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Correntes Teológicas Contemporâneas – Um Passar De Olhos

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Correntes Teológicas Contemporâneas – Um Passar De Olhos 

Isaltino Gomes Coelho Filho

 

            O cenário teológico anda razoavelmente calmo, depois de algumas décadas de “furor”, com algumas correntes de destaque.  Tivemos as teologias secularizantes, de fundo existencialista, como a da morte de Deus, com expoentes como Altizer, Hamilton, Robinson, Vahanian, Van Buren e outros menos cotados. Veio a da esperança, de Moltmann, e sua quase gêmea, próxima a ela, a teologia da história, de Pannenberg.

A teologia da libertação foi a grande estrela dos últimos anos.  Com ela, a teologia saiu de salas de aula e gabinetes de teólogos para a mídia secular. Parte disto se deveu ao uso de categorias marxistas de pensamento como princípio hermenêutico, ou seja, como a ótica pela qual se interpreta a Bíblia. Como o marxismo é o ópio dos intelectuais, isso a projetou muito. Além disso, ela “pegou carona” no impulso dado pelas teologias secularizantes, porque sua cristologia se tornou em “jesuologia”, tomando o homem Jesus e não o Cristo, como referencial. Centrou-se no homem para os outros, o libertador social, o reformador, mais que no Salvador. O Reino de Deus se tornou reino dos homens e a evangelização se tornou luta política. Em termos gerais, é isso.

Passamos pela teologia situacional, de Fletcher, que mereceu, acertadamente, o título de ética da situação. Era mais práxis que teologia. Chamá-la de “corrente teológica” era uma impropriedade.

A teologia do processo, de Hartshorne, baseando-se nas idéias de Whitehead, não tem sido empolgante, embora abraçada por pastores famosos. A idéia de um Deus finito e temporal, negando-se assim sua transcendência e sua sobrenaturalidade (mesmo que se diga que não), mostrando o homem como necessário para Deus, levou Carl Henry a perguntar como Deus “se arranjava” para ser, antes da criação do homem. Mas seus proponentes são sábios. Sabem que se abrirem demais o jogo, perdem suas ovelhas, que não querem um deus patético ou um deus do seu tamanho. E talvez não se tenham dado conta dos desdobramentos de sua posição. Isto mantém o avanço da teologia do processo razoavelmente estagnado o Brasil.

Presentemente, há um neomisticismo alienante, que centra a vida cristã em louvor, cura e prosperidade, dentro de um prédio, num determinado lugar, sob o comando de determinadas pessoas (um neo-sacerdotalismo). Substituiu a fé engajada na vida, que salga e ilumina o mundo. É altamente prejudicial para a vida das igrejas porque torna o evangelho numa festa, e não em compromisso. Há muito de ingenuidade própria dos jovens neste movimento, bem como muito de comércio religioso. É uma postura intimista e não uma teologia. Chamar este misticismo alienante de teologia é inadequado. É mais uma espiritualidade aguada, embora cheia de empáfia, do que teologia. Liga-se mais a uma liturgia ingênua de cristãos festeiros e de vendedores de bugigangas espirituais.

Há, também, um neofundamentalismo, próprio de sociedades que enfrentam momentos que trazem insegurança, e fazem brotar guetos ideológicos, em busca de segurança. Isto traz o patrulhamento ideológico (geralmente de quem tem o poder contra quem tem o pensamento) e o patrulhamento intelectual (dos que têm o pensamento e ironizam e sarcastizam os discordantes ou os leva a se apresentarem como mártires do pensamento). É até irônico, mas há um fundamentalismo dos liberais para quem, fora de suas proposições, não há saber teológico nem erudição.

No cenário batista, após décadas de lutas contra a liturgia pentecostal, começa a emergir nova influência eclesiológica, uma tendência que hesito em chamar de presbiterianizante, mas se o faço não é em desdouro aos irmãos desta denominação, mas devido à posição de seus adeptos, querendo mais poder para as instituições, colocando as igrejas sob seu comando. Procede de pastores de igrejas locais incapazes de gerir sua própria vida, e de líderes preocupados com desvios doutrinários. Os dois grupos engrossam este clamor por mais autoridade vindo da estrutura, que está em xeque em nosso meio. Isto é mais forte em S. Paulo que em outros estados. Na teologia batista, a estrutura deve se subordinar às igrejas, que são senhoras do processo denominacional e não apenas pagadoras de contas. As igrejas estão cansadas de estruturas gastadoras, ineptas e que só se lembram delas para pedir auxílio financeiro. Sua resposta é o afastamento delas.  Mas a tendência de subordinar igrejas a “pacotes” é muito grande, hoje, em nosso meio. É uma semente de “vaticanização”. A idéia é esta: a estrutura sabe o que é melhor para as igrejas e estas devem se subordinar a ela. É sempre oportuno lembrar que do ponto de vista de Novo Testamento a única instituição reconhecida é a igreja local. O demais é arranjo humano.

            Todas estas coisas merecem reflexão teológica. Teologia não é abstração. É a vida da própria igreja. É vivencial, e não jogo de palavras. Há teses teológicas que as pessoas comuns não entendem (e por vezes penso que nem seus proponentes entendem o que falam) e servem para deixar a idéia de que a teologia é desnecessária e confusa. E ela é e deve se ocupar de temas sérios, e não ser passatempo expresso em palavrório inócuo.

 Este cenário e outros aspectos aqui não focalizados, mas patentes aos olhos do observador arguto, permitem entrever três temas que suscitarão grandes discussões teológicas nos próximos anos e para os quais devemos nos preparar:

            1º) A teologia da salvação. Não é a  heilgeschichte, a história da salvação. É uma questão nos seguintes termos: só existe salvação no cristianismo? A fé de uma pessoa tem muito a ver com a geografia. Um nepalês dificilmente ouvirá o evangelho. Deus condenou essas pessoas à perdição eterna por culpa de situação geográfica e política? Knitter, Schillebeeck, Hans Küng, Congar, Pannenberg, Rahner e outros têm discutido este assunto. C. S. Lewis também se ocupa dele. Lembremos que Justino Mártir e Orígenes consideravam Sócrates e Heráclito como cristãos, e que Agostinho dizia que chegou a Cristo por intermédio de Platão. Questões como exclusivismo, inclusivismo e universalismo deverão ser mais discutidas. A resposta terá que ser bem fundamentada. Se dissermos que essas pessoas estão perdidas eternamente, estamos brincando com evangelização e missões mundiais, nos moldes como as fazemos. Se dissermos que não estão perdidas teremos que rever até mesmo o conteúdo de nossas afirmações soteriológicas.

            2º) Questões éticas. Não serão mais questões situacionais, como nas preocupações de Fletcher, nem as questiúnculas mesquinhas de nossas igrejas, mas questões em nível global. A manipulação genética de seres vivos com finalidade comercial, a clonagem, a criogenia e a pan-sexualidade demandarão mais tempo que fumo, bebida e diversões, onde se centra a maior parte da preocupação ética das igrejas. A macro-ética deverá receber mais atenção que a micro-ética.

            3º) A possibilidade de vida fora da Terra. Não nos iludamos. Cedo ou tarde aparecerá um ser vivo de outro planeta. Balões de ensaios são lançados por ufólogos. Ou serão descobertos ou serão “descobertos”. Mas demandarão respostas: serão pecadores? Qual o papel da obra de Cristo para eles?

            O cenário teológico é um ambiente fantástico. Permite pensar, criar e elaborar tendo a Palavra de Deus como embasamento. Não pode ser um provedor de respostas empacotadas nem fazer a teologia, sempre produto da mente humana, tornar-se uma camisa de força para toldar as pessoas. Mas nos propõe questões que merecem reflexões. Sem nos esbordoarmos uns aos outros, tachando os que pensam de maneira diferente de hereges e incrédulos, pensemos nas grandes oportunidades que nosso tempo nos oferece para teologar. É uma perspectiva fascinante, a de pensar sendo iluminados pela Palavra e desenvolver um senso crítico e analítico para o bem estar do povo de Deus. Que tenhamos sabedoria, humildade e misericórdia para assim fazermos. Há momentos extraordinários pela frente. É fantástico fazer a verdadeira teologia: examinar o mundo e as correntes de pensamento à luz do crivo das Escrituras, e procurar nestas as respostas para nossa sociedade. Porque esta é a verdadeira teologia: o que Deus tem a nos ensinar. E este é o verdadeiro teólogo: o homem que quer conhecer o que Deus tem para ensinar.

Lembremos, a propósito, Helmut Thielicke: a primeira vez que alguém falou de Deus na terceira pessoa, chamando-o de “ele” e não de “tu”, foi no famoso diálogo iniciado pela serpente. E esta teologização de Deus como “ele”, e torcendo a Palavra dele para provar sua tese, terminou mal. Por isso, quem ama teologia e pretender seguir na estrada que ela abre, nunca pode perder de vista o feixe de luz que a Bíblia emite. 

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