Finquemos Pé No Novo Testamento
Domingo passado lecionei para as classes de jovens, adultos e de Teologia Sistemática. Foi um panorama do quarto evangelho, que estudaremos no trimestre. A revista foi escrita por “este que vos fala”, e um cdrom com sugestões didáticas foi entregue a cada professor.
Comentei que a transformação da água em vinho não foi o primeiro milagre de Jesus. Assim dizem Mateus, Marcos e Lucas. Para Marcos e Lucas foi um endemoninhado (Mc 1.23 e Lc 4.33). Mateus registra um leproso (Mt 8.1), mas pode ter sido o endemoninhado, pois antes dele Jesus efetuara muitos milagres (Mt 4.23).
João não usa a palavra milagre, mas “sinal” (semeion, no grego, uma indicação). Os sinóticos fazem história e João faz teologia. Ele tem uma tese a provar (Jo 20.30-31) e os sinais a indicam.
A transformação da água em vinho é um sinal teológico. O vinho novo, o evangelho de Jesus, é melhor que o vinho velho, o judaísmo. As talhas do judaísmo secaram. “Eles não têm mais vinho”. Jesus tem o vinho, símbolo da era messiânica.
Segundo McGrath, em O delírio de Dawkins: uma resposta ao fundamentalismo ateísta de Richard Dawkins (boa refutação ao livro Deus: um delírio): “Jesus não criou o vinho dos evangelhos a partir do nada, mas pegou a água da lei judaica e a transformou em algo melhor. As Escrituras hebraicas são lidas e interpretadas através de um filtro ou prisma cristológico. É por isso que os cristãos não implementaram – e nunca o farão – uma lei religiosa encontrada nas páginas do Antigo Testamento” (p. 129). Nós nos estruturamos no Novo Testamento. Ele interpreta o Antigo. Ele nos rege. E Cristo é o cânon dentro do cânon. Ele é o padrão para se entender o Novo Testamento, que é o padrão para se entender o Antigo.
Igrejas de teologia e leitura bíblica superficiais têm menosprezado o Novo Testamento. Há cristãos envergonhados de serem cristãos e que gostariam de ser judeus (leiam Gálatas e Hebreus!). Trocaram a cruz pela estrela de Davi (que não é de Davi) e pelo castiçal de sete braços. Dizem que o natal é festa pagã, e celebram festas judaicas, esquecidas que Moisés passou (leiam Hebreus!).
Isto se vê na liturgia. Já critiquei o corinho “Quero subir o monte santo de Sião”. A linguagem poética é conotativa e não denotativa, mas à luz do Novo Testamento cristão não sobe o monte Sião. Mora nele e é, o cristão, o monte Sião: “Mas vocês chegaram ao monte Sião, à Jerusalém celestial, à cidade do Deus vivo. Chegaram aos milhares de milhares de anjos em alegre reunião, à igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vocês chegaram a Deus, juiz de todos os homens, aos espíritos dos justos aperfeiçoados, a Jesus, mediador de uma nova aliança, e ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel” (Hb 12.22-24). O templo, morada de Deus, ficava no Sião. Nós somos a morada de Deus. Somos a igreja, a casa de Deus. O Sião tipifica a igreja de Jesus. Não o subimos. Estamos nele, somos ele.
O livro de Dawkins é fraco. Ao citar a Bíblia, fundamenta o cristianismo em passagens do Antigo Testamento isoladas do contexto histórico e teológico. Mas ele não está sozinho. Muitos cristãos fazem isto. Desde o guru neopentecostal que se refugia no sacerdotalismo do Antigo Testamento e foge da universalidade do Espírito, no Novo, até cânticos de poesia correta e teologia errada.
Somos cristãos, o povo da segunda aliança, firmada pelo sangue de Jesus. Cremos na Bíblia toda, mas a palavra final está no Novo Testamento. Finquemos pé no Novo Testamento! Finquemos pé na doutrina de Jesus!
Isaltino Gomes Coelho Filho