Isaltino Gomes Coelho Filho
Definir um evangélico é, hoje, problemático. Cada grupo alardeia sua superioridade ou sua “diferencialidade”. Para uns, um bom evangélico possui determinados dons. Para outros, conhece doutrinas e sabe manusear a Bíblia para refutar os demais, os “hereges”. Há os que têm uma cultura de gueto: mulher não cortar cabelos nem usar cosméticos, e a indefectível gravata masculina. Em outras mentes, um evangélico é um “sarado” e possuidor de bens materiais. A teologia da prosperidade cristianizou o consumismo, o que se vê em declarações como “Deus prometeu deixar todos nós ricos”. Ai dos mártires e pobres!
Crer na Bíblia como Palavra de Deus é um parâmetro insuficiente. Mórmons e testemunhas de Jeová crêem. Todas as seitas exóticas têm o mesmo discurso. E algumas são enfáticas: a Bíblia somente. Um somente explicado pelo grupo. O discurso institucional triunfa, em muitos segmentos, sobre o ensino bíblico. São os óculos pelos quais se lê a Bíblia.
Uma marca necessária para os evangélicos exibirmos é a ética. Há gente sem compromisso com Cristo e com valores éticos. Questão de berço. Recebeu valores sadios dos pais. Nem sempre o “não crente” é devasso. As piores pessoas, conheci-as na igreja, não no bar que meu pai possuía na minha adolescência. Mas é inviável um evangélico sem caráter sadio. Alarido e liturgia expansiva, sinais e prodígios, aleluias, não provam caráter cristão. Disse Jesus: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi claramente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mt 7.21-23). É possível profetizar e operar milagres usando o nome de Cristo e viver na iniquidade, ser um perdido!
“Iniquidade” é o grego anomía, “uma desobediência e desrespeito à lei, especialmente à lei divina” (Taylor). Pode se ser muito “igrejeiro”, com religiosidade exibicionista, e desobedecer a lei divina. Por isso o caráter faz a diferença. O cristão é chamado para viver nas obras que Deus lhe preparou (Ef 2.10) e a prática dessas obras prova sua salvação. “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.16).
A etimologia nos esclarece. “Ética” vem do grego ethos, “costume, hábito”. Os costumes e os hábitos do cristão mostram quem ele é. Se vive com o Senhor, assimilou o caráter de Deus na sua vida. E o mostra, numa vida sadia. Tiago chama isto de “mostrar a fé pelas obras” (Tg 2.18).
A igreja contemporânea é forte no culto. O “sermãozinho” antes de alguns cânticos parece indicar que a coisa mais importante da vida é cantar num culto. Lembremos de Saul que recebeu uma ordem: aniquilar os amalequitas, nada lhes tomando. Tomou muito. Questionado por Samuel, culpou a “voz rouca das ruas” : “o povo guardou o melhor das ovelhas e dos bois, para os oferecer ao Senhor teu Deus” (1Sm 15.15). Samuel foi firme: “… Tem, porventura, o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à voz do Senhor? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, do que a gordura de carneiros”. Para o sacerdote Samuel, homem do culto, conduta vale mais que adoração. Deus espera conduta.
Lembremos de Isaías: “Aprendei a fazer o bem; buscai a justiça, acabai com opressão, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva” (Is 1.17). Aí o povo poderia pedir perdão, que Deus concederia. E eis a liturgia pedida: “Acaso não é este o jejum que escolhi? que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo? e que deixes ir livres os oprimidos, e despedaces todo jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desamparados? que vendo o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne?” (Is 55.6-7). Deus pede ética social, também.
Fé não se mostra em decibéis, chavões ou gestos, mas na vida. Esta deve brilhar. Nossas igrejas e instituições precisam de ética. Para mostrar a sua fé ao mundo.