimos, embora parecidos. Modernidade é atualidade. Algo pode ser moderno, mas não nos ser contemporâneo, adequado ao nosso contexto. Contemporaneidade é esta característica de falar aos nossos contemporâneos de seus problemas e necessidades. Modernidade pode ser novidade. Contemporaneidade é relevância. Mesmo que não moderno.

Uma argumentação que se ouve muito é esta: a Bíblia é um livro antigo, produto de uma sociedade agrícola e pastoril, num ambiente rural. O homem moderno é citadino, num universo de máquinas e de informática. Muitos fenômenos que no passado eram inexplicáveis, hoje são facilmente compreensíveis, `a luz das explicações da ciência moderna. Como crer numa mensagem tão distante no tempo, no espaço e na cultura?

A Bíblia não trata de ciência nem de estruturas sociais. Trata de Deus e do homem. É sempre atual. Há uns dezoito anos atrás, um jovem se queixou comigo de sua situação: vinha sendo assediado por sua chefe, no trabalho. Disse-me que os tempos estavam mudados: agora eram as mulheres que davam em cima dos homens. Queria saber o que a Bíblia podia dizer numa situação dessas, inusitada, segundo ele, típica do homem moderno. Pedi-lhe que lesse a história de José, no Egito. Ali estava um jovem sendo assediado por uma mulher, em seu trabalho. Dos problemas do homem moderno, pode-se usar a palavra de Eclesiastes: "há alguma coisa de novo?". Quais problemas o homem contemporâneo enfrenta? Solidão, culpa, medo do futuro, insegurança econômica, revolta por ver a prosperidade dos maus, irritação por trabalhar duramente e ser passado para trás por espertalhões, políticos desonestos, violência, imoralidade e outros mais. Algum desses tópicos não é referido nas Escrituras? Sobre solidão, a doença mais disseminada nas grandes cidades, não lemos a do próprio Salvador, no Getsêmani? Temos medo e angústia? Lemos em Marcos 14.33 que Jesus experimentou pavor e angústia. O que há hoje que não se pode enfocar biblicamente?

Um hindu pouco tem a dizer ao homem moderno. O conteúdo de sua fé é irrelevante para a vida real das pessoas. Da mesma forma um budista terá pouco a dizer a uma sociedade tecnológica. Sua mensagem é de alienação, de ensimesmar-se. Um cristão tem o que dizer. O Deus cristão conhece o que é ser homem. Pela encarnação, Deus experienciou a humanidade e ligou-se para sempre a nós. Deus sabe o que é ser homem, não somente pela onisciência, mas também pela experiência. O Deus cristão não é o Totalmente Outro, de Tillich, mas na frase que é título de um livro de Schaeffer, é "o Deus que está aqui". Nas palavras de Hebreus, o nosso sumo sacerdote foi tentado, como nós em tudo, só que não pecou (Hb 4.15). A encarnação de Deus é a declaração mais profunda da relevância da fé cristã, da sua constante contemporaneidade. A Bíblia não trata de coisas abstratas, mas do relacionamento Deus e homem. E, com os limites que esta palavra deve ter, a encarnação põe o homem sob o foco das Escrituras. Se no budismo e no hinduísmo, o homem é periferia, no cristianismo, a palavra de Jesus ao homem da mão mirrada é a melhor caracterização da proposta cristã ao homem: "Vem para o meio" (Mc 3.3). O homem fica no centro das preocupações de Deus. Está no meio da proposta divina. Uma pregação contemporânea exalta a Deus, proclama o evangelho, mas põe o homem no meio.

A primeira questão a definir é esta: a Bíblia não é um livro ultrapassado pelo fato de falar de culturas passadas. Ela é atual e dinâmica, porque trata de pessoas reais, que como nós, tiveram problemas, lutas, dores, decepções, buscaram uma resposta e a encontraram. Habacuque é o símbolo do inquiridor, do crítico moderno, ao se colocar numa torre de vigia para ver o que Deus lhe responderia. O homem com dúvidas e buscando respostas, não é novidade para a Bíblia. Outros já se posicionaram assim. A Bíblia não trata de culturas arqueológicas, mas de pessoas que passaram por lutas que o homem moderno passa. É profundamente existencial, embora seja essencialista. Trata da essência, sim, mas da existência real e concreta do homem. Trata do homem não de forma genérica e abstrata, mas do homem real numa situação real. Ela é verdadeiramente existencialista, nos termos propostos por Kierkegaard, em contraposição a Hegel. Não é idealista, mas profundamente concreta. Ela trata do homem concreto, numa situação concreta.

Na realidade, o homem é o mesmo em todos os tempos. Sua cultura muda, mas sua alma é sempre a mesma: um ente com enorme potencialidade, imagem e semelhança de Deus, mas arranhada pela queda. As palavras de Antero de Quental, em seu soneto "Dualismo", refletem a situação do homem: "dentro de ti, no perpétuo ideal que te devora, existem um demônio que ruge e um deus que chora". Ficando com Paulo: o bem que sabemos dever fazer, esse não fazemos. O mal que sabemos não dever fazer, esse fazemos. Um ser errático, em busca de Deus, de algo além de si mesmo, com vazio interior, frustrando-se. Um quadro genérico que se pode aplicar a qualquer geração. É disto que as Escrituras tratam: do homem real, suas lutas e dissabores. Na realidade, a Bíblia é fantasticamente contemporânea. Estudá-la é ver-nos a nós mesmos e aos nossos contemporâneos. Olhar as sociedades do passado e a de hoje é ver semelhanças. Vi a frase atribuída a muitos, mas li-a num livro de Durkheim: "a única lição que a história nos ensina é que não aprendemos nada da história". O homem é sempre o mesmo, comete os mesmos erros, reincide-se. Não inova moralmente. Não inova existencialmente. Seu figurino está bem traçado na Bíblia: um pecador distante de Deus, desorientado. No Éden, escondeu-se atrás da árvores. Hoje, esconde-se atrás das escrivaninhas, do computador, da garrafa, da droga. Mas é o mesmo transgressor culpado e escondido, com medo. Se não pregarmos para as árvores, mas para o homem, vamos ver na Bíblia seu retrato e a resposta para sua necessidade. Teremos o que dizer, pois a Bíblia é o mais acurado manual sobre o homem. Quem quiser saber o que o homem é, deve examinar as Escrituras.

A contemporaneidade das Escrituras consiste nisto: suas respostas são válidas, ainda hoje. E o serão sempre. E, na realidade, a única resposta válida para o dilema do homem é a resposta bíblica. O resto é discurso vazio.

2. COMO SE APROPRIAR DESTE CONCEITO DE CONTEMPORANEIDADE?

Esta é a segunda pergunta. A resposta é esta: cultivando um conceito correto da Bíblia e da fé cristã. Dizemos que a Bíblia é a Palavra de Deus. Nada a obstar, mas é necessário avançar mais, indo além desta declaração. Digo que ela é uma proposta de vida da parte de Deus para o homem. Para um homem que perdeu o rumo e anda desorientado, a Bíblia, como Palavra de Deus, mais que um livro inerrante e revelacionalmente autoritativo (estou afirmando isto) é um livro vital. É uma proposta de Deus à humanidade. No curioso diálogo de Jeremias 6.16-17, é o caminho por onde andar, e ao qual o homem diz : "não andarei".

A Bíblia não é um livro de conceitos religiosos, mas um livro que aponta caminhos vitais, os caminhos de Deus. Vê-la como um livro religioso, apenas, é rebaixá-la. Perdoem o excesso de advérbios de modo, mas ela é vitalmente existencial. Pregá-la não é expor conceitos religiosos ou culturais, mas é dizer que há uma proposta feita por Deus, que o homem deve aceitar. A aceitação desta proposta põe os valores humanos em disposição correta, põe a vida nos eixos. Faz o homem se reencontrar com Deus, com o próximo, e o que é muito importante na cultura ocidental moderna, reencontrar-se consigo mesmo.

Sobre a fé cristã, é necessário compreender que ela é não uma a mais entre muitas outras, mas que é a única válida. O cristianismo é excludente, não divide espaço com outra fé. É singular porque brotou da vida de um homem singular, sem rival ou concorrente. O diálogo ecumênico do cristianismo com outras religiões universais pode trazer uma suposição absurda: de que há alguma coisa de valor além de Cristo, em termos espirituais. Não há.

É necessário compreender que a fé cristã é uma cosmovisão, a única cosmovisão válida. Só ela pode explicar o mundo e o homem. Não é sem sentido que a Bíblia começa com a criação e conclui com a consumação. Na Versão Revista e Corrigida, ela começa com um "no princípio" e termina com um "amém". Ela abarca tudo, ela explica tudo. A visão bíblica é global, completa. A Bíblia é um livro extraordinário, excepcional. A única maneira de compreender bem o mundo é pela fé cristã. Entendem-se, então, as palavras de Agostinho, "crer para compreender". Só a fé cristã permite compreender o mundo e a vida. Sem ela, tudo é alarido.
Se tivermos esta compreensão, nossa abordagem da Bíblia vai se revestir de grande relevância e de excepcional contemporaneidade. Nossa pregação terá uma dimensão muito mais rica. Não estaremos falando de religião, de conceitos abstratos, mas de vida, de respostas, de explicações que todos querem, mas que não encontram. Só a fé cristã permite responder o que são o mundo, o homem, a vida. Só ela responde satisfatoriamente aos grandes enigmas do homem.

Este conceito de contemporaneidade, portanto, depende da nossa compreensão de que a cosmovisão bíblica e cristã é a única válida, com respostas significativas. Com isso estaremos dizendo que o mundo só pode ser entendido à luz da Bíblia. Isso não significa procurar chifre em cabeça de cavalo, vendo coisas onde não existem, perguntando se Saddam Hussein é o anticristo, por exemplo. Significa dizer que o homem é exatamente o que a Bíblia diz que ele é, que é caído e vencido, que há um poder demoníaco operando no mundo, que Jesus é a intervenção de Deus na história, para saquear o poder maligno e restaurar o homem à sua grandeza e dignidade. Significa entender que a história é linear e não cíclica, que caminha para um ponto determinado por Deus, que seu reino caminha para a consumação, que há duas criações presentemente no mundo, a criação em Adão e a criação em Cristo. Significa entender que a igreja é a sociedade do futuro, o povo do amanhã, a nova criação que, por fim, vencerá e substituirá a antiga. Significa crer e jubilar-se nisto, que não somos pregoeiros de mais uma religião qualquer, mas da única alternativa para este mundo, a proposta ultimato de Deus, o que faz de nós homens especiais para o projeto de Deus. Significa crer que nossa causa é vencedora, que só há um resultado possível para a luta entre o Bem e o Mal, entre Deus e o maligno, entre o reino de Cristo de Cristo e o reino das trevas: a vitória de Deus e do seu Cristo, e, conseqüentemente, nossa vitória. Significa crer, então, que o livro mais importante, mais atual, mais dinâmico de todos, é a Bíblia.

A cosmovisão bíblica significa analisar o mundo e a sociedade em que vivemos à luz da Bíblia. Isso é vital. Os valores de uma sociedade corrupta não podem nos massificar e nem podem ser vistos como normais. Devem ser visto pelo ângulo crítico dos valores da Bíblia. Ela é o par de óculos pelos quais lemos o mundo. Ela não pode ser analisada pela psicologia moderna, pela sociologia moderna, pela filosofia moderna. Essas devem ser analisadas por ela. Uma das disciplinas que lecionei em Brasília exigia dos alunos que assistissem a novela das oito, na Globo, e a analisassem por uma perspectiva cristã. Os
valores que ela veicula são existencialistas e destruidores dos valores cristãos. O que está sendo dito ali? O que está por trás da plasticidade estética da novela? Quis criar neles um senso crítico, uma capacidade de ver o mundo pela Bíblia. Isso é cosmovisão bíblica. Por ser o livro que vem de Deus, que traz a proposta de Deus, que mostra a análise que Ele faz do homem, deve a Bíblia ser o padrão, o fio de prumo, a nortear nosso pensamento e nossa capacidade analisar o mundo.

Não basta dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus. É preciso vê-la como a única possibilidade de entender o mundo. É preciso vê-la como a única alternativa à barafunda de mensagens que este mundo recebe. E é necessário tê-la como regedora, como padrão analítico do mundo. Sem isso, nossa capacidade de vê-la como contemporânea se esvai.

3. COMO EXIBIR ESTE CONCEITO DE CONTEMPORANEIDADE?

Aprendi no seminário, e ensinei por muito tempo, que o sermão começa com a Bíblia. Todos concordaremos com isso. Mas ao analisar a estrutura da teologia da libertação, vi que ela inovou. Seu discurso não começa com a Bíblia, mas com o homem. É evidente que seu processo hermenêutico é falho e não será aceito por nenhum pregador cristão conservador e pietista. Mas isso me abriu os olhos: o sermão deve começar com o homem. Não com a Bíblia. Neste ponto, aceitei seu processo hermenêutico. E antes de me chamarem de herege, permitam-me explicar-me.

Que quero dizer com isso? Que antes da exegese bíblica, devemos fazer a exegese da sociedade em que vivemos. Você conhece seu auditório? Conhece sua cidade? Conhece a sociedade onde sua igreja está inserida? Li que quando Billy Graham vai pregar em um país, busca o maior volume possível de informações sobre ele, sua cultura, as pessoas. Assim, ele não prega no vazio. Além de óbvia chamada e de ser ele um vaso escolhido, isso pode explicar o bom sucesso de sua pregação.

Comentaristas desavisados acham o sermão de Paulo em Atos 17, quando ele começou a falar aos atenienses pela filosofia e não pela revelação, um fracasso. Queriam o quê? Que falasse de Moisés aos gregos? Aí é que seria um fracasso. Começou pelo ponto certo. O sermão de Paulo é uma peça extraordinária de contextualização e contemporaneidade das Escrituras. E houve resultados excelentes. Além de Dâmaris, converteu-se o administrador do areópago, Dionísio. Paulo foi genial. Soube tornar o evangelho contemporâneo aos gregos, mesmo com os elementos absurdos que o evangelho trazia para a cultura grega, como o conceito de ressurreição. Mas Paulo mostrou que o sermão começa com o universo intelectual das pessoas. Para exibir a contemporaneidade das Escrituras não se faz citações à esmo de passagens em versões modernas. Não. Exibe-se a contemporaneidade bíblica vendo onde as pessoas estão e o que a Bíblia diz sobre a situação em que essas pessoas estão. Pode haver, para o homem moderno, muito de absurdo em nossa pregação, mas se ela começar pelo ponto certo, o absurdo será absorvido.

A contemporaneidade da Bíblia será exibida toda vez que mostrarmos aos nossos ouvintes que o lugar onde ele está é enfocado pelas Escrituras. Resumindo: para exibir a contemporaneidade das Escrituras, temos que começar com as pessoas, onde elas estão e mostrar-lhes o que a Bíblia diz sobre elas e sua situação. Não é pregar uma mensagem isolada do contexto real das pessoas e depois dizer: "Olha, taí, veja o que lhe serve". É mostrar que aquela situação concreta e real vivida pela pessoa está dentro da Bíblia.

Além disso, é necessário que o pregador viva num mundo real. Muitos pregadores vivem num mundo irreal. Não comem de marmita, não andam dependurados em trens, não enfrentam ônibus cheio, nem saem de casa às seis da manhã e regressam às oito da noite. Lêem livros devocionais muitas vezes divorciados da realidade brasileira, com conselhos como "uma vez por ano saia em segunda lua de mel com a esposa", para um povo que vende as férias para comprar mais tijolos para acrescentar um cômodo à casa. Um pastor corre o risco de deixar de ser uma pessoa comum, como todas as outras. Muitas vezes pregamos conceitos e banalidades e não a vida real exatamente porque nos distanciamos do modus vivendi das pessoas.

Ninguém perde sono com filisteus, jebuseus, cananeus e heteus. Ninguém perde sono com Segundo Isaías ou Segundo Ezequiel, ou com Daniel como escrito do judaísmo posterior ou não. As pessoas perdem sono com vida sexual frustrada, desemprego, discórdia doméstica, doenças, falta de dinheiro, rebeldia dos filhos, opressão dos pais, etc. A Bíblia nunca será contemporânea na pregação se o próprio pregador não for contemporâneo na vida. Ele precisa saber do que as pessoas necessitam. A contemporaneidade das Escrituras dependerá muito da contemporaneidade do pregador. O que procuramos na Bíblia? Procuramos respostas para as perguntas que as pessoas fazem? Se é assim, meio caminho está andado.

A exibição da contemporaneidade das Escrituras vai depender de boa dose de cultura geral do pregador. O que as pessoas querem saber é isso: "como é esse negócio funciona hoje?". Sim, como é que esse negócio de pastor, de ovelhas, de água, grama verdejante, funciona hoje? Conta-se a história do menino criado no centro de S. Paulo que quando viu um vaga-lume disse para a mãe: "Ih, olha ali uma mosca com gás néon". Para quem nunca viu uma vaca de verdade, o que significa o Salmo 23? Mas é fantástico como este salmo se aplica à crise existencial, à angústia e estresse da vida moderna, melhor que qualquer outra receita. A contemporaneidade será exibida pela habilidade que o pregador deve adquirir em saber comunicar as verdades eternas da Bíblia numa linguagem que o homem contemporâneo entende.

Por último, mas não o menos importante: é preciso que o pregador exiba a contemporaneidade da Bíblia em sua vida. Ele não é um arqueólogo cultural, cavando curiosidades na Bíblia. É uma pessoa que busca uma contemporaneidade para a sua vida, que absorve essa contemporaneidade no seu viver, e então tem autoridade para comunicá-la. Não nos iludamos: o povo sabe quando falamos de coisas que nos são reais e vivenciais. Aquele que vê a Bíblia como um livro vivo, atual e dinâmico, como um livro com respostas para sua vida, saberá como torná-la contemporânea no púlpito.

CONCLUSÃO

Devemos dar graças a Deus por um privilégio acima de qualquer outro: somos os homens que Deus escolheu para ministrar sua Palavra ao mundo. Isso não deve ser visto como banal e rotineiro. Deve ser sempre um ato de paixão. E de profundo temor. Pregar deve ser visto como terrivelmente sério. Pessoas colocam trinta minutos de sua vida na nossas mãos. Essa meia hora pode mudar suas vidas para sempre. Para melhor ou para pior. Como disse Caio Fábio, há púlpitos que são usina de neuroses. Mas há púlpitos que trazem bálsamo e lenitivo para o oprimido.

Precisamos pregar bem. Isso demanda técnica e espiritualidade. Demanda também uma postura: a Bíblia é um livro tremendamente atual e é nela que se encontra a única resposta válida para o mundo. Ajude-nos Deus a comunicar bem. E esforcemo-nos para fazer bem o nosso trabalho. Que busquemos tornar nossa pregação atual e relevante para termos ministérios relevantes. Sejamos contemporâneos, vejamos a Bíblia como livro contemporâneo, para podermos pregar bem aos nossos contemporâneos.

Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

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