Preparado e apresentado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
aos casais da Igreja Batista do Natal, Natal, RN, 17.8.9
INTRODUÇÃO
Vida espiritual do casal. O que significa isto? Irem os dois juntos à igreja? Realizarem o culto doméstico? Fazerem uma oração rápida na hora da refeição? Nossa mente logo se direciona para atos de espiritualidade, mas gostaria de lhes pedir atenção para outra linha: atitudes que o casal deve tomar. Os atos isolados ou especÃficos devem refletir uma atitude Ãntima tomada pelo casal, e é desta atitude que quero lhes falar nesta ocasião. As atitudes definirão os atos e lhes darão valor. Alistarei apenas quatro, mas que nortearão nossa conversa.
1. PRIMEIRA ATITUDE: CONSCIÊNCIA DA AUTORIDADE DIVINA
A primeira atitude a tomar é o reconhecimento de ambos que estão sob a autoridade divina. Sei que “autoridade†é uma palavra maldita em nosso momento cultural. Associa-se, indevidamente, com opressão. Por causa disso, além da excessiva ênfase que nossa cultura dá no “euâ€, ninguém quer se submeter e todos querem exercer autoridade. Mas eu falo da autoridade divina. O casal crente precisa ter a consciência de que está debaixo da autoridade divina. Ou seja, há alguém acima dos dois. Há alguém que cuida, sim, mas esse alguém cuidador julga e estabelece critérios para os relacionamentos. Não é papai Noel, mas o Senhor Deus.
Parece tão óbvio, mas é tão esquecido! Poucos casais param e se perguntam, em momentos de decisão e em momentos de crise relacionais, qual é a vontade de Deus para eles. “O que Deus quer de nós, como casal cristão?†ou “O que Deus espera de nosso lar?â€. Ou, ainda, “Como Deus deseja que procedamos nesta circunstância?â€. Parece que temos um Deus para nos atender em caprichos e nos socorrer em aflições, mas não o vemos como Senhor de nossa vida e de nosso lar. E muitas decisões são tomadas no lar sem a consulta a Deus.
“Isto agrada a Deus?â€Â é uma pergunta fácil de se fazer, mas bastante incômoda. Por isso não é formulada mais vezes. A forma como criamos os filhos agrada a Deus? Não é se está de acordo com as modernas orientações das colunas psicológicas da Internet, mas se está de acordo com aquilo que sabemos ser a vontade de Deus, expressa em sua Palavra. Aliás, vontade de Deus está em desuso em nosso meio. O tal de “decretar†e de “declarar†tem nos tornado em deuses e tornado Deus o nosso funcionário prestativo, que tem prazer em fazer a nossa vontade. Deus tem deixado de ser nosso Senhor e paramos de perguntar o que ele quer de nós, e tem se tornado nosso servo e ouvido o que queremos dele. Inclusive na vida doméstica.
Para se colocar sob a autoridade divina e buscá-la sem fardo e com alegria, o casal precisa nutrir a consciência de que o lar cristão é firmado sobre o Senhor, é constituÃdo para o Senhor e é propriedade do Senhor. Ele está sempre presente nos planos e aspirações do casal. Está presente nos projetos e no orçamento financeiro. No modo de nos tratarmos um ao outro, porque raciocinaremos nos seguintes termos: “Isto aqui é de Deus e eu tenho uma parte a cumprir para dê certo. E prestarei contas a Deus pela maneira que procedo em minha casaâ€.
Precisamos tirar a vida cristã do âmbito do culto e entender que ela molda e rege toda a nossa vida. Principalmente o lar. Por isso, o casal crente precisa reconhecer que está sob a autoridade de Deus. E que seu lar é de Deus.
2. SEGUNDA ATITUDE: A CONSCIÊNCIA DE AUTORIDADE DA IGREJA
A igreja é de Cristo, é amada por ele, que deu sua vida por ela, e é valiosa aos olhos do Senhor. Mas é menosprezada por muitos crentes. Como há crentes falando mal da igreja! E muitos têm uma visão utilitária e funcional dela! Em que a igreja pode nos servir? Qual igreja oferece o melhor programa, ou tem os maiores atrativos para nos deixar entretidos? Qual permitirá mais desenvolvimento aos nossos filhos? Onde encontraremos uma que tenha estacionamento próprio e não precisaremos deixar o carro na rua? Qual tem os bancos mais confortáveis?
A igreja é o corpo de Cristo. Inclusive a igreja local. Paulo disse isso da igreja dos corÃntios, que ela era o corpo de Cristo. Não podemos ter uma visão da igreja meramente institucional, mas sim uma visão teológica e espiritual. Nela somos inseridos na vida de outras pessoas, que são nossas irmãs na fé, somos colocados dentro do propósito de Deus não apenas para nossa vida, mas para o mundo. E é onde temos a oportunidade desenvolver nossa famÃlia.
Temos vÃnculos com ela, somos responsáveis por ela, estamos sob a autoridade dela. O casal precisa ver a igreja como o espaço em que Deus o colocou para viverem em grupo, cultivarem amizade, serem ajudados, servirem ao Senhor e aos outros. É mais que freqüentar cultos. É entender que há uma instituição de origem divina que foi onde Deus os colocou e onde viverão experiências em comum. É triste ver marido ou apenas mulher na igreja. É triste não ver os dois juntos. Mas que alegria ver uma famÃlia chegar de mãos dadas, BÃblias nas mãos, louvar a Deus juntos, fazer propósitos de serviço juntos, ser benção juntos. É lindo ver um casal vir à frente reconsagrar a vida ou trazer os dÃzimos! Nos cultos de oração, ver os dois, juntos, ajoelhando-se para orar. Isto é se colocar sob a autoridade da igreja, sua autoridade espiritual.
É preciso colocar-se também sob a autoridade institucional da igreja. Amá-la, inserir-se na sua programação, mostrar aos filhos, com a vida, que a igreja lhes é importante.
Ame sua igreja, casal crente! Se vocês têm o hábito de se queixar e falar mal da igreja, será que não é mais uma atitude pecaminosa de vocês que uma montoeira de falhas dos crentes? Será que há tantos imprestáveis lá e que vocês são os certinhos? Vejam-na como bênção divina, onde vocês crescerão juntos e onde criarão filhos juntos. O casal cristão insere a igreja em sua vida e faz do seu lar uma igreja. Que bela a expressão de Paulo sobre o casal Aqüila e Priscila: “As igrejas da Ãsia vos saúdam. Saúdam-vos afetuosamente no Senhor Aqüila e Prisca, com a igreja que está em sua casa†(1Co 16.19). Quando um casal ama a igreja, vive a igreja, tem relacionamento sincero com ela, como casal, não é difÃcil ter uma igreja em casa.
3. TERCEIRA ATITUDE: AUTORIDADE MÚTUA
O princÃpio está em 1CorÃntios 7.4: “A mulher não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim o marido; e também da mesma sorte o marido não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim a mulherâ€. Não discutirei a questão de sexo, mas o princÃpio: um tem autoridade sobre o outro. O casamento nos coloca um sob a autoridade do outro. O marido está também debaixo da autoridade da esposa. Não tem vida independente dela, e deve satisfações sobre sua conduta, sobre aonde vai e o que faz.
Muitos homens gostam muito de lembrar que o homem é a cabeça da mulher. O grego é kephalê, que não significa apenas quem manda, mas quem nutre. É a mesma palavra usada na literatura grega secular para um rio afluente do outro, que o faz crescer e ter mais vida. O belo rio Negro é afluente do Amazonas (ou, se preferirem, Solimões). Ele o faz ser mais caudaloso e mais volumoso. O marido é responsável por fortalecer a esposa. Ele não manda nela, mas deságua nela, para torná-la mais vistosa. Ele é lÃder para puxar para cima, para dar perspectiva, mais que mando.
É oportuno lembrar 1Pedro 3.7: “Igualmente vós, maridos, vivei com elas com entendimento, dando honra à mulher, como vaso mais frágil, e como sendo elas herdeiras convosco da graça da vida, para que não sejam impedidas as vossas oraçõesâ€. É significativo que Pedro diga que se o marido não honra a esposa e não cuida dele (e aqui o cuidado é mais emocional que financeiro) as orações ficam impedidas. Ele faz uma conexão entre relacionamento conjugal e espiritualidade. Um bom relacionamento conjugal produz melhor espiritualidade. Um mau relacionamento conjugal prejudica a espiritualidade.
Nós, homens, fomos acostumados ao discurso, inclusive da igreja, de que somos os “mandõesâ€, mas somos os responsáveis pelo ambiente do lar. A honra e o respeito que dispensamos à s nossas esposas influem até na qualidade espiritual do lar. Orar e ler a BÃblia, realizar culto doméstico, mas não cultivar bom relacionamento pessoal é um tanto estranho. Os dois, o trato pessoal e a comunhão com Deus, caminham juntos. Nós, homens, também estamos sob autoridade no lar. Sob a autoridade de Deus e sob a autoridade da esposa. Nós devemos alguma coisa à mulher com quem nos casamos. Ela não é nossa empregada doméstica. É alguém a quem devemos honra. Somos responsáveis por ela, diante de Deus. E, ao mesmo tempo, estamos sob a autoridade dele e ela está sob a nossa, e ambos estamos debaixo da autoridade de Deus.
4. QUARTA ATITUDE: A VIDA ESPIRITUAL PROPRIAMENTE DITA
A verdadeira espiritualidade considera um relacionamento correto diante de Deus e diante das pessoas. E a espiritualidade do casal considera um relacionamento correto dos dois diante de Deus e entre si. O casal cristão precisa nutrir a consciência da direção e da presença divina no lar. Precisa ver seu lar como sendo propriedade do Senhor.
Aqui há um agir duplo. O marido é o sacerdote do lar, como Jó era (Jó 1.6). Ele acordava de madrugada e intercedia pelos filhos. Mais que sultão, o marido é o intercessor da famÃlia, aquele que ora pela esposa, ao invés de se queixar dela. Aquele que ora pelos filhos, ao invés de apenas dar-lhes broncas. O marido cristão dobra os joelhos para pedir pela esposa e filhos.
A mulher é o fiel da balança. Na realidade, são as mulheres que dão o tom da vida e o rumo a seguir no lar. As muitas admoestações de Provérbios sobre a mulher mostram isso. Uma mulher levanta ou derruba um homem. Ela o muda, para pior ou para melhor. Ela é que comanda, nos bastidores. Sua influência, seu jeito, sua postura fazem as coisas acontecer. Se ela tem equilÃbrio espiritual, tudo se ajusta. Tenho observado isto: se o marido não é ajuizado, mas a mulher é e mostra isto aos filhos e é terna e amorosa, as coisas podem ser salvas. Mas se a mulher é desajuizada, não há marido que ajude os filhos ou salve o lar. Não é apenas o marido que não é nada sem a mulher. Os filhos também não são. O lar, como um todo, também não é. Se o homem é o sacerdote do lar, a mulher é o fiel da balança.
Ele é a fonte de equilÃbrio e ela, o manual de equilÃbrio. E quando os dois têm consciência de que são do Senhor e ambos mantêm o lar nos caminhos do Senhor, tudo flui bem. A espiritualidade do casal inclui a consciência de que construÃram um lar para Deus.
CONCLUSÃO
A espiritualidade do casal é mais que atos e liturgia. São atitudes que se resumem a uma consciência: “Somos cristãos, somos de Cristo, existimos para Cristoâ€.
Quero voltar a Ãqüila e Priscila. Paulo os conheceu em Corinto: “E encontrando um judeu por nome Ãqüila, natural do Ponto, que pouco antes viera da Itália, e Priscila, sua mulher (porque Cláudio tinha decretado que todos os judeus saÃssem de Roma), foi ter com eles, e, por ser do mesmo ofÃcio, com eles morava, e juntos trabalhavam; pois eram, por ofÃcio, fabricantes de tendasâ€. Eles acolheram o missionário, tanto no seu espaço profissional como na sua casa. Eles hospedavam missionários.
Em Atos 18.18, o casal deixa de hospedar missionários e se torna missionário: “Paulo, tendo ficado ali ainda muitos dias, despediu-se dos irmãos e navegou para a SÃria, e com ele Priscila e Ãqüila, havendo rapado a cabeça em Cencréia, porque tinha votoâ€. A espiritualidade o casal cresceu. Não lhes bastava hospedar gente que fazia missões. O casal foi fazer missões.
Por fim, em Romanos 16.3-5, Paulo dá uma sÃntese da espiritualidade do casal: “Saudai a Prisca e a Ãqüila, meus cooperadores em Cristo Jesus, os quais pela minha vida expuseram as suas cabeças; o que não só eu lhes agradeço, mas também todas as igrejas dos gentios. Saudai também a igreja que está na casa delesâ€. Ele agora coloca o nome dela em primeiro lugar (o que Lucas já fizera em Atos 18.18), chama-a pelo nome (Prisca era o nome e Priscila o diminutivo), agradece ao casal porque se expôs por ele, e diz que o casal hospedava, agora, não um missionário, mas a igreja toda.
Parece que Priscila era mais lÃder que o esposo, mas não há indÃcios de que isto tivesse sido causa de desconforto. O EspÃrito Santo registrou assim, nos escritos sagrados: o nome dela antes do nome dele. Lucas e Paulo respeitam o casal e reconhecem, inclusive, a liderança de Priscila. Afinal, colocar o nome da esposa antes do nome do esposo era bastante incomum e impróprio.
Aqui está o modelo de casal cristão. Crescendo cada vez mais no serviço ao Senhor. E sendo uma só cabeça e um só coração. No trato com Deus, no trato com o seu reino e no trato com a igreja de Deus. Isto é espiritualidade de um casal cristão. Que seja um modelo para nós.