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A Fraqueza Que Se Torna Força

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A Fraqueza Que Se Torna Força

            No livro Das profundezas – preces, com orações de Kierkegaard, há uma intitulada “A fraqueza verdadeira”. Assim se expressa o filósofo dinamarquês:

“Pai celeste! No mundo cá de fora, um é forte, outro é fraco. O forte – quem sabe – envaidece-se com a sua força; o débil suspira e, ai de mim, torna-se invejoso. Mas aqui, bem no interior da tua Igreja, todos somos fracos: aqui, perante tua presença – tu és o poderoso, só tu és o forte”.

 

Gosto de Kierkegaard. Crítico severo da cultura européia, ele via a Europa a caminho da bancarrota. Mas também foi duro com o cristianismo de sua época, principalmente sua Igreja, a Luterana. Ele a chamava de “igreja de domingo”. Muita forma e pouca vida. Para ele, a questão mais importante não era saber se o cristianismo era verdadeiro, mas se era verdadeiro para a pessoa. Se a pessoa o vivia. Hoje se procura uma igreja pelo que ela oferece, pelos atrativos (ela é um entretenimento), se há um programa de relações sociais para os filhos, se o estacionamento é amplo, etc. Não se ela chama a engajar-se com Cristo para viver o evangelho. Um cristianismo meramente social, de compromissos mundanos e conveniências: “o que é melhor para mim?”. O cristianismo de hoje não é melhor. Talvez pior.

            No mundo, as pessoas são avaliadas por sua força. Seja social, econômica ou cultural. Os uniformes dizem quem somos, o carro diz o quanto temos, etc. Até o celular é motivo de status. Queremos ser grandes aos olhos alheios. Quem não pode ser contenta-se em ler sobre os grandes (“grandes” aqui é aos olhos humanos). Assim existe “Caras”. Para satisfazer a necessidade de alguns que se julgam pequenos (e na realidade são) têm de comentar e invejar a vida alheia. Mas dentro da Igreja, bem dentro dela, diz o filósofo, todos são pequenos. Há só um Grande, o Senhor. Não é o quanto temos nem nosso valor social que faz a grandeza da igreja. É Deus.

Nesta semana, uma pessoa me falou que admirava os pastores por achar que vivem uma vida espiritualmente superior, de constância, de muita firmeza. Disse-lhe que não. Eu passo por vales, deprimo-me espiritualmente, e muitas vezes me sinto desanimado. Não sou um super-homem espiritual. Admiro e respeito os que são, mas eu não sou. Nunca fui.

No princípio, isto me deixava arrasado. Julgava-me indigno do ministério. Aliás, se eu fosse Deus (por favor, a frase é retórica) eu não me chamaria para o ministério pastoral. Mas com o tempo aprendi que não preciso ser um super-homem. Preciso apenas ser um crente dependente da graça de Deus. Que espere e viva da sua misericórdia. Todos precisamos aprender esta lição. Deus não espera que sejamos à prova de falhas e de quedas. Espera que sejamos suscetíveis à sua graça. Contento-me com o que Deus disse a Paulo: “A minha graça é tudo o que você precisa, pois o meu poder é mais forte quando você está fraco” (2Co 12.9).

Não devo ser um pote de ouro. Devo ser um pote de barro. São potes de barro que Deus procura e usa: “Porém nós que temos esse tesouro espiritual somos como potes de barro para que fique claro que o poder supremo pertence a Deus e não a nós” (2Co 4.7).

Por isso nos reunimos em culto. Somos fracos, somos carentes da graça de Deus. Pecadores falíveis, a nós se aplicam as palavras paulinas: “Pois não faço o que gostaria de fazer. Pelo contrário, faço justamente aquilo que odeio” (Rm 7.15). No culto buscamos o Deus Forte, que nos anima, que nos perdoa, que nos capacita e nos ajuda a viver.

            Graças a Deus pela Igreja de Cristo. É a confraria de fracos, de pecadores, de carentes, que a graça de Deus alcançou, salvou, e cada dia capacita para a vida. Fracos, sim. Pecadores, sim. Mas nosso Deus é poderoso. E gracioso. Isto basta. Assim a fraqueza se torna força.

            Isaltino Gomes Coelho Filho

 

 

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