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Timóteo, a fé não fingida

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Timóteo, a fé não fingida


"Trazendo à memória a fé não fingida que há em ti" (2Tm 1.5).

Normalmente, a imagem que fazemos de Timóteo é de um jovem fraco e enfermiço, por causa da declaração de Paulo: "por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades" (1Tm 5.23). Até mesmo Stott, autor criterioso, o dá como "de estrutura física fraca, de disposição tímida…" . Segundo Fairbain, Timóteo era "mais inclinado a ser comandado do que a comandar". De onde Stott e Fairbain tiraram estas idéias?


Tais observações são precipitadas. É temerário "psicologizar" um vulto bíblico à luz de uma ou duas citações que não são, na realidade, uma biografia propriamente dita. E não é este o quadro de Timóteo que a Bíblia deixa em entrelinhas, o de um jovem fracote, assustado e precisando ser espicaçado para cumprir suas tarefas.

Era ele o braço direito de Paulo. O apóstolo o enviou em missões especiais (1Ts 3.2 e 1Co 4.17). Foi companheiro de Paulo em viagens missionárias, como Atos 20.4 nos relata. Num momento crítico da vida do grande apóstolo, a sua prisão em Roma, Timóteo esteve com ele. As cartas chamadas de "epístolas da prisão" mostram isso (Fm 1, Fp 1.1 e 2.19-24 e Cl 1.1). Timóteo mesmo esteve preso, como nos mostra o autor de Hebreus (Hb 13.23). Não era um coelho assustado, mas alguém engajado na obra.

Na igreja primitiva ocupou Timóteo um lugar de proeminência. Mesmo aceitando que as igrejas primitivas praticavam o governo congregacional, não podemos deixar de reconhecer que Timóteo ocupava uma função em que lidava com os bispos (pastores) das igrejas.

O texto de 1Timóteo 5.17-22 parece indicar uma posição de responsabilidade ou quase gerenciamento dos pastores. Devemos reconhecer que Timóteo recebeu recomendação de ver se eles estavam sendo honrados, que ouvia queixas sobre eles e era consagrador de pastores. É pouco provável que os concílios para consagrar pastores fossem numerosos como os de hoje. O concílio de Timóteo parece ter sido apenas Paulo (2Tm 1.6).

Timóteo era um impositor de mãos, um ordenador ou consagrador, agora. Um concílio de um homem só. A questão de "duplicada honra" (2Tm 5.17) foi interpretada por Crisóstomo como "honra e reconhecimento material" e por Moffat como "o dobro do salário". Por que tal recomendação teria sido feita a Timóteo e não a uma ou a todas as igrejas, a não ser que Timóteo fosse uma espécie de "presidente de ordem de pastores", com acesso a distribuição de remuneração? Parece que o fraco, doente e tímido Timóteo, na realidade, tinha responsabilidades próprias de um homem determinado e bem disposto a enfrentar certas dificuldades administrativas e de relacionamentos (remuneração sempre as traz).

Um pouco mais de Timóteo, antes de ver sua fé. Paulo não o ganhou para Cristo, pois ele era um cristão de terceira geração (2Tm 1.5). Mas o discipulou e confiou nele. E não parece que o jovem "enfermiço" o tenha desapontado. O relacionamento dos dois começou em Atos 16.1-3. Na dura experiência de Tessalônica (1Ts 2.2), Timóteo estava com Paulo (At 17.1-4). Foi provado e aprovado. Esteve também com Paulo na culta Atenas (1Ts 3.1-2) e acabou sendo uma figura respeitada no seio da Igreja.

Paulo o cita em oito das suas cartas, escreveu-lhe pelo menos duas que nos ficaram como canônicas, e o tinha em alta estima (2Tm 1.2). Timóteo, de igual modo, estimava muito a Paulo (2Tm 1.4). E, quem quer que seja ele, o autor de Hebreus o aceita como companhia (Hb 12.23). Era um homem bem relacionado na Igreja neotestamentária.

Mas a expressão chave sobre Timóteo não deve ser a de suas enfermidades, mas a encontrada na segunda carta e que encima este artigo: sua fé não fingida. Encontramos aqui o termo grego ? anipócritou, "sem hipocrisia". O jovem pastor podia ser doente, mas não era hipócrita. Na evolução da palavra, no grego clássico, veio ela a se aplicar ao artista, que desempenhava um papel, geralmente oculto atrás de uma máscara, como acontecia no teatro antigo. Hipócrita veio a se tornar o artista, oculto atrás de uma máscara, desempenhando um papel que não é a sua vida real. Mais tarde, passou a se aplicar à pessoa que fingia ser o que não era. Podia haver fé hipócrita. Mas a de Timóteo não era assim, era real.

As marcas de uma fé não fingida são possíveis de se observar na vida do jovem pastor. Por isso que gastamos tanto tempo com ele. Fica mais fácil identificar a fé autêntica, nas suasatividades e relacionamentos, e buscá-la para nós mesmos.


1). A fé não fingida é compromissada e não interesseira. Não se vê Timóteo em busca de vantagens pessoais. E mesmo com suas enfermidades não se sentiu traído por Deus. Afinal, segundo a teologia popular alardeada pela televisão, principalmente, a vida de um cristão é de vitória e nunca de reveses. A vida de Timóteo é de compromisso. É de serviço. Uma fé autêntica, não fingida, serve com desprendimento. Arrisca a própria vida. É a fé que subsiste a crises e enfermidades. Obter vantagem não é sua meta. Gastar-se na obra de Deus, sim.

2). A fé não fingida é aquela que se desincumbe eficientemente de tarefas que lhe são confiadas. Pode haver contratempos, mas sempre haverá serviço. Aceitar trabalhos, sejam de vulto ou pouco expressivos, mas vendo a oportunidade de ser útil, eis uma marca da fé autêntica, sem fingimento. Se Timóteo tinha responsabilidade de administrar ofertas das igrejas para ajudar os demais (prática que as igrejas observavam, à luz de 1Coríntios 16.1-4) ou se era apenas um estafeta, levando a correspondência de Paulo, era serviço que fazia. Muitos querem grandeza e não serviços mais simples. A fé não fingida não busca notoriedade. Apenas serve. Seja em que nível for. Ser grande não é sua meta.

3). A fé não fingida aceita sofrer pelo evangelho. Há certas pregações que parecem refletir o pensamento de Lair Ribeiro e não o de Jesus Cristo. Vitória, sucesso e triunfo são marcas da fé. Mas a trilha do evangelho inclui a cruz do cristão (Lc 9.23). Timóteo não foi um empresário espiritual bem sucedido. Pode ter obtido triunfos e vitórias, porque isso acontece com o cristão, mas provou a cadeia, pessoalmente. Receber os louros da vitória cristã, em termos de recompensa material, é muito bom. Mas sofrer por amor a Cristo é melhor e só poucos privilegiados tiveram esta graça. Em Atos 5.41 o ser achado digno de sofrer por Cristo é mostrado como honra. É a fé que leva a se gastar por Cristo e não a buscar sucesso pessoal, riqueza e fama. Não se diz "bem-aventurados os que sempre triunfam", mas "bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça" (Mt 5.10).

4). A fé não fingida não é auto-suficiente, mas aceita orientação para crescer. Há muita gente que já sabe tudo. Havia um seminarista que não participava de cultos porque "já sei tudo isso aí que estão dizendo". Felizmente não está no ministério, hoje. Tem uma lanchonete. Timóteo aceitou a orientação paulina. Bem-aventurado o jovem que deseja crescer, que aceita um tutor experiente e de comprovada qualificação, e procura crescer à sua sombra. A verdadeira fé aceita ser comandada, aceita ser o segundo, aceita receber ordens. Quantos cristãos turrões, arrogantes, incapazes de aprender, porque, à semelhança do ex-seminarista e hoje dono de lanchonete, "já sabem tudo!"

5). A fé não fingida é a que mostra solidariedade. No momento crítico de Paulo, Timóteo estava com ele. Há os que gostam de estar na companhia de alguém de sucesso, mas quando esse alguém passa por desgraças, evadem-se. A fé autêntica é solidária aos irmãos que sofrem, hipotecando-lhes apoio. É horizontalmente amorosa.
Que tipo de fé é a nossa? Interesseira ou desejosa de servir? Buscadora de sucesso ou disposta a sofrer por Cristo? Que vê as pessoas como oportunidades que podemos usar ou que as ama, sofre por elas e com elas se solidariza? A que aceita orientação porque quer ser melhor, deseja crescer, ou é arrogante?

A fé de Timóteo era sem hipocrisia. Seja a nossa assim. Sem máscaras.

Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho.

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