Isaltino Gomes Coelho Filho
Em preleção no Colgate-Rochester Divinity School, depois posta em livro, o pensador Manson cotejou os modos de pensar grego e hebreu. Ao falar da A República, de Platão, Manson mostrou haver insensibilidade para com os inferiores, pois a sociedade acaba dividida em rÃgido sistema de castas. Renato Pompeu de Toledo, no Jornal da Tarde, de 2.6.97, escreveu: “Num de seus (Platão) primeiros diálogos, sobre a Amizade, se defende a tese de que o escravo deve ter muito menos direitos do que um ser humano livre. No diálogo sobre as Leis, no livro 6º, o Ateniense, pela boca de quem Platão fala, afirma que “os escravos serão mais facilmente mantidos em sujeição” se se reunirem numa mesma propriedade e num mesmo Estado escravos que falem diferentes lÃnguas e assim não possam comunicar-se entre si. No livro 8º, o Ateniense simplesmente afirma: “Se um escravo pegar qualquer fruta sem o consentimento do proprietário do terreno, ele será espancado com tantos golpes quanto houver de bagos de uvas no cacho, ou figos na figueiraâ€.
Voltando a Manson sobre Platão: “Não há compaixão dispensada aos prejudicados: o trabalho deles é cortar madeira e puxar água para que o sistema possa prosseguir eficientemente. Não há esforço em se afirmar os princÃpios da liberdade, igualdade e fraternidade. Não há declaração do infinito valor da alma humana individual†(Ética e Evangelho, p. 14). Tem razão. Foi a noção do valor intrÃnseco do ser humano, independente de sua situação social ou cultural, própria da cultura bÃblica, que marcou nossa civilização. A preocupação dos profetas com os carentes e a visão da igreja cristã em ajudá-los produziu isto: “Da multidão dos que criam, era um só o coração e uma só a alma, e ninguém dizia que coisa alguma das que possuÃa era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns. Com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois não havia entre eles necessitado algum; porque todos os que possuÃam terras ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que vendiam e o depositavam aos pés dos apóstolos. E se repartia a qualquer um que tivesse necessidade†(At 4.32-35). Isto só brota onde há uma consciência muito forte de solidariedade humana e valor do próximo.
Manson mostra a diferença. Um ateniense considerava o outro como concidadão. Ambos eram partidários da mesma cidade. O hebraico não tem uma palavra para concidadão. A afinidade de um hebreu para com o outro se mostrava pelos termos rê’a, “vizinhoâ€, e ‘âh, “irmãoâ€. O outro é um próximo ou um irmão. Quando Ananias encontrou Saulo, na rua Direita, mesmo temendo-o como perseguidor dos cristãos, chamou-o de “irmão†(At 9.17). Um cristão deve ver o outro como seu próximo e não apenas alguém da mesma cidadania (ou etnia). O da sua fé é um irmão e não apenas co-beligerante pela mesma idéia.
Pela BÃblia, os homens estão em interação pessoal. O outro não é um estranho nem o inferno, como na peça de Sartre. Mesmo diferente, é o próximo. É irmão. Todos os homens vêm da mesma matriz, pois Deus “de um só fez todas as raças dos homens†(At 17.26). Pelo monogenismo de Paulo, todos os homens são irmãos. Hoje, “irmãoâ€, é tÃtulo de nobreza (uso inadequado). Ou pronome de tratamento: “O irmão não presta!†(uso hipócrita).
Os cristãos precisam se ver como irmãos. Pensar ou ter postura cultural diferente, entre nós, é perigoso. O diferente é “herege†ou “perdidoâ€. Alguns pensam ter o copyright do EspÃrito ou da verdade. A competição vence a fraternidade e a solidariedade perde para o gueto. É a mente grega, voltada para idéias. Diferente da bÃblica, voltada para Deus. Há gente que ama idéias, confundindo-as com Deus. O individualismo idealista grego triunfa sobre a fraternidade judaico-cristã. Assim, a força evangélica no Brasil perde impacto porque questões de grupo soam mais alto que o nome de Jesus. Vive-se mais a denominação ou a instituição (a idéia) que Jesus Cristo.
Eis a questão, bem séria: mais Cristo, menos idéia; mais pessoas, menos conceitos; mais fraternidade, menos mesquinharia. Porque na BÃblia o homem está em socialidade e solidariedade.