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Cadela náufraga nada 10 km e sobrevive em ilha deserta

Isaltino Gomes Coelho Filho

A Internet traz notícias absolutamente irrelevantes, o que atende às necessidades de uma sociedade fútil, oca e medíocre como a nossa. Fiquei sabendo, por exemplo, que “Ronaldo estuda” rapar a cabeça para as finais do campeonato paulista de futebol. Puxa, “estuda”! Tal consideração deve tomar horas de excogitações. Pude imaginar Ronaldo com a mão no queixo, dizendo-se: “Rapar ou não rapar: eis questão!”.

Mas, ironias à parte, e antes que corintianos me enviem emails zangados, há histórias que enriquecem. Como esta, da cadela Sophie Tucker (o nome é em homenagem a uma comediante americana), que caiu de um iate na costa da Austrália e foi encontrada quatro meses depois, em uma ilha remota. Seus donos, o casal Jan e Dave Grifith, navegavam por mar agitado na altura de Mackay, na costa de Queensland, em novembro passado.

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Reprodução

Sophie Tucker, da raça australian cattle dog, nadou quase 10 quilômetros até chegar a uma ilha, onde foi encontrada

_ Diz a notícia: “O casal achou que Sophie tinha se afogado, mas ela conseguiu nadar cerca de 9,7 quilômetros, atravessando uma área infestada de tubarões, e chegou à ilha de St. Bees, uma formação vulcânica cercada de recifes. A cadela foi encontrada por uma patrulha da guarda costeira. Jan Griffith disse que achou que nunca veria Sophie novamente, mas decidiu contatar a guarda de parques e vida marinha de Mackay depois que ouviu dizer que havia um cão vivendo em St. Bees. Jan disse que Sophie, um cachorro da raça australian cattle dog desenvolvida em fazendas australianas, sobreviveu alimentando-se de caranguejos até aprender a caçar filhotes de cabras selvagens”.

A cadela foi avistada, pela primeira vez, em mau estado físico, “até que, de repente, melhorou de aparência e foi aí que eles descobriram que ela estava comendo cabras”, segundo Jan Griffith, que acrescentou: “Ela tinha se tornado selvagem e feroz. Não deixava ninguém chegar perto ou tocar nela. Ela não aceitava comida de ninguém”. Recuperada pelos donos, Sophie está se readaptando rapidamente ao conforto doméstico.

Fiquei comovido com a notícia. Gosto de animais, mais de gatos que de cães. Meu gato mais famoso foi o Helmut Schleiemacher Von Ribentropp II, um siamês. Depois tive o Soren Aabye Kierkegaard III. E lembro com carinho do Marinho, em homenagem ao ex-jogador do Bangu. Este foi uma “figuraça”. O último, Mahavira, um persa presenteado pelo filho, morreu de câncer. Aí desistimos de ter animal de estimação.

Voltemos a Sophie Tucker. Dois aspectos me chamaram a atenção nesta cadela. O primeiro foi sua determinação em querer viver. Um cão pode nadar, mas nadar dez quilômetros! Deve ter visto a ilha e ido em sua direção. Ressalto não apenas sua determinação em nadar, mas em sobreviver. Muita gente entrega os pontos diante das dificuldades, mas Sophie estava decidida a viver. Quis viver. Há até mesmo crentes, conhecedores do poder de Jesus, que quando são submetidos a crises logo entregam os pontos. Quantos desanimam da fé em meio a problemas! Outros não desanimam a ponto de perder a fé, mas se abatem e ficam prostrados, esperando o pior. Não foi fácil para Sophie: tempestade, tubarões, distância, patas curtas para nadar, ilha sem vida humana para cuidar de uma cadela doméstica! Mas ela foi à luta. Não se entregam os pontos antes do apito final, é a lição a ser tirada aqui. Lembrei-me do conselho de Paulo: “Sede firmes e constantes!”. Nunca podemos desistir diante das dificuldades. Sophie nada planejou, porque cães não planejam, mas na base do instinto lutou e sobreviveu. Cadela valente! Que lição de vida! Nós podemos planejar, pedir socorro, contamos com recursos espirituais. Como desistir?

O segundo aspecto é a adaptabilidade. A cadela teve que se adaptar a novas situações. Há gente que nunca se adapta a novos tempos. Há igrejas imobilizadas e postas em formol porque não se adaptam ou porque alguns não permitem que elas se adaptem. Há obreiros que não se adaptam ao novo pastorado. Por adaptar não falo de aderir a modismos litúrgicos e teológicos, mas de entender circunstâncias diferentes de ministério e de vida. Nasci no Rio, sendo carioca por nascimento. Alguns tentam sê-lo, mas como diria Paulo, “eu o sou por nascimento”. Formado, bem jovem, fui pastorear no interior de S. Paulo, numa cidade com menos de 100.000 habitantes. Tentei adaptar a igreja e a cidade ao meu estilo, ao invés de me adaptar à nova circunstância. Desnecessário dizer que não fui bem no primeiro pastorado. Por vezes, a fisionomia de um bairro muda. De tranquilo subúrbio passa a agitado bairro de classe média, mas a igreja continua com a visão anterior. Num certo bairro, duas favelas foram removidas e sofisticados sobrados surgiram em seu lugar. A igreja local continuou com um programa para atrair os moradores das duas favelas, e se isolou do bairro. No Brasil, a população madura está crescendo, mas as igrejas continuam sendo estruturadas em função dos jovens, inclusive na liturgia. A chamada “melhor idade” (isto é que é ironia!) é “agraciada” com alguns programas, numa espécie de concessão bondosa.

Sophie Tucker não entendeu nada. Será que os donos a teriam abandonado? Que lugar estranho era aquele aonde chegou, exausta de nadar? E o seu mundo anterior, tão seguro, o que teria sido feito dele? Como será o amanhã? Nada pensou até mesmo porque cachorro não pensa. Mas luta. E ela soube lutar. Uma boa lição de vida para todos nós. Podemos não entender nada e enfrentar tempestades, temer os tubarões, enfrentar perigos para viver, mas devemos lutar. Não há vitória para quem entrega os pontos, mas apenas para os que lutam. Nada de desânimo, portanto!

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