Pular para o conteúdo

Um enfoque sobre liderança pastoral

  • por

UM ENFOQUE SOBRE LIDERANÇA PASTORAL 

Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho e apresentado a pastores em Alcântara, RJ, dia 1.7.6 

INTRODUÇÃO

Em andanças pelo Brasil vejo muitas coisas. Algumas terríveis. Tenho a impressão que a maior parte dos problemas que surgem nas igrejas tem sido causada pelos pastores. Há pastores sem liderança e pastores de liderança doentia. Creio que os seminários não investem bastante em liderança, personalidade, trato pessoal e gerenciamento humano. Preparam pessoas para lidar com gente, mas não as ensinam a trabalhar com gente. Parece que a preocupação maior é com a cognição, nos cursos teológicos. Seminários devem preparar liderança para as igrejas, mas muitas vezes apresentam líderes problemáticos. Falham em não formar pastores nem líderes, e muitas vezes prejudicam a vida cristã. Não é segredo que um curso teológico é um dos lugares em que o ceticismo é mais trabalhado.

Cansei-me da conversa de que seminário não forma pastor. Forma o quê, exatamente? Críticos? Não precisamos de seminários para isto.  Precisamos de seminários que formem líderes cristãos comprometidos com Cristo e com a sua igreja. Há muitos apedrejadores da denominação e da igreja local. Gente que não tem coragem para sair e tentar algo na vida secular continua dentro do sistema, como gostam de dizer, torpedeando o sistema, mas sendo sustentada por ele. Arrisco-me a tomar bordoadas, mas digo sem reserva alguma: há uma crise ministerial hoje em dia. Começo com aparente dureza, mas nada que digo é falso. Há pastores que não sabem dirigir um culto. Outros abdicaram disto. Entregam a direção do culto a jovens e “grupos de louvor”. Levantam-se só para pregar. E o que dizem não faz diferença. Lembram-me Kierkegaard: “Felizmente a existência não é como o sermão do pastor, porque a existência, apesar de tudo, possui algum senso, ao passo que o sermão não possui nenhum” [1].  Pareço arrogante? Não, é que ficamos cheios de “dedos” para tratar deste assunto. Mas é verdade. Todos conhecemos situações que não mencionaremos, mas confirmam o que está sendo dito. Falta preparo dos líderes. Um pastor não saber dirigir um culto é o fim da picada! Mas há!

Presença pastoral opaca é sinal de liderança opaca. Liderança pastoral opaca mergulhará a igreja no marasmo ou em crise se não houver uma forte liderança leiga. Que logo descartará o pastor fraco. Por isso que os pastores precisam ser líderes. Sei que uma palestra não forma líderes, mas pode despertar a atenção para a necessidade de líderes. Não resolverei o problema, mas tenho a coragem de tocar o sino. E pretendo fazê-lo nesta palestra. Andemos, pois por esta trilha.

 

1. O QUE LIDERANÇA NÃO É

            Comecemos desmistificando três conceitos equívocos mais comuns sobre liderança. O que liderança não é.

 

(1)                           Não é capacidade de mando. Liderar não é mandar ou simplesmente dar ordens. Há pessoas com patologias sérias atuando como líderes. Querem ser líderes porque têm deficiências emocionais e precisam que alguém as obedeça. Querem ter a sensação de mando. Gostam de mandar. Isto não é ser líder.

(2)                           Não é autoritarismo. Liderar não é gritar ou impor. Vi um livro para líderes, um dia desses, numa livraria: Como conseguir que os outros façam o que você quer. Liderar não é se impor nem impor sua vontade. Um guarda de trânsito não é um líder porque é obedecido. É apenas agente da lei.

(3)                           Não é manipulação. Não se valer das pessoas para consecução de projetos pessoais ou para colocar-se sob holofotes, em evidência. Líder de verdade não usa pessoas. Respeita-as.

 

2. O QUE LIDERANÇA É

            Basicamente, é capacidade de aglutinar pessoas ao redor de um fim comum. Esta definição nos abre muitos horizontes.

(1)    É aglutinar pessoas e não coagir pessoas ou obrigar pessoas. É ser um agregador de pessoas. Um líder ajunta pessoas e não as dispersa. O maior exemplo é Neemias. Sacerdotes, militares, sitiantes e perfumistas trabalharam como construtores dos muros de Jerusalém.

(2)    É ao redor de um fim comum. Um projeto comum. O manipulador usa as pessoas para projetos pessoais. O líder cultiva um projeto comum com a equipe. Não necessariamente ao redor de si. Ele é secundário. O projeto é de todos e continua sem ele. O maior exemplo é Jesus. Seu projeto continua sem ele. E, contraditoriamente, o projeto é ele.

(3)    Se é comum, os demais participam de sua confecção. No caso de uma igreja, o pastor que é líder sabe que não é o dono, mas coordenador. E se souber ser líder, será um coadjuvante, deixando que os outros emerjam e opinem. Os outros podem direcionar e ele se sente seguro. Como dizia meu amigo Dewey Mulholland: “As grandes cabeças correm na mesma direção”.  Um grupo bem liderado ganha uma identidade.

 

3. DOIS TIPOS DE LIDERANÇA

            Há, entre muitos tipos de liderança, dois tipos que se relacionam com autoridade do líder. Autoridade, aqui, não significa mando, mas reconhecimento e aceitação.

(1)    Liderança extrínseca. É a que nos vem pela força do cargo. A pessoa é elevada a uma função, e hierarquicamente, as demais a acatam. É obedecida, mas não necessariamente acatada ou reconhecida. Há gerentes que são gerentes por tempo de serviço ou relacionamento com alguém da cúpula, mas não são líderes. O trabalho é, via de regra, uma bagunça. Mantém-se por uso de disciplina, risco de demissão, etc.

(2)    Liderança intrínseca. É aquela que a pessoa tem, independente do cargo. Tem por personalidade, por caráter, tempo na instituição. Não vem por nomeação ou indicação. Brota da pessoa. É aquele crente que está na igreja há anos e se firmou como líder. Chega o pastor inseguro e acha que tem que calar o líder intrínseco. Não entende que sua liderança ainda é extrínseca, do cargo. Deverá firmá-la com o tempo e com atitudes.

Inevitavelmente, o pastor tem a liderança extrínseca, da função. Com o tempo assumirá a liderança intrínseca. Não são idênticas e não vêm juntas. A primeira é outorgada. A segunda é conquistada. O pastor a conquistará quando os liderados virem seu equilíbrio, sua visão, seu empenho, sua seriedade. O bom senso manda que o pastor trabalhe para tê-la. E que, ao tê-la, saiba usá-la. Porque ela se perde e recuperá-la é impossível.

Liderança extrínseca o pastor tem. Liderança intrínseca, o homem de valor tem. Toma tempo. Muito obreiro não entende isto, e acha que por ter um curso e um título pode tudo, quer arrastar o povo atrás de si. Frustra-se. Há excelentes pastores do ponto de vista espiritual, pessoas piedosas, mas que quase sempre se saem mal. Não aprenderam a esperar, a repartir liderança, a ouvir, a mudar. Como diz meu amigo Dr. Vanias Mendonça, de Manaus, “quando o mingau está muito quente a gente come pelas beiradas”. Muita gente queima a língua e o palato…

Cultivar a liderança intrínseca é que tentarei sinalizar agora, em seu modus faciendi.


4. AS BASES DE UMA LIDERANÇA CRISTÃ INTRÍNSECA

            A liderança cristã intrínseca se sustenta sobre um tripé: Cristo, a Bíblia e a Igreja.

            Primeiro, o pastor precisa ser uma pessoa apaixonada por Jesus Cristo e seu evangelho. Deve ser como Stott disse de Paulo, “intoxicado de Cristo”. Há pastores que mostram amor pelo prédio, pelo templo, pela instituição, pelo seu ministério, mas não por Jesus. Deve poder recitar Gálatas 2.20: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.”. O povo de Cristo seguirá um líder apaixonado por Cristo. Esta paixão por Jesus dá ao pastor uma grande autoridade moral.

            Em segundo lugar, o pastor deve ser um homem apaixonado pela Bíblia. Rebanhos doentes seguem líderes doentes que têm suas revelações esquisitices. Mas um rebanho sadio não age assim. O pastor não pode ler a Bíblia profissionalmente, buscando mensagem. Deve lê-la com avidez, sabê-la, respeitá-la. Ao subir ao púlpito, o povo deve ver seu amor e seu zelo pela Escritura. Deve saber expô-la. Deve preferir o sermão expositivo. Deve ser alguém que mostre conhecimento da Bíblia e como ela se aplica à vida do povo. Isto significa estudá-la e estudar gente também não pregamos a Bíblia no vácuo, mas para pessoas.

            Em terceiro lugar, deve amar sua igreja. Um rebanho que é amado e sabe que é amado, ama e respeita o pastor, e o segue. Um dos maiores bens que um pastor pode fazer á sua igreja é amá-la e dizer-lhe que ama. A liderança amorosa, de alguém interessado, é sempre mais acatada que a liderança que vê a necessidade de progresso da empresa que o sustenta. Muitas vezes os crentes nos machucam, irritam, e fazem desejar deixar o ministério. Como se diz por aí, “faz parte”. É isto que nos amadurece e que fortalece o relacionamento. Há superação das crises e se vê que é possível continuar o trabalho.

            A suma deste tópico é esta: a liderança pastoral precisa ser espiritual. Precisa ser de espiritualidade segura. O povo acata a liderança que tranqüiliza. É fácil acatar que nos faz sentir-nos seguros e confiantes nos rumos tomados. Há pastores que são meio sem rumo, e isto intranqüiliza a igreja. Em alguns, a espiritualidade não é observada. Quando se notam as marcas de Cristo, o zelo pelas Escrituras e o amor pela igreja na vida de um pastor, ele tem mais possibilidades de ser acatado.

 

5. ALGUMAS SUGESTÕES PARA UMA LIDERANÇA INTRÍNSECA

            Isto não é receita de bolo, mas algumas sugestões ajudarão na conquista de uma liderança intrínseca.

(1)    Procure amadurecer. Meu primeiro pastorado foi aos 23 anos. Quanta bobagem e quanta atitude imatura! Mas descobri que precisava amadurecer, se quisesse alguma coisa positiva. Maturidade não vem por título ou função, mas por análise dos erros, vontade de superá-los, polimento da pedra bruta que somos. Um líder que está crescendo e buscando ser melhor tem mais peso.

(2)    Aprenda a pedir desculpas. Reconheça seus erros. Peça perdão a crentes que magoar, peça perdão à igreja quando errar. A verdadeira humildade não é teatral, mas relacional. É saber dizer que errou e procurar consertar. Acata-se mais uma pessoa que mostra sua face humana que uma que vive no pedestal. Assuma quando errar, diga isto, e mostre que quer consertar. A face humana de um líder pesa muito.

(3)    Saiba trabalhar em bastidores. É diferente de manobrar cordéis em bastidores. É não desejar sempre aparecer em primeiro plano. Significa deixar os outros aparecerem e reconhecer o trabalho deles. Significa deixar que a glória e o reconhecimento sejam dos outros. Os liderados têm valor e muitos deles fazem trabalhos fantásticos cuja ausência nos prejudicaria muito. Qual pastor, por exemplo, que pode prescindir do trabalho de tantas senhoras, muitas delas agindo em bastidores? Traga os que trabalham em bastidores para o palco e saiba sair do palco para os bastidores.

(4)    Reconheça o valor dos outros.  “Quem sai à guerra precisa de orientação, e com muitos conselheiros se obtém a vitória” (Pv 24.6). Socializar debates socializa decisões. Quando se acerta, o pastor acertou com o pessoal. Quando se erra, todos erraram. Nenhum de nós é genial em tudo. Há gente muito mais gabaritada que nós, em muitas áreas da vida, em nossas igrejas. Melhores administradores, inclusive, como os há. Ouvi-los é bom. Aprenda a elogiar um bom trabalho. Deixe claro que está satisfeito e que confia nas pessoas com quem reparte liderança.

(5)    Seja sensível às reações das pessoas. Podemos pensar que estamos agradando e não estarmos. Há sinais e indícios que indicam hora de avançar, hora de recuar, quando mudar estratégias e táticas. Volto a este ponto: saiba ler as pessoas. Em outras palavras, tenha “desconfiômetro”. Nós nos movemos num território mais emocional que racional e prestar atenção à emocionalidade das pessoas nos ajudará muito. Não pense que “Ora, é um só!”. Também não se deixe guiar pelas reações alheias. Tenha convicções bem definidas e sensibilidade aguçada.

(6)    Continue sempre dependendo de Deus. Liderança cristã é diferente de liderança secular. Nesta valem talentos, habilidades e capacidade de trabalho e decisão. Que não perdem valor na liderança cristã. Mas nesta deve sobressair a consciência de que é uma obra para Deus, envolvendo o povo de Deus, e que deve ser feita na dependência de Deus. Momentos de oração e exame diante de Deus valem que dúzias de livros de auto-ajuda e até mesmo que cursos de liderança. Cultive o caráter cristão.

 

CONCLUSÃO 

            Deixei este parágrafo por último porque queria entrar na conclusão com esta idéia em mente: o maior de todos os líderes, em todos os tempos, foi Jesus. Inclusive saiu há pouco um livro que analisa seu estilo de liderança. Ele escolheu doze sem brilho acadêmico, para mudar a face do mundo. Seria simplesmente ridícula tal pretensão em qualquer outro! Dos doze, um o traiu, dez fugiram e um seguiu de longe para ver o que ia acontecer. Morreu vergonhosamente. Pois bem, seu impacto no mundo foi tão grande que ele dividiu a história em antes dele e depois dele. Evidentemente que o fato de ser ele a segunda pessoa da Trindade, o Filho eterno, tem grande responsabilidade nisto. Mas há um fator que não se pode ignorar: sua liderança não foi senhoril, mas serviçal. Inclusive há outro livro secular sobre a liderança serviçal de Jesus. Ele se mostrou como servo.

            O tema de Marcos está em 10.45: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida em resgate de muitos”. Seus seguidores se recuperaram e se dispuseram a morrer por ele porque ele fez isto. Ele morreu por eles. Ele deu o exemplo. Conseguiu seguidores com mentalidade de servos porque era servo. O líder dá exemplo. Teremos liderança intrínseca, aquela que move as pessoas, quando formos exemplos para o rebanho. Esta é a grande recomendação: o verdadeiro líder move pelo exemplo. Sejamos exemplos!



[1] KIERKEGAARD, Sören. Tremor e temor. S/local: Ediouro, s/data, p. 126.

RSS
Follow by Email
YouTube
WhatsApp