Abençoamos ou Não?
Isaltino Gomes Coelho Filho
A convite, apresentei à Convenção Batista Fluminense, em junho de 2007, em Cabo Frio, a palestra “O simbolismo judaico e as igrejas neopentecostais – a solução dada por esses grupos para matar ‘a sede simbólica das comunidades’”. Creio que foi publicado em “O Jornal Batista” (OJB nos. 43, 44 e 45, edições de 28/10/07, 4/11/07 e 11/11/07). Está também no site da Igreja Batista do Cambuí, que tenho o privilégio de servir pelo nono ano (www.ibcambui.org.br).
Fiz a seguinte observação, no bojo das considerações:
Não faço a chamada “bênção apostólica” nos cultos da minha igreja. Até mesmo porque não vejo nenhuma bênção deste tipo no Novo Testamento. Usamos 2Coríntios 13.13 com um enorme floreio, em cultos especiais, mas sejamos honestos: não há uma ordem bíblica para repetirmos aquela frase que alguns ainda chamam de “bênção dos apóstolos”. É uma citação paulina, isolada e não repetida pelos outros apóstolos. Nós a tornamos de uso exclusivo do pastor, que levanta os braços para proferi-la. Não costumo usá-la, mas, dominicalmente, dou uma bênção minha, como pastor, ao meu rebanho. É um momento do culto ansiado pelas pessoas. Começo dizendo: “Como seu pastor eu os abençôo em nome de Cristo…” e continuo com outras palavras. É um momento de profunda espiritualidade. Uma senhora me disse que ao ouvir a bênção, e sabendo que é de coração, ela a retribui, em voz baixa, desejando o mesmo para mim. Outra pessoa me disse que aquela bênção a ajuda a atravessar a semana. Uma família, que ficou sob a arma de seqüestradores numa noite, disse que se lembrou desta bênção pastoral para se sentir segura.
No momento dos debates, alguém me questionou, dizendo concordar comigo em vários aspectos, mas neste queria retificar algo. A benção não era minha, era de Deus. Respondi que entendia sua posição, mas que era questão semântica. Quem abençoa é Deus, mas eu cria que o homem pode abençoar verbalmente, na expectativa de que Deus abençoará. Ele profere uma bênção esperando que Deus a concretize. Mencionei que em muitos lugares há filhos que pedem bênção aos pais. Que dão. Filhos crentes e pais crentes.
Recebi depois uma carta enviada por outro pastor. Omito seu nome. Ele foi educado, respeitoso, tratou-me bem, e ponderou que ao fazer esta afirmação eu municiava os renovados. Eles é que têm esta atitude de abençoar as pessoas. Eu deveria fazer um “estorno” da afirmação porque, segundo ele, sou tido como conservador, acatado, e podia confundir as pessoas. O colega foi educadíssimo e agiu como um crente em Jesus Cristo. Agradeço-lhe, de coração.
Mas sua carta não veio direta a mim. Foi ao “O Jornal Batista”, e de lá veio para a igreja a que sirvo num pacote de jornais, aberta. Deve ter sido lida no OJB. E, por certo, até chegar a minha mão, foi lida na igreja, porque eu não abro pacotes. Pelo menos o secretário leu. Quem distribui os jornais também. E, se ficou na Secretaria, mais pessoas podem ter lido. Não creio que o colega agiu de má fé. Repito: ele foi muito cristão.
Mas esta circunstância me leva a abordar a questão aqui. Abençoamos ou não?
NÃO É QUE OS RENOVADOS OU TRADICIONAIS DIZEM – É O QUE A BÍBLIA DIZ
Respeito o colega pelo seu zelo doutrinário, e o elogio por isto. Mas há um equívoco na sua percepção. Nossa preocupação não deve ser o que os renovados dizem, mas o que a Bíblia diz. Não preciso provar que sou batista. Eventualmente, renovados e eu concordamos em muitos pontos. Como concordo com a Igreja Católica em vários pontos: o nascimento virginal, a ressurreição corporal de Cristo, sua assunção aos céus, etc.
Não podemos nos nortear pelo que os outros dizem, mas pelo que a Bíblia diz. Não podemos deixar de afirmar algo porque um grupo do qual discordamos afirma a mesma coisa.
Numa ocasião, em um debate na ABIBET, alguém expressou sua discordância sobre a imposição de mãos em ministros de música e de educação religiosa. Achava que devia se restringir aos ministros da Palavra. Senão seríamos como os renovados que impõem a mão a qualquer hora, sobre qualquer pessoa. Ponderei que a imposição de mãos é doutrina rudimentar, como lemos em Hebreus 6.1-2: “Pelo que deixando os rudimentos da doutrina de Cristo, prossigamos até a perfeição, não lançando de novo o fundamento de arrependimento de obras mortas e de fé em Deus, e o ensino sobre batismos e imposição de mãos, e sobre ressurreição de mortos e juízo eterno”. Teríamos uma situação singular, se vingasse a idéia da pessoa a favor de um movimento para não haver imposição de mãos, na CBB, a não ser em consagração de pastores. Se eu obedecesse à decisão, seria um batista convencional. Se a desobedecesse, estaria fazendo algo que a Bíblia reconhece como normal. E deixaria de ser batista convencional por ter seguido a Bíblia. Por isso, entenda-se: não é os que os batistas dizem, é o que a Bíblia diz. E eles devem dizer o que a Bíblia diz.
Nosso zelo pela doutrina não pode nos levar a fechar os olhos ao ensino da Bíblia. Sou um batista que alguém definiu como “do papo amarelo”. Mas minha preocupação é esta: o que a Bíblia diz? Não é, prioritariamente, o que os batistas dizem. É que o ela diz. E que os batistas se encaixem no que ela diz.
O HOMEM ABENÇOA NO ANTIGO TESTAMENTO
Vamos à questão: os homens abençoam ou isto é coisa de renovados?
Em Gênesis 24.59-60, os irmãos de Rebeca a abençoam: “Então despediram a Rebeca, sua irmã, e à sua ama e ao servo de Abraão e a seus homens; e abençoaram a Rebeca, e disseram-lhe: Irmã nossa, sê tu a mãe de milhares de miríades, e possua a tua descendência a porta de seus aborrecedores!”. Homens estão abençoando alguém!
Lemos em Gênesis 27.27 que Isaque abençoou Jacó: “E ele se aproximou e o beijou; e seu pai, sentindo-lhe o cheiro das vestes o abençoou, e disse: Eis que o cheiro de meu filho é como o cheiro de um campo que o Senhor abençoou”. Logo depois, chegou Esaú querendo uma bênção do pai. A bênção especial fora dada a Jacó, e Esaú recebeu outra, mas inferior, como se lê no restante do capítulo. Isaque abençoou os dois filhos.
Em Gênesis 49.28 lemos: “Todas estas são as doze tribos de Israel: e isto é o que lhes falou seu pai quando os abençoou; a cada um deles abençoou segundo a sua bênção”. Jacó proferiu as bênçãos, algumas ricas, como a bênção sobre Judá. É verdade que algumas foram mais repreensões, mas fiquemos com o que Gênesis 49.28 diz. Um homem abençoa!
O texto de Deuteronômio 33.1 é tão claro que dispensa comentários. Ei-lo: “Esta é a bênção com que Moisés, homem de Deus, abençoou os filhos de Israel antes da sua morte”.
2Samuel 6.20 diz isto: “Então Davi voltou para abençoar a sua casa…”.
Seja qual for o sentido que se queira dar o texto, Provérbios 11.11 também é claro: “Pela bênção dos retos se exalta a cidade; mas pela boca dos ímpios é derrubada”. Pode ser que a bênção seja a simples presença dos retos na cidade, mas o fato é que eles abençoam.
Quando vi que homens abençoam, em nome de Deus (outros em seu próprio nome, mas eu nunca ousaria fazer isto), não senti constrangimento algum em fazê-lo. Se os renovados fazem não é o ponto para mim. O ponto é que ao fazê-lo não estou indo contra a Bíblia. Este é meu enfoque.
O HOMEM ABENÇOA NO NOVO TESTAMENTO
O contexto do Novo Testamento é diferente do contexto do Antigo Testamento até mesmo porque seu enfoque é outro. Mas a idéia de homens abençoando não lhe é estranha.
Lemos em Lucas 2.34: “E Simeão os abençoou, e disse a Maria, mãe do menino: Eis que este é posto para queda e para levantamento de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição”. Simplesmente o que está sendo disto é isto: Simeão abençoou Jesus e sua mãe. Se Simeão abençoou o menino Jesus por que um pastor não pode abençoar seu rebanho?
E lemos em Romanos 12.14: “Abençoai aos que vos perseguem; abençoai, e não amaldiçoeis”. Mesmo que esta bênção e maldição sejam em nível diferente do que ocorre no Antigo Testamento, fica claro que podemos abençoar ou amaldiçoar alguém. Não é a questão de que nossas palavras tenham poder. A propósito, leia no site da Igreja do Cambuí o artigo “Maldição sobre os crentes, outra invenção”, uma análise do livro de Jorge Linhares, “Bênção e maldição”. O que eu digo e faço é diferente de como outros interpretam.
Diz 1Coríntios 10.16: “Porventura o cálice de bênção que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos, não é porventura a comunhão do corpo de Cristo?”. A idéia é bem clara: Paulo abençoava o cálice da ceia.
Hebreus 7.1 diz assim: “Porque este Melquisedeque, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, que saiu ao encontro de Abraão quando este regressava da matança dos reis, e o abençoou”. O autor desconhecido assume o evento de Gênesis 14.19-20 e reconhece que um homem abençoou um homem. É verdade que este abençoador era sacerdote do Deus Altíssimo (El Elyom) no nome de quem abençoou o outro. Por que um pastor, que não é sacerdote, mas é um homem de Deus como um sacerdote do Antigo Testamento era, não pode abençoar homens em nome de Deus? Eu o faço. Com todos os meus pecados, defeitos e limitações, sou um homem de Deus. E abençôo, com confiança, o rebanho que ele me confiou, rebanho pelo qual zelo, amo e ao qual desejo as bênçãos de Deus.
Em Tiago 3.9 lemos: “Com ela bendizemos ao Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus”. O texto não nos diz que abençoamos alguém, mas diz que podemos amaldiçoar. Pode-se deduzir, sem violência ao texto, que se é possível amaldiçoarmos alguém, também podemos abençoar.
CONCLUSÃO
Não me passa pela cabeça ser grosseiro com ninguém, muito menos com o colega que me escreveu. Respondo publicamente porque a carta deixou de ser pessoal, e (confesso minha dificuldade com papéis) também porque a perdi, esquecendo-me inclusive de seu nome e endereço. Mas este artigo não é um recado a ele. É uma exposição do porquê faço o que faço.
Não foi o caso do colega em questão, mas há gente que procura chifre em cabeça de cavalo. Pinça frases do contexto, extrai declarações do seu sentido mais amplo, e põe na boca dos outros o que os outros nunca quiseram dizer. Com esses, pouco me importo. Deus, que conhece os corações, cuidará deles. Mas se alguém tinha dúvidas sobre o que eu disse, creio que fui claro. E se aceitam minhas palavras como declaração de boa fé, recebam também meu desejo de que Deus os abençoe. E eu os abençôo em nome de Cristo. E se quiserem me abençoar, aceito de todo coração. Aliás, sempre estou precisando ser abençoado.