O Simbolismo Judaico e as Igrejas Neopentecostais
A Solução Dada Por Estes Grupos Para Matar A "Sede Simbólica Das Comunidades”
Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho para o Congresso de Adoração, acontecido na quinta-feira, dia 26 de julho, por ocasião da 99ª Assembléia da CBF, em Cabo Frio, RJ
Originalmente, a palavra grega symbolon significava “sinal de reconhecimento”. Na Antigüidade, quando um rei enviava um representante para outro país com a finalidade de colher informações secretas, ele quebrava um objeto qualquer em duas partes, guardava uma consigo e entregava a outra ao seu enviado. Esta segunda parte era o symbolon, que identificava o portador com o rei. Obtidas as informações, o enviado fazia-as chegar ao rei. Junto com elas ia o symbolon, o que provava a legitimidade de sua informação. O symbolon era a adaptação de uma parte à outra, do objeto quebrado.
O símbolo brota daqui: da necessidade de transmitir um pensamento a alguém, seja por palavras seja por escritas. Podemos defini-lo como “a representação gráfica e pictórica de uma idéia ou princípio”. Lembro, para facilitar, que “pictórica” é um adjetivo que alude à pintura.
É disto que vou falar: dos símbolos que o neopentecostalismo usa pra exprimir, de maneira não verbal, mas visual, gráfica, os seus conceitos. E como isto satisfaz às pessoas.
1. SÍMBOLO, LOGOMARCA, LOGOTIPO, EMBLEMA E ALEGORIA
Para facilitar a compreensão do nosso assunto, evidenciarei as diferenças entre símbolo, logomarca, logotipo, emblema e alegoria. Já entendemos, da introdução, o que é símbolo. É a representação gráfica e pictórica de uma idéia ou princípio.
O que é logomarca? Ainda é um termo de significado disputado, um neologismo, para designar o que antigamente se chamava de logotipo. “Tipo” significa “grafia”. Logotipo era uma grafia estilizada. A marca publicitária da Coca-Cola é um logotipo, uma grafia estilizada. “Logomarca” é o termo que se criou para ir um passo além. Alguns a consideram uma gíria da Comunicação, mas ela significa a identidade visual. A estrela de três pontas da Mercedes, sozinha, não seria um logotipo, pois não é uma grafia estilizada. Seria uma logomarca. Com a expressão abaixo da estrela é um logotipo.
Mas qual a diferença entre o símbolo e a logomarca?
O símbolo é sempre ideológico, e a logomarca é apenas uma identificação visual. A cruz suástica é um símbolo. Ela identifica a ideologia nazista. A cruz é um símbolo. O M do MacDonald’s é uma logomarca. Não há ideologia ou conceitos, mas apenas um produto sendo exibido (no caso, sucata alimentícia). A marca da Coca-Cola é um logotipo. A diferença entre logomarca e logotipo é sutil e muito discutida. Li e ouvi várias opiniões para me ajustar, e assim, o que expus, me pareceu o mais correto. Pelo menos, a média das opiniões. Omito bibliografia, opiniões e citações porque esta é uma palestra e não um trabalho acadêmico. Há quem coloque bibliografia até em pastoral de boletim. Vamos simplificar as coisas.
E emblema, o que é? É uma figura simbólica, algumas vezes acompanhada de uma divisa, e que representa uma coletividade ou corporação. Um exemplo é o brasão da cidade de S. Paulo. Observe a expressão latina Non ducor duco, que significa “Não sou conduzido, conduzo”. Isto é um emblema.
Mas e alegoria? “Alegoria” é uma palavra grega que significa “outro’’ (allos) e “goros” (falar). Significa “falar de outra maneira”. O que faz ela aqui? É que ela é a simbologia verbal, muito usada no discurso neopentecostal. Por isso vamos analisá-la também. Mas apenas de passagem.
2. A SIMBOLOGIA NEOPENTECOSTAL
Eu disse que o símbolo é ideológico, ou seja, ele traz uma idéia em si. Uma idéia política (a cruz suástica, a foice e o martelo, a estrela do PT, o tucano do PSDB, pois suas cores são cores do Brasil). As religiões usam símbolos para expressar seus conceitos. Mais que identificar, o símbolo traz uma mensagem em si.
O Islã usa a lua crescente, pois brotou na região do Crescente Fértil. O cristianismo usa a cruz. A Igreja Católica usa mais o crucifixo. Nós, batistas, gostávamos de exibir uma Bíblia em nossas igrejas. Era nosso símbolo distintivo. Nossa marca ao mundo. Creio que não a usamos mais tanto assim. Nossa marca distintiva hoje é a caixa de som, com que atazanamos a vida dos vizinhos de nossas igrejas.
O símbolo expressa uma mensagem. Ele ensina uma verdade ideológica. No nosso caso, uma verdade teológica. Mas nem sempre ele é bem pensado e assim, por vezes, sai o que não deve. O uso de um símbolo que vem do passado deve ser bem pautado, para se evitar equívocos. E aqui o neopentecostalismo tem caído em dificuldade. Não muito versados em teologia e preocupados apenas em difundir sua mensagem, desprezando a doutrina correta e mantendo uma postura de auto-suficiência, os neopentecostais comunicam suas verdades teológicas por símbolos escolhidos, mas que revelam falhas em sua estrutura de pensamento. Vamos pensar um pouco nisto.
Há muitos símbolos usados hoje no neopentecostalismo, mas vou destacar três, pela incidência no uso, e pela exigüidade de tempo nesta palestra. Tenho uma hora para apresentar o assunto. Um tempo bom. Mais do que isto cansa. Mas limita o assunto. É bom, também. Não se abre muito o leque. Apresento apenas três, mas muito expressivos e repetidos.
O primeiro é a estrela de Davi, ou estrela de seis pontas. Ela consiste de dois triângulos, um com o vértice para cima e outro com o vértice para baixo. É chamada de Magen Davi, em hebraico (“escudo de Davi”). É um símbolo que faz parte da bandeira de Israel. Sendo, geralmente, pré-milenistas dispensacionalistas, os neopentecostais gostam muito da simbologia de Israel, por quem nutrem grande apreciação. Além disto, há um fator de ordem teológica: o Antigo Testamento, parte alusiva a Israel na Bíblia, não tem o sacerdócio universal de todos os salvos, mas apresenta uma elite religiosa que domina o povo. A eclesiologia neopentecostal é, geralmente, elitista. Não é congregacional. O neopentecostalismo, em sua própria formulação, necessita de um poder centralizado, forte, em que o líder domine e não compartilhe. Ele não pode ser contestado porque é aquele que tem a revelação de Deus. Bem diferente dos tradicionais, em que todos têm o Espírito. O pastor neopentecostal está mais para o sacerdote veterotestamentário que para o pastor evangélico de um grupo congregacional. O conteúdo é calcado mais no Antigo Testamento. Os símbolos idem. A estrela de Davi faz a pessoa ligar o seu momento presente com o rei Davi, com suas realizações e suas vitórias. Associa-o, na hermenêutica à aliança que Deus fez com o grande rei do passado, dando-lhe vitórias, que podem ser do fiel. Traz a imagem de uma aliança, a aliança davídica, e de vitórias, pois Davi teve muitas. Esta é a proposta. A cruz fala de dor, a estrela fala de vitórias.
Mas temos um problema aqui. Na realidade, a estrela de Davi não é judaica. É um símbolo do Oriente, não judaico, que designava a fertilidade, a união do masculino e do feminino. O masculino é o vértice para cima, e o feminino o vértice para baixo. Entre os sumérios, simbolizava a união de Marte, o masculino, com Vênus, o feminino. Com toda probabilidade, Davi não usou esta estrela. Ela foi introduzida na bandeira de Israel por Theodor Herzl, o fundador do sionismo. Entrou no judaísmo pela cabala, pelo significado da união sexual do masculino e feminino. Pode ser hoje um símbolo judaico, mas não é bíblico. Era pagão. Parece que passou a ser usada pelos judeus no século XV como símbolo distintivo, querendo os judeus asquenazis um símbolo para si, como os cristãos tinham a cruz. Um símbolo pagão que foi adotado pelos judeus como resposta à cruz dos cristãos. Eis a estrela de Davi.
Outro símbolo muito usado é a mnorah, o candelabro de sete braços. Foi criada para o tabernáculo no deserto, por Bezalel, conforme instruções de Moisés (Êx 37.17-23). Na menorá (assim chamada) há sete lumes de lâmpadas, uma haste central e três braços que saem de cada lado. Era feita de ouro puríssimo, pois queria mostrar Deus no meio do seu povo. Simbolizando a presença de Deus, tinha que ser de ouro puro.
A menorá permanecia acesa o tempo todo, no templo. Ela, em si, simbolizava a presença de Deus com seu povo. Acesa, significava a adoração constante do povo de Deus. Tem um significado bonito: a presença de Deus no meio do seu povo.
Moisés não criou a figura do nada. Ela é uma representação da árvore do mundo babilônica. Curiosamente, a lâmpada central se chamava Shamash, o nome do deus babilônico Sol. Aliás, Gênesis não cita o Sol e a Lua, na criação, mas fala do luminar maior e do luminar menor (Gn 1.16), exatamente para evitar o culto ao deus Sol. Não é necessário presumir que Moisés copiou os caldeus, mas é licito pensar numa memória da raça, em algo comum ao mundo daquela época. O Sol era o centro da vida para todos.
O terceiro símbolo mais usado no neopentecostalismo é uma pomba, símbolo da Igreja Universal do Reino de Deus. Um coração com uma pomba dentro. Começamos com um símbolo pagão, assimilado pelos judeus. Depois, um símbolo judeu com ponto de contato com a cultura mundial (a árvore babilônica era mais representativa do mundo do que objeto de culto), e chegamos a um símbolo cristão.
A pomba é mostrada como símbolo da presença do Espírito Santo. Foi nesta forma que ele veio sobre Jesus (Mt 3.16). Este uso é emblemático, sério e preocupante. Uma igreja que se diz cristã não tem a cruz, mas a pomba como símbolo. E dentro de um coração. O que está sendo dito neste símbolo?
A cruz é um evento objetivo, histórico. Ela simboliza a morte de Cristo na cruz. A pomba simboliza o Espírito, cuja ação é subjetiva. E dentro de um coração, que entre nós simboliza o íntimo, as emoções. A IURD é a mais legítima representante da terceira onda pentecostal, a onda do Espírito. Seu foco não é Cristo, nem a cruz, e sim a ação do Espírito Santo. Mas, como acontece com muitos neopentecostais, há uma associação indevida entre o Espírito (o Ruah) com a psique (a interioridade da pessoa). No neopentecostalismo, a intuição e os insights são tidos como manifestação do Espírito. A revelação não é objetiva, mas subjetiva. “Deus falou ao meu coração” vale mais do que “a Bíblia diz”. O subjetivo importa mais que o objetivo. Para que a Bíblia, se Deus fala diretamente às pessoas?
A simbologia da IURD é expressiva. Não importa o que a Bíblia diz, mas o que aquela Igreja, que vive na onda do Espírito, ensina. Por isto que o uso da Bíblia, nas igrejas neopentecostais, e mais ainda na IURD, é indicativo, não normativo. Ou seja, ela não é a norma de fé e prática. Esta norma fica com a Igreja. A Bíblia é indicativa. Ela apenas subsidia práticas litúrgicas, em campanhas de fé. Sua hermenêutica é mais alegórica que histórica, gramatical e estrutural.
Mas são símbolos que adornam templos e levam pessoas à reflexão. Podem ter origem pagã, como a estrela de Davi, mas causam reflexão espiritual. Os fins justificam os meios? Não é esta a questão. A questão é que o símbolo é linguagem aberta, sujeita à interpretação da pessoa. Ele ganha ou perde conotação, e passa a ter uma relação pessoal com o contemplador. Comunica-lhe, mais que um conceito, uma sensação. O movimento evangélico moderno é mais sujeito às sensações que aos conceitos. Muitos dos corinhos de hoje (na nova semântica, o “louvor” de hoje), trazem teologia incorreta e idéias absolutamente vagas, abstratas, mas “fazem bem” à pessoa. São uma simbologia verbal. O que vale é como a pessoa recebe, e não o que está sendo dito. A comunicação é aberta, subjetiva, interpretativa. Não importa a teologia ou o ensino, mas sim como a pessoa se sente. Isto acontece porque as necessidades espirituais são emocionais mais que intelectivas. Nossa pregação é mais ao intelecto, porque discursiva. A pregação neopentecostal é mais emotiva, porque além do discurso emocional, é subsidiada por símbolos, que apelam à sensação e à imaginação. Esta fome do sobrenatural acaba sendo mais suprida entre os neopentecostais que entre os tradicionais. Corremos o risco de criarmos um “alto evangelho”, assim como há um “alto espiritismo”. Esta intelectualização ou “discursalização” do evangelho é um problema com que temos de nos debater.
3. USAR SÍMBOLOS É ERRADO?
Não, não é errado. O anel que usamos no dedo anelar esquerdo e chamamos de aliança simboliza um compromisso que assumimos com outra pessoa. Quando tinha crises de artrite e não podia usar a aliança, eu me sentia mal, semidespido. No entanto, mesmo que eventualmente esteja sem ela, continuo casado com a mesma mulher. Mas ela é um símbolo. Não usar o símbolo dá uma imagem errada ao mundo e me faz mal.
Em um dos romances do alemão Durrenmach, cujo título me esqueci, um judeu diz a um cristão que a cruz o deixa apavorado. Ela está ligada às maiores perseguições que seu povo sofreu. Para o cristão era um símbolo de fé. Para o judeu, de medo. O problema do símbolo é que ele é linguagem aberta, que apela ao emotivo, e não ao cognitivo, ao racional, ao lógico. Se a fé é depositada no símbolo, pode ser aberta, permitir interpretação dupla. E até errada. Pode se ter um símbolo pagão, como a estrela de seis pontas, com sentido ocultista (é muito usada na cabala e na maçonaria) como um símbolo espiritual. Isto me incomoda.
O símbolo pode expressar a fé, mas não pode ser a representação exclusiva da fé. O problema é que o símbolo deixa de ser linguagem e passa a ser algo ou uma verdade. Adora-se ao crucifixo, e não ao que ele representa.
Podemos ter a Bíblia insculpida em nossos templos, como tínhamos no passado. Um símbolo bastante significativo. Ela traz o conteúdo da nossa fé, mas ela não é o centro de nossa fé. Podemos colocar a figura de um peixe em nosso carro, simbolizando que declaramos nossa fé em Jesus, mas sem adorar o peixe. Lembro que peixe, em grego, é IXTHUS, as iniciais da frase JESUS CRISTO FILHO DE DEUS SALVADOR. Os símbolos não são errados, mas devem ser usados com cautela. Desde sua origem até nossa postura diante deles. É por isto que Deuteronômio 4.15-19 diz: “No dia em que o SENHOR lhes falou do meio do fogo em Horebe, vocês não viram forma alguma. Portanto, tenham muito cuidado, para que não se corrompam fazendo para si um ídolo, uma imagem de alguma forma semelhante a homem ou mulher, ou a qualquer animal da terra, a qualquer ave que voa no céu, a qualquer criatura que se move rente ao chão ou a qualquer peixe que vive nas águas debaixo da terra. E para que, ao erguerem os olhos ao céu e virem o sol, a lua e as estrelas, todos os corpos celestes, vocês não se desviem e se prostrem diante deles, e prestem culto àquilo que o SENHOR, o seu Deus, distribuiu a todos os povos debaixo do céu”.
O Deus encarnado é chamado de “Palavra” (Jo 1.14). Deus usou a palavra, mas também usou símbolos. Eles têm valor. Muito da profecia do Antigo Testamento é por meio de figuras, mas Deus usa a Palavra. E escolheu a pregação, que era um discurso sobre a Palavra, e não a representação pictórica, como meio de comunicar sua verdade aos homens. Podemos usar símbolos, mas a Palavra deve prevalecer sobre eles. A Palavra deve reger os símbolos.
4. POR QUE A SIMBOLOGIA PRODUZ MAIS RESULTADOS QUE A PREGAÇÃO VERBAL?
Esta é a questão mais importante para mim. Nós, tradicionais, é o que venho tentando mostrar, podemos incorrer num erro enorme, que é o de transformar o evangelho num discurso. Torná-lo algo meramente cognitivo. Reflitamos um pouco em 2Coríntios 2.4-5: “Minha mensagem e minha pregação não consistiram de palavras persuasivas de sabedoria, mas consistiram de demonstração do poder do Espírito, para que a fé que vocês têm não se baseasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus”. Paulo mostrava sinais. Não apenas palavras. Os sinais eram iconografia viva.
Não podemos transformar o evangelho em discurso, mero palavrório. As pessoas têm sede de manifestações de poder e do sagrado. Os neopentecostais têm mostrado os símbolos como sagrados. A IURD tem um culto em que as pessoas passam pelo corredor da fé. Tem outro em que as pessoas tocam num lençol, e não me recordo exatamente o quê significa, mas lá estão elas. Numa igreja tradicional as pessoas passam 40 minutos ouvindo um discurso, muitas vezes sem vibração, sem entusiasmo algum. O que é mais impressivo na vida da pessoa? O visual ou as palavras?
Receio que tenhamos dessacralizado o evangelho. Os presbiterianos falam da “Santa ceia”, enquanto nós apenas anunciamos “a ceia”. O local de cultos, que deveria ser tratado com solenidade, é lugar de conversa em voz alta do culto, sala de reuniões para vários temas, e assim vai. Eu mesmo luto com isto. Não aceito a terminologia “santuário” para o salão de cultos, por causa do conceito judaico existente no termo, mas notei que estava dessacralizando o lugar, tornando-o uma sala como outra qualquer. Estava agindo erradamente.
Quem vai ao púlpito numa igreja neopentecostal? O pregador, que é oráculo de Deus. Porque o púlpito é lugar do homem de Deus. Em nossas igrejas vai-se ao púlpito para se fazer anúncio do jogo de futebol que vai acontecer no intercâmbio com outra igreja. O púlpito perde o valor de sagrado. Onde uma pessoa, carente do sagrado, do mistério, do majestoso, do sobrenatural, terá sua sede aplacada? Na nossa igreja ou numa neopentecostal?
Parece que temos tanto receio de adorar figuras, de colocar os símbolos no lugar da Palavra, que temos transformado o evangelho em algo meramente cognitivo, discursivo, fugindo do visual e do simbólico. Transformamos o evangelho em palavras.
Perdi a vergonha de assumir a posição de alguém com um múnus espiritual, com um carisma espiritual, para abençoar o povo. Não faço a chamada “bênção apostólica” nos cultos da minha igreja. Até mesmo porque não vejo nenhuma bênção deste tipo no Novo Testamento. Usamos 2Coríntios 13.13 com um enorme floreio, em cultos especiais, mas sejamos honestos: não há uma ordem bíblica para repetirmos aquela frase que alguns ainda chamam de “bênção dos apóstolos”. É uma citação paulina, isolada e não repetida pelos outros apóstolos. Nós a tornamos de uso exclusivo do pastor, que levanta os braços para proferi-la. Não costumo usá-la, mas, dominicalmente, dou uma bênção minha, como pastor, ao meu rebanho. É um momento do culto ansiado pelas pessoas. Começo dizendo: “Como seu pastor eu os abençôo em nome de Cristo…” e continuo com outras palavras. É um momento de profunda espiritualidade. Uma senhora me disse que ao ouvir a bênção, e sabendo que é de coração, ela a retribui, em voz baixa, desejando o mesmo para mim. Outra pessoa me disse que aquela bênção a ajuda a atravessar a semana. Uma família, que ficou sob a arma de seqüestradores numa noite, disse que se lembrou desta bênção pastoral para se sentir segura. Mas precisei vencer meu escrúpulo de pastor tradicional. Descobri que eu estava intelectualizando o evangelho, transformando-o numa mensagem bem estudada, tendo receio do dramático e do simbólico. O povo quer o sagrado, o simbólico, o dramático, no sentido de que não está buscando uma aula, mas um momento de comunicação de vida. E eu sou pastor, sou ministro do evangelho. Posso e devo abençoar meu rebanho. Não sou um professor de Bíblia falando de generalidades escriturísticas, mas um pastor que deve falar de vida.
Por que não podemos levantar a mão sobre o povo e dizer: “Como ministro do evangelho de Jesus eu te abençôo”? Por que tiramos o caráter do sagrado e do imponente no batismo? Há pastores que parecem lutadores aquáticos no batismo, indo de camiseta e de bermuda. Que triste! Mandei fazer uma beca especial, que embeleza o evento. Torna-o mais significativo. É o clímax do culto e não algo feito num horário qualquer para não estragar o culto, deixando tudo molhado. Torna-se algo tão solene que os novos convertidos querem ser batizados.
Isto nada tem a ver símbolos, eu sei. Mas é a questão que quero mostrar: o evangelho tem um quê de dramático (a ceia, o batismo, o lava-pés, e os demais momentos formais e solenes de Jesus mostram isso) e um todo de sobrenatural. Não é uma aula religiosa. Os símbolos podem expressar muito disto. O discurso, não.
Perdemos em significado do culto se o reduzimos apenas ao verbal. O simbólico tem valor. O gestual tem valor. A indumentária tem valor. O ambiente tem valor. Jesus era profundamente simbólico. Ao iniciar o sermão do monte, ele “se assentou” (Mt 5.1). Na Didática moderna seria reprovado, pois aprendemos que o professor dá aula em pé. “Na cadeira de Moisés se assentaram os escribas e fariseus” (Mt 23.1). Os grandes mestres ensinavam sentados. É daqui que vem a palavra catedrático, aquele mestre que tem uma cadeira. Ao se assentar, simbolicamente ele se apresenta como mestre. Por que evitamos e fugimos do simbólico, do solene e do dramático em nossos cultos?
Os neopentecostais sabem que as pessoas têm sede do sobrenatural, do sagrado, e não se ligam muito no discurso. Nossa cultura, por força da televisão, é mais icônica que auditiva. A tevê substituiu o rádio. Os neopentecostais conseguem fazer televisão no culto. Nós fazemos rádio. E temos condições de fazer algo melhor, pois temos o conteúdo verdadeiro e correto, que é a mensagem do evangelho de Jesus.
CONCLUSÃO – UMA TENTATIVA DE SÍNTESE
Um obstáculo muito grande para a confecção desta palestra foi a exigüidade de bibliografia. Vali-me muito de material de um curso de simbologia que fiz, e de material não evangélico. Usei-os com respeito e temor diante de Deus, pedindo sabedoria. Fiz com seriedade diante Dele. Creio que fiz o que me era possível, mesmo sabendo que em alguns momentos ficaram pontas soltas. Vou tentar unir estas possíveis pontas soltas, agora.
Primeiro: os neopentecostais têm sabido usar símbolos. Nós, as palavras. Mas nossa geração é mais de ver do que de ler. Ficamos em desvantagens. Precisamos reverter isto e temos condições. Podemos valorizar símbolos sem perder nossa identidade doutrinária e nossa consistência teológica.
Segundo: o uso dos símbolos exige cuidado. Eles não são neutros. Muitos vêm carregados de conceitos pagãos e idólatras, e precisamos evitar a entrada do paganismo em nossas igrejas. Mas temos o Espírito de Deus que nos dá discernimento, que nada mais é que bom senso. “Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus”, diz Tiago.
Terceiro: não devemos fazer do evangelho um discurso religioso que apela apenas ao intelecto. Já vi pastores indo ao púlpito dizendo que não iam pregar, mas dar uma aula. Parece que estavam com vergonha de serem pregadores e queriam ser mestres-doutores. Puxaram uma caneta, pegaram uma folha de papel e começaram a fazer perguntas ao povo. Nos dois casos, o povo começou a ir embora. Eu não pude ir porque era o pastor da igreja, mas tive vontade de ir. Foi muito chato. O povo não quer aula. Quer poder espiritual, quer autoridade, quer o sobrenatural, e não um mundo totalmente racional e lógico, desprovido do sagrado. Isto ele tem lá fora da igreja, a semana toda.
Quarto: o evangelho apela à razão e à emoção. Não é a um ou ao outro, mas aos dois. Jesus usava palavras e o visual, o discurso e o símbolo, a razão e a emoção. Que palavras seriam mais fortes que lavar os pés dos discípulos para ensinar o espírito serviçal? Nós, pastores, pregamos sobre humildade e serviço, mas faríamos isto em público? E não basta o símbolo, mas a assimilação da mensagem do símbolo. Compreendemos o impacto da ceia do Senhor e o significado simbólico dos seus elementos?
Quinto: há elementos simbólicos em nossa teologia. A ceia, o batismo, a dedicação de crianças, a imposição de mãos (que é uma doutrina bíblica até rudimentar, conforme Hebreus 6.2), a Bíblia (quer como Palavra quer como artefato), etc. Devemos ressaltá-los. Não é questão de usar multimídia, mas de dar caráter espiritual e sagrado a certos gestos e elementos simbólicos de nossa fé.
Normalmente o preletor termina dizendo que mais coisas poderiam ser ditas. Não sei se poderia dizer mais. Disse o que maturei durante dias, que li, pedi a Deus em oração, e que discuti com a “vítima” dos meus trabalhos, minha esposa. Peço-lhe opinião, debato com ela, ouço suas ponderações. Será grande seu galardão no céu por aturar tudo isto.
O que disse, disse com seriedade e com respeito. Assim termino: tenho dito.