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A saúde doutrinária e espiritual da igreja

Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho e apresentado no Congresso da Ordem dos Pastores Batistas Fluminenses, 7 de maio/2009

INTRODUÇÃO

Não me deterei em doutrinas específicas, nesta palestra. Falarei da saúde doutrinária e espiritual da igreja, sem entrar em questões particulares. Minha linha é esta: como ter uma igreja saudável, tanto doutrinária como espiritualmente, de modo que ela esteja razoavelmente imune a problemas de ordem doutrinária? Como dar estabilidade doutrinária à igreja, sem ser maçante? Como desempenhar o ministério de maneira que a igreja atravesse incólume o mar das novidades doutrinárias? Sempre procurei pastorear o rebanho com um projeto de trabalho que lhe desse saúde doutrinária, de modo a não sofrer com heresias. E com um projeto de trabalho que lhe desse saúde espiritual, de modo a crescer. Pastoreei igrejas que cresceram e que viveram sem traumas doutrinários. Quero falar um pouco disto.

Fui preletor em um congresso de jovens, falando sobre o assunto que me pediram. Encerrada a palestra, secundou-me o “dirigente de louvor” (?), que de chofre declarou: “Não me interesso por doutrina, só por Jesus!”. Pedi o microfone de volta, e com respeito e calma, perguntei: “Sem doutrina, que Jesus você tem?”.

A questão não é brigar por questiúnculas, como indumentária e hábitos alimentares. A questão é que há necessidade de se afirmar as grandes doutrinas da fé cristã, porque estamos vendo o cristianismo ser reduzido a sentimentos. Ou a atos esotéricos ou espiritualísticos. Muitos dos que perderam a fé estão buscando consolo numa nova religião, a ecolatria. É um tal de “Salvem as baleias”, “Salvem o mundo”, etc. Não estou a ironizar os esforços ecológicos. Eles são necessários. O problema é que temos visto uma nova religião, seguida por muitos, em Deus é substituído pela natureza. É uma síntese do choque dialético entre Religião e Naturalismo, um embate filosófico. Pensa-se no evangelho como sentimento, não como uma cosmovisão, a única vinda de Deus.

Um casal amigo meu foi matricular a filha em uma pré-escola. Ficou encantado em ver que as crianças eram ensinadas a orar antes das refeições. E foi ver o almoço. Ficou horrorizado com a oração à banana: “Ó banana, eu te agradeço porque eu vou comer você e você vai fazer parte de mim”. O colégio era religioso, mas que religião esquisita! Orava-se a uma banana! É o culto à natureza, é o Naturalismo.

Defender doutrina não é perder-se em minúcias que obscurecem o evangelho de Jesus. É ressalvar a identidade do evangelho. Tentam empurrar-nos a um universalismo religioso, produto de uma massificação cultural e do abandono do Deus cristão revelado por Jesus. As pessoas têm um profundo sentimento religioso, porque são imagem e semelhança de Deus. Mas como Paulo magistralmente mostrou em Romanos 1.18-30, ao desprezar Deus, a humanidade se tornou insensata. Os homens precisam de uma mensagem espiritual, mas como disse Jeremias, trocaram a fonte de águas vivas por cisternas rachadas que não retêm as águas: “Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram para si cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas.” (Jr 2.13).

Esta pressão do universalismo religioso se faz sentir sobre as igrejas. Não podemos ceder. Não pregamos religiosidade nem espiritualidade ou a busca de uma energia cósmica. Há uma espiritualidade diluída no neopaganismo. Nós pregamos a espiritualidade verdadeira, a essencial. Pregamos a Cristo crucificado. Hal Urban tem um livro intitulado Os dez mandamentos do bom senso. Eis o primeiro mandamento que ele alista: “Não se deixe seduzir pelos valores da cultura popular. Eles o impedem de pensar com a sua própria cabeça”. E nós, mais que pensarmos pela nossa cabeça, precisamos ter a mente de Cristo. Por isso devemos ter firmeza no que cremos, firmeza na sustentação de nossos valores, e manter a doutrina do evangelho. Há um processo de descaracterização do evangelho em curso. Ele é facilmente perceptível. Só pessoas ingênuas não o notam. Mas nós devemos notar.

REPETINDO IDÉIAS

Para firmar nossa linha, repito algo da palestra anterior. Doutrina não é oposta à vida espiritual. Quando é apresentada de modo seco, como quem faz autópsia de um cadáver, estudando anatomia, ela enfada. Mas doutrina é vida. E muitas vezes se pensa em doutrina como algo sem conteúdo inspirativo e em vida como empolgação, agitação, barulho. Somos uma sociedade que não privilegia o pensar e sim o agir. Nos últimos tempos tem sucedido uma mudança. Não é mais o agir, e sim o sentir. Emoções e sensações, não mais o raciocínio, eis a maneira de ver o mundo. Por isso, nos enganamos. Mas um estudo doutrinário pode ser empolgante, quando a Bíblia é lida, quando seu sentido é explanado, e as pessoas entendem o que foi ensinado. Todos os grandes avivamentos sérios se basearam no ensino da Bíblia, e não na oratória gongórica ou no louvor. A Reforma nada mais foi senão a redescoberta de uma doutrina, a justificação pela fé. O movimento missionário moderno, da mesma forma, foi a redescoberta de uma doutrina, a da perdição eterna das pessoas sem Cristo, e a consequente imperiosidade da evangelização mundial. Doutrina bem ensinada traz vida à igreja. De outro lado, lembro que doutrinas erradas, principalmente na área escatológica, nos deram Adventistas do Sétimo Dia e Testemunhas de Jeová.

DOUTRINA E FÉ – COMPLEMENTARES

Doutrina é a formulação do que cremos; não limita a fé, mas se propõe a explicar a fé. É a verbalização do que cremos, daquilo que experienciamos. É o lado mental da fé. Fé e doutrina caminham juntas. A primeira embasa a segunda; a segunda explica a primeira. Um não crente poderá entender intelectualmente a doutrina cristã, mas não terá a Cristo como Salvador. Terá informações sobre ele. Mas o conhecimento da verdade religiosa não pode ser meramente cognitivo, mas experiencial. Quando Paulo diz “porque eu sei em quem tenho crido” (2Tm 1.12), o verbo traduzido como “crido” é o perfeito ativo de pistéuô, com o sentido de algo bem definido, bem estabelecido, e não apenas recebido por informação. É algo vivenciado. Não é da mente, é da vivência. Aqui reside um erro do tradicionalismo religioso, o de pensar que saber é ser. Esta visão platônica é um equívoco teológico. Saber não é ser. Ter informações não é ser. Ser é internalizar e moldar por informações recebidas. Pregar não é dar informações. É colocar paixão e vida no que se diz.

Lemos em 1Coríntios 2.14: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. O texto explica isto que digo e nos abre os olhos para algo além: a verdadeira teologia se faz pelo Espírito, é do coração, e não cérebro. Desencantei-me com Paul Tillich quando li que ele disse que não orava, mas meditava. Oração não é comunhão consigo mesmo e com o subconsciente. É falar com alguém fora de nós. O homem espiritual terá mais facilidade em compreender as verdades de Deus. O verdadeiro teólogo é aquele que fala de Deus como Tu, e não apenas como Ele. A primeira vez em que alguém fez teologia referindo-se a Deus como “ele” é sintomático: foi no Éden. E o teólogo foi a serpente. Doutrina não significa falar de Deus como ele, mas também como tu.

Doutrina e fé se amalgamam numa palavra chave: conhecimento. Porque Deus não se revelou apenas na experiência humana, mas na história. Temos uma revelação verbalizada, proposicional, a Bíblia. A experiência é subjetiva e se fosse a regra, teríamos tantas verdades quantas fossem as pessoas. A Bíblia é objetiva e deve reger a subjetividade. Verdade é que há multiplicidade de interpretações, mas porque as pessoas, sem doutrina, confundem livre exame com livre interpretação. Não posso dar o sentido que quero. Posso divergir de alguém em certos momentos, mas há um sentido geral na Bíblia.

Muito da confusão doutrinária é porque conhecimento requer trabalho, e muita gente não quer ter trabalho. Não apenas mental, mas espiritual. Há muitos insights e interpretações particulares para sustentar pontos de vista. A empáfia espiritual, o uso da Bíblia para subsidiar posições pessoais, a recusa em se submeter a alguém ou a alguma instância superior, produz uma babel doutrinária. Uma pessoa defendeu que todos nós já existimos antes, em outra ocasião. Baseou-se em Jó 38.21: “De certo tu o sabes, porque já então eras nascido, e porque é grande o número dos teus dias!”. Ignorando uma figura de linguagem chamada ironia, o pastor criou uma doutrina muito semelhante à reencarnação, chocando-se com muitas outras passagens bíblicas. Preguiça e empáfia estão na raiz desta tolice.

A ausência de boa doutrina produz enfermidades nas igrejas. Há igrejas enfermas. E pastores idem. Por se desprezar a simplicidade do evangelho, surgem esquisitices, multiplicidade de seitas e igrejas de livres atiradores. Isto também se vê no escasso impacto que causamos no mundo, e nos problemas morais que se sucedem um após outro. A beligerância entre grupos e pessoas lutando por espaço e por clientela mostra uma espiritualidade deficiente. Muitos grupos não têm doutrina nem espiritualidade. A ausência de doutrina não causou espiritualidade. Não a obstou nem a sua ausência produziu. Há igrejas e pastores não saudáveis.

AS CAUSAS DAS DOENÇAS

A doença é uma disfunção do organismo. Ele foi projetado por Deus para ser saudável. Adoece por causa de circunstâncias. A igreja foi instituída por Deus para ser saudável. Suas doenças são disfunções. Quero fazer uma analogia entre as doenças do organismo e as doenças doutrinárias e espirituais da igreja. Agradeço à minha esposa, que é da área de Biologia, pelo apoio nesta parte. Possíveis deslizes são meus, que posso não ter entendido direito o que ela me ensinou.

(1) As doenças surgem por causa de uma invasão do corpo por estranhos que o atacam e o modificam, prejudicando o seu funcionamento. São vírus, bactérias, fungos, protozoários e helmintos. A igreja é invadida por elementos estranhos, que desfiguram sua saúde e prejudicam seu funcionamento. Doutrinas exóticas, práticas estranhas à nossa cultura e que se chocam até com valores do evangelho. Os Meninos de Deus, no passado, ensinavam que relações sexuais fortuitas eram lícitas, se pudessem com isso levar alguém a Cristo. Estes elementos se introduzem sub-repticiamente no corpo e o enfermam. A igreja precisa estar atenta a invasores doutrinários. O universalismo soteriológico é um, por exemplo, que mina toda a saúde da igreja. É uma AIDS espiritual. Aniquila todas as defesas das igrejas, leva-a a perder a visão de evangelismo e missões. Se Cristo não é único caminho para Deus e se todos serão salvos, por que evangelizar? Por que missões? Por que igreja? Uma igreja que não ama nem pratica evangelismo e missões não está mais doente. Morreu e não deitou. É um cadáver ambulante.

Eu me incomodo, particularmente, com uma liturgia que impede a reflexão, o quebrantamento, e o aprendizado. Ela é extremamente agitada, barulhenta, deixa as pessoas em estado de excitação que as impede até de se alimentar. Fui pregar num congresso em que havia cinco bandas se exibindo. Depois de uma hora e meia de barulho em alto volume, de vaias, aplausos, bolinhas de papel jogadas no palco, deram-me a palavra para pregar. Não havia como fazê-lo. Não foi um culto, a Bíblia não foi pregada, as pessoas não se alimentaram. Este vírus lithurgicus pode não ser uma doença, mas em algumas vezes oportuniza o surgimento de doenças. Entre elas o tirar a reflexão do culto e transformá-lo em momento apenas sensorial. Quando se vive no sensorial, a carne fala mais alto que o espírito. As pessoas não conseguem entender isto: há um tipo de liturgia que não favorece o ensino bíblico. Este vírus leva a igreja a adoecer. Muitas igrejas estão doentes porque têm louvor demais e adoração de menos. Não é incongruência. É que muito do que se chama louvor é apenas entretenimento. Uma igreja sem um culto verdadeiro, sem a presença de Deus, adoece e se torna passível de doutrinas exóticas. Culto não é forró, não é catarse, o expurgo de más sensações e a colocação de novas sensações dentro de si. Culto é uma reflexão sobre Deus, sobre nós, sobre a vida. Alguém me dirá: “Culto é alegria, é celebração porque temos Jesus!”. Concordo, mas só pode ter esta alegria quem primeiro se angustiou como Isaías: “Ai de mim que estou perecendo, porque sou um homem impuro, de lábios impuros, habito no meio de um povo impuro e de lábios impuros e meus olhos viram o Rei, o Senhor dos exércitos!”. Só pode ter alegria quem sentiu seu pecado, clamou por socorro e recebeu o perdão. Lembram quando o versículo mais repetido em nossas igrejas era 2Crônicas 7.14: “E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face, e se desviar dos seus maus caminhos, então eu ouvirei do céu, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra”? Pois bem, hoje é “Louvai ao Senhor com danças!”..

(2) A falta de cuidados na manutenção do corpo também oportuniza enfermidades. É o caso da alimentação deficiente, da falta de exercícios e da falta de descanso. A garotada gosta muito de batata frita, de cachorro quente e de refrigerante. Mas se comer só isso (comer isso já é trágico!) ficará pançuda e desnutrida. Há igrejas vivendo das batatas fritas, cachorros quentes e refrigerantes do louvorzão, das festas e do reunionismo, que é o hábito de reunir-se por reunir-se. Sem alimento vindo do ensino das Escrituras e sem uma vida de oração, a igreja enferma. Eu gostaria de estar errado e gostaria que me desmentissem com fatos, mas no geral, boa parte das igrejas não tem um programa sólido de estudo bíblico e nossa vida de oração é deficiente. Basta vermos a frequência das reuniões de oração. Mas passeios, almoços e jantares movimentam todo mundo. Koinonia é reflexo, não a essência da vida cristã. A essência é a salvação por Jesus Cristo.

Se o corpo não se exercita, pode ficar obeso ou atrofiado. Há igrejas que não se exercitam com a evangelização. São igrejas com excesso de cultos, obesas, mas sem exercitar a fé pelo testemunho. Outras se atrofiam, perdem membros, se apequenam. Ainda creio, de todo coração, que pregar sermões evangelísticos e chamar as pessoas a aceitarem Jesus como Salvador produz conversões. Isto faz a igreja se exercitar em atender crentes novos. Este tipo de exercício oxigena a igreja, evitando a fossilização. Crentes que envelhecem espiritualmente matam uma igreja. Ela precisa se oxigenar pelas conversões, produto de exercício do corpo.

Há igrejas sem descanso. Um colega se queixou de uma roda viva de atividades que o impediam e também a igreja, de descanso. Ele não podia cuidar de sua própria vida espiritual. E a igreja também não. Eram jantares, almoços, cafés da manhã e da tarde, passeios, encontros. Muitos colegas têm comentado comigo que se sentem mais executivos eclesiásticos que pastores de rebanho. Isto traz cansaço ao obreiro e à igreja. O corpo se debilita por ausência de descanso, e assim surgem enfermidades oportunistas. E às vezes, a igreja pensa que atividades produzirão saúde. E cai no ativismo. É a graça, que nada mais é que descansar em Deus e deixar que ele aja, que produz. Espaço para a graça, para o descanso espiritual, é muito necessário.

(3) O corpo pode adoecer por problemas genéticos que limitam seu pleno desenvolvimento e atuação. Assim surgem enfermidades com síndrome de Down, a síndrome de Turner e outras. Devemos ter muito cuidado com a genética de nossas igrejas. Algumas igrejas já nascem doentes por causa de problemas não resolvidos entre facções. Anos a fio aquela igreja vive em ressentimento com a igreja de onde saiu. Fui pastor de uma igreja de onde saiu um grupo que organizou outra. Tudo que fazíamos era com o espírito de dar uma bofetada na outra. Da mesma forma o grupo que saiu. A organização de uma igreja batista precisa obedecer a critérios saudáveis para se evitar isto. Se dois grupos não conseguem se entender, estão dando um mau testemunho da fé cristã. E organizarão uma igreja produto de mau testemunho. Muitas igrejas nascem como filhos indesejados, que não puderam ser evitados. Isto é muito ruim. Uma igreja nasce doente, faz a outra ficar doente e espalha a doença para a denominação. Igrejas em competição aceitarão qualquer proposta doutrinária que as faça ter mais gente que as outras. Assim, dentro de uma perspectiva apenas de contar pessoas, transige-se com doutrinas, oferecendo-se o que as pessoas desejam, e não o que devemos ensinar.

(4) Há doenças hereditárias que prendem o organismo a tratamentos, controle e adaptações. É o caso de hemofilia e anemia falciforme. Por isso, precisamos tratar nossas igrejas. O pastor é o terapeuta, o homem que deve diagnosticar as enfermidades de seu rebanho, não apenas em nível de pessoas, mas em nível de grupo. E deve tratá-lo para evitar perpetuação de problemas. Algumas vezes é preciso pagar um preço pessoal alto, sofrendo ou, em ato oposto, abdicando do pastorado, para curar uma enfermidade, principalmente uma conhecida de muitos, a hereditariedade no mando, em que uma família se acostuma a mandar ou manobrar cordéis nos bastidores anos a fio.

(5) Há doenças que surgem quando o corpo é atacado com drogas que o viciam e mudam seu comportamento, como álcool, maconha, crack, cocaína e outras químicas. A igreja hoje é muito atacada por drogas destrutivas, como o mundanismo, a sexificação da vida, a coisificação do homem, e o materialismo grosseiro que molda até a visão eclesiástica de muitos. Há igrejas cujos comportamentos mudaram: elas não existem mais para promover a glória de Deus, mas para promover a si mesmas, seu ministério, seu projeto de vida. Sua perspectiva eclesiológica vale mais que seus pressupostos teológicos. Seus costumes valem mais que a doutrina. E censuram igrejas que valorizam costumes como indumentária e cosmética. Fazem o mesmo. Colocam sua cultura acima da Revelação.

Não alistei aqui doenças de fundo psicológico. Assim é que temos igrejas bipolares, esquizofrênicas, e depressivas. Já basta o que comentei, uma galeria de defeitos.

BEM, E A CURA?

Apresentar defeitos é fácil. Mas a questão fundamental é esta: como promover a saúde doutrinária e espiritual da igreja? Normalmente pensamos em terapêutica. Precisamos pensar também em profilaxia.

Alistaria algumas sugestões, que não são lei dos medos e persas. Mas pelo menos podem ser objeto de consideração.

(1) Esta profilaxia inclui estudos sobre a história dos batistas, sobre a doutrina dos batistas, sobre o funcionamento de nossa denominação. Quando uma pessoa está num grupo, mas ignora o que o grupo tem como retrospecto, pode, com facilidade, deixá-lo. Mas se sabe o passado, o conteúdo e tem noção de vivência, permanece. Temos muitas perturbações doutrinárias porque não imunizamos nossas igrejas, mostrando-lhes quem somos nós. Somos um grupo histórico, com passado respeitável e sério.

(2) A profilaxia e a terapia necessitam de uma dieta saudável, composta de exegese bíblica criteriosa e de louvor não histérico e sadio. Isto traz a nutrição correta do corpo e o leva a ter resistência contra ataques. Devemos nos acautelar contra a idéia disseminada em nosso meio segundo a qual as novas propostas eclesiológicas representam a cura de todas as enfermidades da igreja. Qualquer tipo de eclesiologia pode ser facilmente contaminado por vírus ou bactérias. As igrejas precisam de alimento sólido. Solidez bíblica e vida estruturada sobre oração não podem ser substituídos por nada. Este era o problema de Corinto. Havia dons, havia almoços (como o ágape, que terminava em bebedeira), havia conhecimento de grandes pregadores, e bastante atividade. Mas era uma igreja carnal. Nem mesmo uma dieta a igreja podia fazer podia fazer, pois só podia beber leite. Compete ao pastor ser o homem da Bíblia, o homem da saúde espiritual, o homem que dá rumo saudável à igreja. Ele precisa cuidar de sua saúde espiritual e doutrinária e sinalizar à igreja, com segurança, por onde ela deve andar. O obreiro não pode ser um homem dúbio, doutrinariamente falando. Deve levar em conta que aquelas pessoas o convidaram a pastorear uma igreja que tem um perfil doutrinário. Não é correto trabalhar em bastidores para alterar sua doutrina. Ele produz saúde, cuida da igreja, e não é um vírus oportunista.

(2) A igreja precisa ter uma visão do todo. Ela não existe sozinha, mas faz parte de um grupo. Na sua cidade, no seu estado, no Brasil e no mundo. Isto evita uma doença da visão chamada miopia. Compete ao pastor cultivar uma visão do todo e levar o rebanho a ver que faz parte de um todo. O remédio para se evitar esta miopia espiritual se chama “cooperação”. Há doses anuais, como assembléias convencionais, há doses mensais, como Plano Cooperativo, e há doses eventuais, como ofertas missionárias e participação em projetos denominacionais. Muitas igrejas enfrentam problemas doutrinários por causa da solidão em que vivem. Isto leva alguns crentes a minimizar a igreja batista local. Recordo-me que quando era Presidente da Convenção do Amazonas, fui até a aldeia dos saterês para receber no seio da Convenção a igreja indígena. Eles ficaram encantados quando eu disse que éramos 72 igrejas no estado. E repetiam entre si: “Setenta e duas!”. Deu-lhes uma sensação de pertença, de segurança. Quando uma igreja se isola e quando um pastor se isola, a possibilidade de enfermidades doutrinárias e espirituais é muito grande. Cooperação e envolvimento que produzem a idéia de pertença ajuda a promover saúde. Ajuda muitos os crentes a se manterem firmes numa igreja batista saberem o que ela é, o que ela faz, como ela está presente no mundo. Quando o crente sabe que seu grupo é sólido e sério, tem muito mais motivação para permanecer leal ao grupo do que aventurar-se com exotismos doutrinários e eclesiológicos. Fica firme em sua caminhada porque sabe que não é uma aventura nem um movimento que surgiu por causa do desgosto ou desavença de alguém com seu grupo. Há grupos que cada vez mais se fragmenta. E pastores que a cada ano se deixam envolver com uma doutrina nova, e vivem pulando de credo em credo. Não têm noção do grupo, mas olham apenas para si.

CONCLUSÃO

A saúde espiritual e doutrinária da igreja está bem delineada em Efésios 4.1-16. Paulo fala, inclusive, do corpo bem ajustado. É o corpo saudável. Esta saúde do corpo tem o pastor como elemento ativo. Deus deu pastores às igrejas para que eles promovam a saúde da igreja (v. 11). Você é pastor porque Deus o vocacionou e o deu a uma igreja. Pastor é para promover igreja saudável, firme na Bíblia, firme no temor a Deus, firme nas doutrinas bíblicas. Há pastores doentes. O Dr. José Novaes Paternostro, um santo diácono de Deus, apresentou, certa vez, à Ordem dos Pastores, em S. Paulo, uma palestra intitulada “O pastor: médico ou doente?”. Ele deve ser um médico, mas alguns são médicos doentes. Precisamos ser sadios. Doentes não tratam bem de doentes e acabam passando sua enfermidade para os demais.

Que você, meu colega, seja um agente de saúde doutrinária, espiritual e moral de sua igreja. Que compreenda cada vez mais sua função e cada vez mais seja um promotor do reino de Deus em geral e da igreja local em particular. Que a graça seja com você para isto.

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