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A Noiva Descabelada

  • por

Isaltino Gomes Coelho Filho

A figura de “noiva descabelada” foi usada por um obreiro valioso, falando da necessidade da igreja se santificar. Segundo o colega, Cristo virá buscar sua noiva, mas não uma noiva descabelada.

Mas virá, sim. Ele virá, encontrará e levará consigo uma noiva descabelada. A igreja precisa muito de santidade. Creio que esta é sua maior necessidade. Mas não é a santidade que a levará para morar com Cristo. É a graça dele. Não seremos levados por causa de nossa santidade, mas por causa da graça. Fomos salvos pela graça. Seremos levados pela graça.

A igreja sempre andou descabelada. Nunca foi perfeita. O apóstolo Paulo trabalhava para apresentar a igreja como “virgem pura” a Cristo (2Co 11.2), mas nunca pensou numa igreja perfeita, sem um fio de cabelo fora do lugar. Tanto que alguns serão salvos “como que pelo fogo” (1Co 3.15). Imperfeição sempre foi a marca da igreja. Não nos equivoquemos: somos salvos, mas ainda somos pecadores e ainda pecamos. E ainda pecaremos. Nunca chegaremos à impecabilidade, porque se assim fosse, a graça seria desnecessária. A graça de Deus o faz aceitar descabelados. Não seremos salvos pela perfeição do nosso penteado, mas pela graça de Deus em Jesus Cristo. Salvação é graça e não mérito. Santidade é necessária, mas é a graça que salva. Como disse Petersen, bem humorado: “Nenhuma igreja jamais existiu em estado puro. É composta de pecadores. As pulgas acompanham o cachorro”. E Lutero: “A face da igreja é a face do pecador”.

A carismática Corinto, que tantos buscam imitar, era descabeladíssima. Basta abrir a Bíblia em qualquer trecho das cartas aos coríntios e ver isso. Os gálatas eram descabelados. Os tessalonicenses eram descabelados. A elogiada Filipos tinha seus crentes descabelados (Evódia e Síntique, parece, brigavam por poder na igreja). Ao longo da história a igreja sempre foi descabelada e o será até a volta do Senhor. A igreja local ou denominação que se disser bem penteada, no mínimo estará equivocada.

Receio a ênfase de uma vida cristã pautada pela meritocracia humana. Alguns enfatizam demais o papel do homem na salvação e na santificação. Seu conceito de vida cristã é antropocêntrico. Ou, pelo menos, meritório. Nós não temos méritos, somos pecadores, somos imperfeitos, altamente falíveis. É a graça de Deus que nos mantém de pé. Mas enfatizamos demais os nossos esforços e, por vezes, com isso nos esquecemos dos atos de Deus.

Vejo isto nas declarações de fé, equivocadamente formuladas. Com muita frequência, os crentes dizem “somos salvos pela fé”. Muita gente se orgulha de ter fé: “Eu tenho muita fé!”. E enfatiza a sua capacidade de crer. Somos salvos pela graça. “Pela graça sois salvos, por meio da fé” (Ef 2.8). A fé aceita a graça, mas sem esta, a fé seria inútil. A pessoa poderia ter uma tonelada de fé, mas sem a graça ela nada valeria. O agir de Deus está no início de tudo. “O homem não pode receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu” (Jo 3.27). A graça tem sido esquecida e a fé superenfatizada, em seu detrimento. Assim, o antropocentrismo da igreja evangélica se acentua cada vez mais. E os homens brilham mais que Deus. Meu filho fez uma observação sobre as igrejas que adotam nomes que ele julga estranhos: “Igreja do Poder”, “Igreja dos Sinais”, “Igreja dos Homens e Mulheres de Fé Poderosa”. Disse que nenhuma adotou um título assim: “Igreja dos Pecadores Miseráveis Salvos Pela Graça”. Os títulos adotados alardeiam o poder dos homens, sua bondade, sua espiritualidade, sua santidade. Eles são renovados, avivados, vivos, do poder. Enaltecem-se a si e não a bondade e a misericórdia de Deus.

Precisamos resgatar o lugar de Deus na teologia e na vida cristã. A origem de toda a vida cristã está nele, e a consecução da vida cristã está nele. “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar” (Fp 2.13). Ele é o Alfa e Ômega (Ap 1.8).

Somos descabelados, sim. E nunca nos pentearemos. Eu, particularmente, sou um descabelado. Tanto literalmente, porque os cabelos insistem em cair sobre a testa (é melhor que não tê-los) como espiritualmente. Mas Deus nos penteia. Pela sua graça. Busquemos a santidade, mas sem esquecermos a graça. Cuidado! Não calquemos a espiritualidade no mérito próprio nem fora dos seguros alicerces da graça.

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