Livro de Ester
Núcleo de Estudos Bíblicos no Taquaral
Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
INTRODUÇÃO
O livro de Ester é um desses desconhecidos em nossas Bíblias. Raramente se prega sobre ele. Raramente se ouve um estudo sobre ele. Parece desinteressante, pois não narra nenhum milagre ou sinal portentoso, não traz nenhuma profecia dramática nem tem muito conteúdo profético alusivo à pessoa de Cristo. A personagem central e que dá nome à obra se eleva por participar de um concurso de beleza. Seu nome hebreu era Hadassa, que significa “murta”. Foi mudado para Ester, que vem do persa stara, que significa Estrela. Outra possibilidade de interpretação é que Ester venha de Istar, a deusa acadiana associada ao planeta Vênus. Isto poderia indicar que ela se aculturou ao mundo persa. É verdade que Daniel teve seu nome mudado para Beltessazar, mas por todo o livro é chamado de Daniel, inclusive pelos adversários. Ela era Hadassa, teve o nome mudado para Ester e assim é chamada por toda a obra. A tendência, com tudo isto, é deixá-lo quieto, em seu canto. Agrava a situação o fato de o livro não trazer o nome de Deus em nenhuma de suas linhas. Mas ele é Palavra de Deus, inspirada e preservada pelo Espírito Santo. Então há riqueza de conteúdo para nós. Vamos ver isto hoje.
1. AUTORIA – A autoria do livro é desconhecida. A história narrada menciona o uso de arquivos reais (2.23, 6.1 e 10.2). Mordecai ou Mardoqueu registrou alguns dos eventos (9.20, 23, 29-32). É mais provável que o autor tenha sido um judeu que viveu na Pérsia, nunca identificado. Mas ele teve acesso a fontes reais e deve ter vivido o momento narrado. O livro se passa nesta época, a do domínio persa, que surge com Ciro, que derrubou Babilônia, história narrada em Daniel 5. A historicidade dos eventos não pode ser questionada. Descobertas arqueológicas trazem o nome Marduka, em placas comemorativas, como oficial da corte. É uma variação de Mardoqueu. O texto de 10.1-3 tem um caráter de historicidade muito grande. Além disto, o livro se baseia, em boa parte, em relatos das crônicas reais. Os eventos do livro correm paralelos aos capítulos iniciais de Esdras . enquanto Daniel está na Babilônia, Sesbazar (Zorobabel) lidera o povo de volta a Jerusalém, Mardoqueu e Ester estão na Pérsia. Os judeus começam a se espalhar pelo mundo.
2. A QUESTÃO DO LIVRO NO CANÔN – Esta foi uma questão muito disputada. O livro não menciona, uma vez sequer, o nome de Deus, mas em contrapartida, um rei pagão é mencionado mais de cento e cinqüenta vezes. Não há uma referência sequer à Torá, a Lei, nenhuma alusão à oração nem a nenhum tipo de serviço espiritual. Alguns intérpretes cristãos acharam que o livro não deveria estar no cânon. Lutero, por exemplo, não via nele nenhum valor. Nos manuscritos do mar Morto, não se encontrou uma só cópia de Ester. Mas com tudo isto, os judeus lhe devotam grande respeito. Dizem que quando o messias vier, o conhecimento de Deus e de todas as demais realidades será tão grande que todos os livros serão abolidos, menos dois, a Torá, por ser eterna, e o livro de Ester, pelo seu conteúdo. A razão deste apreço é que o livro narra o primeiro caso de anti-semitismo na história. Pela primeira vez, os judeus são odiados como raça e alguém deseja exterminá-los (3.1-11). Isto explica o apreço dos judeus pelo livro. Deus preservou o povo de uma perseguição racial. O livro alimentou sua fé em épocas de perseguições. Foi muito estudado na época da Segunda Guerra Mundial, com o anti-semitismo nazista.
3. DUAS VERSÕES DE ESTER – Na Bíblia católica, Ester tem trechos a mais e começa com um sonho de Mardoqueu. Ao longo da obra, a versão acrescenta outros trechos (como a oração de Mardoqueu, que fica após o capítulo 4 em nossa Bíblia), uma oração de Ester, imediatamente após a de Mardoqueu, trechos outros, e por fim, um discurso de Mardoqueu, no fim do livro como o temos em nossa Bíblia. É que a Bíblia católica não segue o texto hebraico original, mas a Septuaginta, uma tradução grega do texto hebraico. Na Septuaginta, estes textos foram acrescentados. Mas o texto com os acréscimos é, no máximo, de 144 a. C., conforme a Bíblia de Jerusalém, católica. O texto hebraico é de aproximadamente 450 a. C. Nos trechos gregos há a menção do nome de Deus e a presença de atos espirituais. Mesmo assim, não é a Bíblia protestante que tem livros a menos, e sim a Católica que tem livros a mais porque até o Concílio de Trento, em 1546, ela aceitava a versão que está em nossa Bíblia.
4. A MENSAGEM CENTRAL DO LIVRO – É esta: Deus vela por seu povo e o protege e pune seus inimigos. O nome de Deus não é mencionado, mas uma sombra paira por todo o livro, a da providência divina. Quando a ameaça vem sobre os judeus, Mardoqueu procura Ester, agora rainha, e lhe lembra que ela pode ter chegado à posição que chegou para algum motivo: 4.6-14. O texto de 4.14 é a versículo chave do livro, inclusive.
5. TEMA PRINCIPAL – A libertação dos judeus por meio da rainha Ester. Ester e Rute são os dois livros da Bíblia com títulos homenageando mulheres. Na Bíblia católica há o livro de Judite, ainda.
6. UMA SINOPSE DO LIVRO – O enredo do livro gira ao redor de três festas, que se entrelaçam e produzem a história:
6.1 – A festa de Xerxes (Assuero) e os fatos a ela relacionados.
(1) No sétimo dia, quando o rei estava alegre devido ao vinho, a rainha Vasti desobedeceu a ordem de aparecer perante os príncipes reunidos: 1:1-12.
(2) O rei, furioso, aceitou o conselho de seus sábios e a destronou a rainha: 1:13-22.
(3) Depois da busca de uma nova rainha, em todo o reino, Ester, uma judia, foi escolhida: 2:1-17. Na realidade, ela participa de um concurso de miss. Com todo respeito a Ester, admiro mais a rainha Vasti, que não quis ser um bibelô nem satisfazer a um capricho de bêbedo. Mas reconheço que ,por trás de tudo, como podemos deduzir de 4.14, Deus estava agindo. Sua maneira de trabalhar no mundo é sempre misteriosa. E ele não segue nossos padrões.
6.2 A festa de Ester, eventos preliminares e seu desfecho.
(1) Mardoqueu, o judeu, pai adotivo da rainha, salva a vida do rei: 2:7 e 2:21-23.
(2) A ascensão de Hamã e a recusa de Mardoqueu de honrá-lo; a fúria de Hamã e sua decisão de destruir a todos os judeus por causa disto: 3:1-15.
(3) O luto dos judeus por causa do complô de Hamã: 4:1-4.
(4) A determinação heróica de Ester de comparecer perante o rei com um plano em mente que pudesse frustar o complô: 4:5-17.
(5) Ester, recebida pelo rei, convida-o e a Hamã para uma festa, 5:1-8.
(6) Hamã prepara uma forca para Mardoqueu: 5:9-14.
(7) Numa noite, sem sono, o rei examina os registros da corte e descobre que Mardoqueu não havia sido recompensado por haver salvo a vida do rei: 6:1-3. Aqui está o centro da narrativa. Uma série de eventos muda a situação. Não terá sido Deus o autor da providencial insônia real? E da sua disposição de ler a história, na ocasião da insônia? Não teria ele, no passado, impedido que Mardoqueu recebesse recompensa apelo seu ato exatamente para ter um crédito junto ao palácio real? Cabem aqui as palavras de Jesus: “O que eu faço, tu não o sabes agora; mas depois o entenderás” (Jo 13.7).
(8) A vaidade e o egoísmo de Hamã resultam em sua própria humilhação e em grande honra para Mardoqueu: 6:4-11.
(9) A festa de Ester. Descobre-se o complô de Hamã, e este é pendurado na forca que preparara para Mardoqueu, cap. 7.
6.3 . A festa de Purim – Purim é o plural de Pur, “sorte”. A festa de Purim é a “festa das sortes”. Mudaram-se as sortes de Hamã, de Mardoqueu e dos judeus. Esta festa é celebrada, ainda hoje, pelos judeus. Ela não está prescrita na Torá como devendo ser observada pelos judeus. Surgiu com este episódio, mais uma evidência da historicidade do livro e dos eventos nele contidos.
(1) Eventos preliminares.
(2) O rei autoriza a vingança dos judeus contra os seus inimigos: cap. 8.
(3) A vingança executada: cap. 9.
(4) A instituição da festa: 9:20-31.
(5) Mardoqueu é exaltado: 10.1-3. O livro termina mostrando que ele procurou o bem de todos, e não apenas dos judeus. Uma nota sutil querendo dizer que embora sofressem exclusão racial, os judeus não a praticavam.
CONCLUSÃO
Num estilo literário que mescla história e romance, o desconhecido autor constrói uma obra com lições espirituais muito preciosas. Além do fato de que Deus preserva seu povo, que é a lição mais clara e mais forte, há mais algumas a observar. Uma segunda é como Deus transtorna os pensamentos humanos. Muitas vezes ele trabalha nos bastidores. Esperamos milagres portentosos, mas muitas das obras de Deus são silenciosas, sem muito alarido. Por isto é bom confiar que ele age, mesmo quando não vemos indícios disto. Uma terceira lição é sobre como Deus se relaciona com seu povo. Estes judeus da história de Ester são os que não quiseram regressar para reconstruir Judá, após a ordem de Ciro, em Esdras 1.4 e 9.8-9. Já tinham sua vida estabelecida e não quiseram correr o risco de voltar para uma terra empobrecida para recomeçar uma vida incerta. Sua fé era fraca e seus interesses não eram os mais nobres, mas mesmo assim Deus cuidou deles. Deus foi fiel à aliança que fizera com o seu povo, no passado. Lembremos que, como cristãos que somos, temos com Deus uma aliança que ele firmou conosco pelo sangue de Jesus (Mt 26.26-28). Devemos ser fiéis em nosso compromisso com ele, porque ele sempre será fiel para conosco. Ele é o Deus que não pode mentir (Tito 1.2).