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Ministros Segundo Ló ou Ministros Segundo Abraão?

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Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho e apresentado como aula magna do Seminário Teológico Batista Goiano, 12.3.9

“Habitou Abraão na terra de Canaã, e Ló foi armando as suas tendas até chegar a Sodoma” (Gn 13.12).

Nesta minha palavra desejo fazer uma comparação entre Abraão e Ló. Quero vê-los como dois tipos de pessoas com responsabilidades diante de Deus. Sem fazer uma exegese a fundo quero vê-los como dois tipos de ministros. Abraão foi para Canaã, terra que seria sua por desígnio divino. Sua ida já era uma antecipação das promessas de Deus. Ló foi armando as suas tendas até chegar a Sodoma, onde veio a ser administrador, o que se deduz de estar sentado à porta de Sodoma. É um idiomatismo para designar o tribunal. Ele não era um pedinte, mas administrador de Sodoma. São duas perspectivas diferentes. A de Abraão é a do homem que não se preocupa em ter o melhor, porque descansa nas promessas de Deus. A ponto de deixar que Ló escolha o melhor. A de Ló é a do homem olha o material a ponto de passar por cima do que seria o direito do tio, homem mais velho. Na cultura patriarcal, isto era imperdoável.

Ló alcançou boa posição social, mas não influenciou ninguém. Não deixou marcas na vida de Sodoma. Deus prometera a Abraão não destruí-la se nela houvesse dez justos. Ló ficou lá com sua família. Eram quatro pessoas. Não influenciaram mais seis com sua fé.

Sua vida foi regida pela preocupação material. No auge de uma crise, quando Sodoma e Gomorra iam ser destruídas por Deus, sua preocupação era com uma boa cidade para viver (Gn 19.20-22). Terminou seus dias em duplo incesto, gerando dois povos inimigos de Israel, que atrapalharam muito a vida dos descendentes de Abraão, os moabitas e os amonitas. Ló é o tipo de ministro interessado no mundo.

Abraão, o outro personagem de quem falo mais detalhadamente agora, é o pai da fé, homem respeitado entre judeus, muçulmanos e cristãos. Temos, então, dois tipos de ministros. Um ministro que procura ser bênção. Um ministro que procura receber bênçãos. Enquanto Abraão intercedeu pela cidade em que Ló morava, este se preocupava com outra para morar. Abraão via as pessoas e Ló via os bens. Abraão não morava em Sodoma, mas se preocupava mais com ela que Ló, morador. Abraão é o ministro que ama as pessoas. Ló é o ministro que ama sua vida.

Ló vem-me à mente quando vejo certos programas de televisão ditos como evangélicos, quando leio certos livros ditos como evangélicos: não se fala neles de perdão, de vida eterna, e muito menos de salvação. Não há preocupação em avisar as pessoas sobre o juízo de Deus. Fala-se de saúde, dinheiro, carro novo, empresas que estavam falindo e agora têm filiais em Nova York, etc. É a síndrome de Ló: o coração em Sodoma e Zoar. Enquanto Abraão intercedia por Sodoma, Ló intercedia por si. Abraão via as pessoas. Ló via as possibilidades de uma boa vida. Abraão é um ministro voltado para realidades espirituais, e Ló, para as materiais. Ditas estas coisas já posso formular a questão. Ei-la: que tipo de ministros queremos ser? Ministros segundo Ló ou ministros segundo Abraão? Ministros que buscam ser úteis ou que colocam a busca de benefícios pessoais em primeiro lugar? Na realidade, o tipo de ministro que desejamos ser, ou que já somos, depende muito de nossa visão.

A visão de Ló era materialista. Não o vemos orando, não o vemos testemunhando, não o vemos intercedendo pelos pecadores. Tornou-se rico, alcançou posição social em Sodoma, e de lá Deus o resgatou, porque Deus é fiel às suas promessas. Mas sua preocupação era consigo mesmo e, nunca nos esqueçamos de seu fim, terminou sua vida em incesto com as filhas, embriagado. Sua visão era ficar rico e fazer carreira. Respeitosamente, embora não sejam dados à embriaguês e ao incesto, não é este o sonho de muitos ministros: ser famoso, ter uma igreja com um rol de membros numeroso, repleto de figurões? Galgar espaços e subir? O ministro segundo Ló tem uma visão distorcida de valores. Quantifica o reino e torna a igreja em uma empresa, vê cifras e valores, mas não vê gente. Não vê o povo de Deus. Não vê os perdidos a salvar do seu caminho de destruição. Com isto, perde o seu próprio rumo e encaminha mal a igreja de Cristo. Se sua visão for como a de Ló, seu ministério poderá ser brilhante em várias áreas, mas será paupérrimo em conteúdo espiritual e em marcar vidas. Poderá ser rico e famoso, figurão denominacional, mas será medíocre como obreiro de Deus. Terá falhado como ministro. Correrá o risco de ser como Ló: passou anos em Sodoma e não fez diferença na vida das pessoas. Há obreiros que passam tempo numa igreja e não fazem diferença alguma na vida dos crentes.

Abraão tinha outra visão. Desejava ser um instrumento nas mãos de Deus. Dois traços marcaram sua vida: culto e obediência. Felizmente teve falhas, o que faz dele um ser humano como nós. Aprendemos que Deus não espera servos sem falhas, mas que o amem e que o sirvam. A primeira atitude de Abraão ao chegar a um lugar era levantar um altar e invocar o nome do Senhor. A presença do Senhor em sua vida era sua maior necessidade. Além disto, sua vida era pautada por obediência e amor a Deus. Duas construções marcam sua vida: altar e tenda. Para Deus, um altar de pedras, duradouro. Pedras resistem ao tempo. Para ele, tendas, o perecível. O melhor para Deus e o secundário para ele. Muitos fazem suas casas de pedra e dão tendas a Deus. Ficam com o melhor e a Deus dão o perecível.

Levantar altares significa cultuar. Cultuar é bom. Pena é que o culto contemporâneo seja antropocêntrico, direcionado para o homem mais que para Deus. A preocupação é fazer com que todos se sintam bem e saiam aliviados do culto. Avaliamos uma reunião não pelo que ele nos mostrou de Deus, mas pela maneira como nos sentimos. Alguns dos cânticos com que algumas pessoas tentam manipular o auditório durante o culto têm mais de Lair Ribeiro que de Jesus. A finalidade é criar uma atmosfera cordial, “descontraída”, onde todos se sintam bem. Há ministros que levantam altares de lona. O culto parece um circo. Fabricam emoções passageiras e são mais condutores de espetáculo que homens de Deus.

Abraão invocava o nome de Deus e se punha sob a tutela daquele nome. Ele confiava seu destino à mão de Deus. Pensamos muito em culto como liturgia e deixamos de vê-lo como atitude de vida. Como uma atitude de confiança. Culto não são apenas atos, mas relacionamento correto com Deus. Ter uma vida de culto é ter uma postura diante de Deus que leva o ministro a dizer: “Não estou atrás de poder, de fama, de espaço denominacional, de reconhecimento comunitário. Quero apenas ser útil”. Quando se tem esta atitude tem-se o verdadeiro culto, que é conformidade ao propósito de Deus para nossa vida.

Jonas disse uma frase estranha aos marinheiros: “Eu sou hebreu, e temo ao Senhor, o Deus dos céus, que fez o mar e a terra seca” (Jn 1.6). Que era hebreu, tudo bem. Mas que temia ao Senhor, temia nada. Tanto que o desafiava com sua fuga. Sua atitude colidia com sua teologia. Temia ao Senhor, mas fazia sua própria vontade.

Há ministros assim. Temem, adoram, cantam, fazem afirmações teológicas, mas não mostram sua teologia em atos. O discurso teológico dissociado da práxis é um contra-senso. Não devemos colocar a estrutura denominacional em primeiro lugar em nossa vida. Não devemos colocar os bens materiais em primeiro lugar. Não devemos colocar nosso emprego em primeiro lugar. Devemos colocar Deus. Não é isto que nossa teologia diz, que Deus é o valor supremo? O ministro segundo Abraão pauta sua vida por obediência e por culto. Sua vida é regida por valores espirituais e não valores humanos, denominacionais ou de grupos.

Abraão e Ló começaram sua caminhada juntos. Foram calouros em seu curso teológico, não feito de disciplinas, mas de vivência com Deus. Em um dado momento, cada um seguiu seu caminho. Ló ficou famoso. Tornou-se administrador de uma cidade. Enriqueceu. Abraão, apesar do alarido da teologia da prosperidade, só teve uma propriedade sua, propriamente dita: a cova onde sepultou a esposa e, mais tarde, foi sepultado.

O tempo passou. Não conheço pessoas chamadas de Ló, mas conheço muitas chamadas de Abraão. Ele se tornou respeitado em três grandes religiões mundiais. Mas foi um ministro com ótica correta e valores corretos. Algumas vezes foi um mau político, em outras falhou, envolveu-se em algumas encrencas, mas nunca perdeu sua vocação nem seu chamado para ser uma bênção. E para ser uma bênção não precisa ser um gênio administrativo e financeiro ou um anjo escorregado dos céus. Basta ser fiel e temente a Deus. Ele abençoa.

Alguns de nós nos tornamos mais conhecidos que outros. Outros teremos igrejas maiores e mais recursos financeiros que outros. Mas todos, sem exceção, devemos ser ministros segundo Abraão e não ministros segundo Ló. Não devemos viver em busca de fama, de espaço na carreira, de crédito diante dos homens. Devemos ser ministros com vidas que mostrem uma atitude de adoração a Deus. O que digo agora é chocante, e eu gostaria que não fosse verdade, mas é verdade. Infelizmente é verdade: aqui no Brasil, o reino de Cristo tem sofrido mais nas mãos de obreiros de Deus que nas mãos de homens sem Deus. Isto é trágico. Ló criou problemas para Abraão e deu trabalho ao anjo que foi orientá-lo. Qual foi o grande feito de Ló? Há obreiros que só dão trabalho. Em contrapartida há obreiros que marcam vidas para sempre.

Não coloquemos em primeiro lugar em nossa vida os bens materiais, coisas e lugares, muito menos cargos e posições. Sejamos ministros que deixem marcas positivas por onde passarmos. Sempre teremos pessoas nos criticando. Mas se formos ministros como Abraão, podemos ter a certeza de que nossa vida será bem cuidada e que faremos jus ao elogio que Deus destinou a Abraão: “meu amigo Abraão”. Não sejamos amigos do mundo, como Ló. Sejamos amigos de Deus. Sejamos ministros segundo Abraão, e não ministros como Ló.

Caro seminarista, meu desejo sincero é que você faça como Henry Martin, que ao desembarcar nas praias da Índia, caiu de joelhos, levantou as mãos ao céu e disse: “Aqui, deixem-me gastar por Deus”. Quando você tiver descoberto seu lugar no reino, ou a cada igreja em que chegar, caia de joelhos, e diga: “Aqui, deixem-me gastar por Deus!”. Que você seja ministro como Abraão e não ministro como Ló.

Tenho dito.

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