Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho, para os jovens da Igreja Batista do Bom Retiro, em Ipatinga, MG, e apresentado em 12.12.9
O tema é oportuno porque os jovens são uma força na vida da igreja, mas desmobilizada. Sua energia está sendo canalizada para o louvor, que muitas vezes é mero entretenimento, e não para o testemunho transformador da sociedade. Por isso, santificação é um tema extremamente necessário de se abordar.
Jovens cristãos devem ser santos sempre, e em qualquer cultura. O Novo Testamento faz apenas uma referência a eles. Está em 1João 2.14, e alude, em termos gerais, à santidade, embora não a citando: “(…) Eu vos escrevi, jovens, porque sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós, e já vencestes o Maligno”. Os jovens do tempo de João eram fortes, tinham a palavra de Deus permanente neles e venciam o Maligno. Isto é resultado de uma vida santificada. Não sei de quantos jovens se diria isto hoje.
Santidade é vital para a igreja hoje. No escândalo de corrupção no Distrito Federal, uma deputada evangélica aparece em uma das gravações embolsando sua propina e saindo lampeira da sala. Até uma oração de gratidão feita por um evangélico, agradecendo o dinheiro desonesto foi gravada e revelada. Muito triste! A igreja perdeu o rumo porque perdeu os valores, perdeu a Bíblia, perdeu a teologia sadia e vive em função de prosperidade e de louvor, entendido como festa. Acabou perdendo a identidade, e vive como o mundo. O estado da igreja é deplorável, e só ela não vê. Ando perplexo com a falta de rumo de igrejas inteiras, de pastores, de dirigentes de culto. Serei honesto: tenho vergonha do nome “evangélico”. A igreja evangélica é mundana. E mundanismo não é beber, fumar, rapaz usar brinco. É ter a cultura do mundo. Em boa parte das vezes, não há diferença entre a maneira como crentes e incrédulos vivem. Muitos membros de igreja não sabem o que é ser igreja, nem a sua responsabilidade como cristãos. Para eles, vida cristã é ir a um prédio e cantar corinhos sob o som absurdamente alto de alguns instrumentos, e voltar para casa. Nós não marcamos o mundo. Não deixamos diretrizes para o mundo, com nossa conduta. Não temos um viver que apaixone o mundo pelo nosso estilo de vida.
Não varro as coisas para baixo do tapete. Todas as vezes que o nome “evangélico” aparece na mídia está ligado a um escândalo. Nunca antes, na história deste país, houve uma corrupção tão cínica. E os evangélicos também têm sido corruptos. Já fomos tidos como gente séria. Hoje, não. O nome que se levou mais de um século sendo construído com dificuldade foi jogado na lama. Precisamos de gente séria, honesta, íntegra, mais interessada em viver o evangelho e servir a Deus do que ser abençoada e prosperar. Precisamos mais de servos que de adoradores. Cultos barulhentos não significam espiritualidade, e mascaram a doença da igreja.
Talvez eu desagrade, mas não me preocupo em agradar e fidelizar clientela. A igreja evangélica no Brasil está doente. Precisa de um tratamento sério, que começa com consciência de pecado, arrependimento, confissão e pedido de perdão. Aí será santa. A igreja precisa chorar seus pecados, antes de celebrar.
Serei fiel ao tema. Falei do estado espiritual da igreja porque precisamos de santificação e está na hora dos jovens terem uma postura mais envolvente com a igreja, não só em louvor, que tem sido sua reserva de mercado dos jovens, ao seu estilo musical, e pensarem em levantar a igreja do estado espiritual em que ela se encontra. Mas trato agora das marcas mais notáveis da cultura pós-moderna, para nos situarmos melhor. Depois ajuntarei as pontas.
PÓS-MODERNIDADE, O QUE É ISSO?
Pós-modernidade é uma atitude intelectual que se expressa numa série de expressões culturais que negam os ideais, princípios e valores que constituem o suporte da cultura ocidental moderna. É a época em que vivemos, um modismo, mas é o que rege nossa cultura.
AS MARCAS DA CULTURA MODERNA, A NOSSA ÉPOCA
Mas nós somos modernos. Conheçamos um pouco da modernidade, o contexto em que ainda vivemos. Perguntará alguém: “Se a modernidade está cedendo lugar à pós-modernidade, por que gastar tempo com ela?”. Porque é o ambiente em que fomos educados. Segundo, porque é a nossa visão. Terceiro, porque a pós-modernidade é uma reação a ela e se conhece bem a reação quando se conhece a ação. Quarto, porque a pós-modernidade é um modismo cultural.
A modernidade é produto de quatro revoluções1: científica, política, cultural e a técnica. Podem ser fundidas na análise, comentando juntas a científico e a técnica.
A revolução científico-técnica mudou a vida do homem. O homem primitivo sacralizava a natureza (como a umbanda faz). Havia uma divindade para cada fenômeno cósmico e geológico, como chuva, seca, eclipse, terremoto. Era um mundo fatalista. Guilherme de Ockham (c. de 1350) foi quem criou grande desconfiança em relação às verdades de seu tempo e acendeu o estopim para o deslanche do conhecimento humano.
O Renascimento redescobriu as culturas grega e romana e deu Ocidente as condições de valorização do homem, tornando-o o centro do mundo. A Igreja, que detinha o poder e o saber, começou a ser questionada e a capacidade humana começou a ser afirmada. Era o cansaço com o fatalismo medieval. Galileu Galilei (c. de 1540) ampliou a questão. Ele desafiou o conhecimento anterior, firmemente estabelecido, ao negar que duas bolas de peso diferente cairiam em velocidades diferentes2. Segundo ele, cairiam juntas, ao mesmo tempo. Parece uma questão banal, aparentemente irrelevante. Mas, segundo Whitehead, “desde o nascimento de Cristo, jamais tão grande coisa produziu tão pequeno ruído” 3. Subindo ao alto da Torre de Pisa, ele lançou duas bolas de pesos diferentes e elas caíram juntas. Banal, não é? Mas esta atitude é tida como o início do pensamento científico: Don´t tell me; show me (“Não me diga, mostre-me”). Não é que o se diz, mas o que se pode provar. Antes dele, a autoridade não era questionada. Ele questionou o saber constituído e criou a cultura moderna, a cultura em que a verdade não é questão de autoridade, mas de comprovação. Com esta atitude de Galileu nasce a modernidade: não é o que a Igreja ou Aristóteles (cuja autoridade era indiscutível) diziam, mas o que se pode provar. Para se entender isto, veja um trecho de livro de Umberto Eco, com as palavras do Pe. Emanuele, numa criação do autor, mostrando o choque entre a Igreja e Galileu:
Já deves ter ouvido falar daquele Astrônomo florentino que para explicar o Universo usou o telescópio, hypérbole dos olhos, e com o telescópio viu aquilo que os olhos somente imaginavam. Tenho em alta conta os Instrumentos Mechanicos usados para entender, como se costuma dizer hoje, a Cousa Extensa. Mas, pra entender a Cousa Pensante ou a nossa maneira de conhecer o Mundo, não podemos senão usar outro telescópio, o mesmo já utilizado por Aristóteles, e que não é tubo nem lente, mas Trama de Palavras, Idéia Perspicaz, porque é apenas o dom da Artificiosa Eloquência, que nos permite entender este Universo 4.
A mente do pré-moderno era condicionada pelo peso da autoridade. Quando Galileu disse que o Sol tinha manchas, isto causou uma grande celeuma. O Sol não podia ter manchas. Era o astro-rei, um símbolo de Cristo. Um padre, escrevendo a outro, comentou: “Não se preocupe, isto não é verdade. Li Aristóteles todo, por três vezes, ele não faz referências alguma a manchas no Sol”. O mundo pré-moderno era dominado pelo obscurantismo. Não se podia pensar, mas apenas repetir o que já fora dito. O homem moderno crê no que se pode provar, não no que se alega. Esta é a nossa cultura, a das provas, a das evidências. Esta é a revolução científica: crer no que se pode provar. Mais uma vez, cito Kilpatrick:
Se o mundo moderno possui alguma superioridade, não é graças ao poder da dialética, mas sim ao princípio que Galileu introduziu ao demonstrar que o pensamento, para ser aceitável, precisa ser comprovado em suas consequências práticas 5.
A ciência pede provas. A autoridade como ponto final de argumentação morreu. A Ciência deixou de ser subordinada à Filosofia e ficou subordinada à Matemática e à Física. Tornou-se precisa e não mais especulativa, e autônoma da Igreja. Lembrem do filme “O Nome da Rosa”, da obra do mesmo nome de Umberto Eco. O discurso do bibliotecário Jorge, após se desencadear o processo de inquisição no convento, é claro: a função do convento é reproduzir a cultura existente e não pesquisar e descobrir coisas novas. A crítica contra William de Baskerville, interpretado por Sean Connery, é por ele não aceitar a autoridade do inquisidor, estando este errado. William está certo, mas deve ceder diante da autoridade do inquisidor. Naquela cultura, a autoridade triunfava sobre a verdade. Esta foi a cultura pré-científica, pré-iluminista e pré-Galileu.
A revolução industrial mudou os hábitos humanos para sempre. A máquina começou a substituir o homem. A produção deixou de ser em nível de subsistência e se tornou objeto de consumo. Surgiram o capitalismo e a burguesia. O feudalismo começou a declinar. O lucro se tornou o alvo maior da vida. Surgiu a idéia da propriedade privada, substituindo a idéia de que o Estado e a Igreja eram senhores da terra e da vida das pessoas. O quantitativo, o mensurável, o que pode ser expresso em linguagem matemática tornaram-se o fundamental no trabalho e na vida. O conhecimento tornou-se avaliado em termos de utilidade. Até as pesquisas científicas são medidas em termo de lucro. A pergunta não é mais a do saber descompromissado, “o que é?”, mas sim a do saber utilitário “para que serve?” e “quanto rende?”.
A tecnologia voltou-se para a microeletrônica e começou a corrida para superar os adversários. A robotização elimina empregos e o mercado mundial se tornou dominado por grandes conglomerados econômicos.
A revolução cultural foi gerada pelo Iluminismo, que Kant definiu como “a maturidade da humanidade”. A razão humana era a nossa faculdade mais importante. O Iluminismo surgiu, como diz Valle, “em torno da idéia de progresso da humanidade através do uso da razão, ou mais exatamente, da razão empírico-analítica” 6. Ou seja, como produto do pensamento de Galileu e de Newton. E produziu o “século das luzes”. É preciso falar um pouco do Iluminismo. Vamos defini-lo:
Foi um movimento político, cultural e filosófico. Autores iluministas, como Voltaire, Diderot, Rousseau e Montesquieu defendiam a lógica e o raciocínio como base do conhecimento da natureza, do progresso e da compreensão entre os homens… A ciência ocupava-se em desvendar os mistérios do mundo. Aplicando-se o raciocínio e à lógica, qualquer desses mistérios acabava por vir à luz. Veio daí a denominação Século das Luzes, como ficou conhecido esse período 7 .
Sua crença, bastante ingênua, era de que o conhecimento é exato, objetivo e intrinsecamente bom. O progresso era inevitável e a ciência e a educação nos trariam o milênio. Isto seria a redenção da humanidade. Victor Hugo assim se expressou: “O homem pode dizer sem mentira: reconquisto o Éden e termino a Torre de Babel. Nada existe sem mim. A natureza não faz mais que ensaiar e eu termino a obra. Terra: eu sou teu rei.” 8
O Renascimento descobriu valores culturais e o Iluminismo os divulgou. O homem se tornou senhor do mundo. Sua bondade inerente foi estabelecida. O progresso se alastrou, e a educação e a ciência se tornaram mais comuns, o que explica esta visão romântica. Caminhávamos para o paraíso terreno. O Iluminismo e o newtonianismo criaram uma visão mecanicista do mundo, que passou a ser visto como um relógio, explicado pela Matemática: as leis do universo podiam ser observadas e entendidas. O mundo podia ser compreendido e explicado pela Matemática, por leis fixas e imutáveis. Nesta interpretação cultural, Deus se tornou o Relojoeiro que deu corda ao mundo e se ausentou. Mais tarde, o Relojoeiro passou a ser desnecessário. O relógio podia ser bem administrado pelos seus usuários e ele mesmo passou a ser explicado como um acaso, produto das leis naturais.
O saber se tornou fragmentado, surgindo a especialização. A Medicina é um exemplo. O clínico geral cede cada vez mais espaço para o oftalmologista, o pneumatologista, o ortopedista que cuida do pé direito e o ortopedista que cuida do pé esquerdo. Na área social também sucedeu algo semelhante: ter uma visão global do mundo se tornou cada vez mais difícil. Com isso, o mundo se tornou mais complexo e ininteligível, em seu aspecto não físico. Mas conferiu uma aura de especialista infalível ao homem das ciências. O homem de ciências passa a fazer afirmações teológicas, sem qualquer lastro filosófico. Antigamente o homem vestido de preto, o sacerdote, era respeitado por deter o poder. Hoje é o homem de avental branco. Ele sabe e os outros não sabem. A Teologia e o saber filosófico se tornaram irrelevantes, cedendo lugar para a técnica e passamos a ter um mundo cada vez mais sem alma e sem sensibilidade.
A modernidade compreende o processo de secularização da cultura ocidental (a cultura oriental está engessada há séculos). A pós-modernidade é o abandono da própria cultura. O que vale é o agora. O traço mais forte da modernidade era a crença de que o mundo e o homem poderiam ser explicados pela razão. A pós-modernidade tem como traço mais forte o desinteresse em explicar tanto o homem como o mundo. Viva a vida!
Nossa época é produto de uma série de acontecimentos históricos que se conjugaram e a produziram. Quais as consequências disso? A revolução industrial trouxe benefícios incalculáveis, como a popularização de bens de consumo, mas trouxe alguns problemas muito sérios que nos afetam. Entre eles podemos citar:
1o.) O lucro como motor essencial do progresso – Há aspectos positivos aqui, mas os negativos avultam. O valor de qualquer bem, investimento ou produto é medido pelo lucro. Isso desumanizou nossa época. As pessoas não são o valor último. Veja-se o caso dos planos de saúde, que cobram taxas elevadas, mas enchem os contratos de cláusulas-armadilhas que ludibriam o consumidor. Se o que o cliente precisa trouxer prejuízo para a empresa de saúde, ele vai ficar na mão. A Ciência mesma ficou presa do lucro, muitas vezes. Disse-me um amigo, professor em universidades de Odontologia, inclusive do Exterior, em uma conversa sobre vacina contra a cárie, que esta não seria interessante, do ponto de vista econômico. Que, se viesse a ser descoberta, seria mais interessante que fosse descartada. Vinte anos atrás, outro amigo, profissional da área petrolífera, comentou que já havia um substituto para o petróleo, em forma de pastilha que se dissolveria em um recipiente, produzindo um gás que funcionaria como combustível, mas que o projeto fora engavetado. O que aconteceria com as companhias petrolíferas, com os milhões em ações, com os países produtores de petróleo e que vivem apenas de sua venda? O que aconteceria no Oriente Médio, que já é um caldeirão turbulento?
2o.) A concorrência passou a ser a lei suprema da economia – Isto é bom porque estabelece o domínio da competência. Mas trouxe problemas. Uma espécie de canibalismo econômico se estabeleceu nas relações empresariais. A cooperação visando o bem comum da humanidade é uma utopia. O homem não é mais o fim da ciência ou da economia. É apenas consumidor. O valor das pessoas está na sua capacidade de produção e na possibilidade do seu consumo. A dignidade intrínseca do ser humano é secundária.
3o.) A propriedade privada é um direito absoluto – Quando surgiu, foi uma grande novidade. As terras e os bens não eram da Igreja ou dos nobres. Poderiam ser compradas e não poderiam ser tomadas, sem mais nem menos, por estes dois. Seu domínio deixou de ser natural e passou a ser legal. Mas muitos dos explorados tornaram-se exploradores. Assim, o latifúndio da nobreza e da Igreja se tornou latifúndio da classe burguesa que surgiu. Quem tem dinheiro faz mais dinheiro. “Dinheiro chama dinheiro” é uma frase comum no cenário capitalista. Quem não tem, infelizmente, aplica-se a ele, sem fazer exegese bíblica, as palavras de Jesus, “até o que tem lhe será tirado”. O resultado é que há hoje mais exploradores que no passado.
4º) O quantificável se tornou o mais importante em nossa cultura. O que se mede tem valor. O que não se pode quantificar passou a ser irrelevante. Valores sérios do passado, valores espirituais e morais, perderam o significado. A mentalidade pragmática e utilitarista tomou foros de padrão. Vivemos sob o signo da eficácia, do lucro e da quantificação. Quanto você desconta para INSS? Quanto receberá ao se aposentar? Velho não é produtivo. É tolerado, portanto. O valor do ser humano reside em sua força de trabalho, em sua capacidade de produzir para as forças dominantes, sejam as empresas, seja o Estado, sejam as igrejas (igreja não quer pastor velho).
5º) Filosofia, arte, poesia, literatura, essas coisas não têm valor em nosso tempo. Não se come flor. Poesia não faz cirurgia. O que tem valor é a informática, a técnica. Essa desvalorização do humano em detrimento das idéias e das técnicas se vê na história recente do Brasil, palco de experiências econômicas desastradas feitas por técnicos da área. Sem exceção, em todos os planos econômicos dos governos recentes, o Estado ganhou e o povo perdeu.
A revolução industrial, de tantos benefícios, desumanizou a sociedade. Coisificou o homem. E idolatrou a máquina. Uma frase do pensador austríaco, Karl Kraus, cabe bem aqui: “As máquinas estão se tornando cada vez mais complicadas e os cérebros cada vez mais primitivos” 9 . Mais poder e mais valor às máquinas e menos valor ao humano.
A revolução cultural trouxe o processo de secularização. Isto merece consideração especial de nossa parte porque nos afeta. Foi o golpe mais duro desferido ao campo religioso. Baniu a religião para um canto, tirando-a da vida real. As afirmações teológicas não podem ser verificadas, pertencem ao domínio da opinião e não ao da prova. Tudo passou a ser explicado cientificamente e ficamos sem espaço para conceitos religiosos. Orar para chover? Mas a chuva é consequência de causas naturais e não de oração!
A Igreja deixou de ser a detentora de poder e se tornou um recanto de vivência pessoal. A religião passou a ser intimizada, vivida em nível de sensações e sentimentos, e não mais vivida em nível de história, de fazer acontecer. E um dos problemas mais sérios da intimização da fé é a diminuição da ética, tanto a de aspecto moral quanto a de aspecto social. A religião perde sua objetividade e se torna matéria de sentimentos. Assim, ela perda a ética, o que é lamentável. Responde pelo quadro de desmoralização que vemos agora.
A secularização minimizou e ridicularizou a religiosidade, mas não a baniu da vida humana. Dotado de uma centelha espiritual, criado à imagem e semelhança de Deus, o homem sentiu falta do sagrado. Assim, a religiosidade se vingou da secularização, retornando, até mesmo de maneira agressiva, em forma de superstições grosseiras como cristais, pirâmides, gnomos, numerologia, florais de Bach, etc. São duas consequências danosas para a fé crista. De um lado, sua contestação veemente, porque a fé cristã pretende ser uma cosmovisão (e só pode ser vista como uma cosmovisão) e no secularismo não há espaço para tal. De outro, um avanço extraordinário do paganismo passado, retornando com o aval da ciência, que não pode tolerar uma cosmovisão. A fé cristã se vê acuada entre dois inimigos. Um que a declara retrógrada. Outro, retrógrado, que busca se impor sobre ela com foros de antiguidade e de sabedoria dos ancestrais, como se a fé cristã tivesse nascido ontem.
Assim, o individualismo tomou corpo e afugentou as preocupações sociais. Isso se vê até no ambiente evangélico. Os anos sessentas foram de discussões sobre a ação social das igrejas. Havia uma preocupação com a pobreza e com a política. A ênfase dominante hoje é dada pela teologia da prosperidade. As pessoas estão preocupadas com cura, saúde, riqueza, resolução dos seus problemas e pouco com a transformação do mundo. Para se trabalhar com os jovens é preciso ter isto em mente. Os cinquentões podem, sem maldade, mas objetivamente, comparar a mocidade de sua época e a de hoje. No passado havia preocupação social. Minha geração foi às ruas protestar contra o regime militar, apanhou do Exército, queria transformar o mundo, enamorou-se do comunismo porque via nexo no que ele dizia. O comunismo foi a maior frustração da geração moderna. Em vez de criar riqueza, criou miséria. Em vez de trazer liberdade, criou um dos sistemas mais repressivos que a humanidade conheceu. Só mesmo a cegueira ideológica para não reconhecer isto. A geração de hoje é sem ideais, é a chamada geração shopping, cuja preocupação é o consumo, o tênis da moda, a camisa da grife badalada e a frequência às lanchonetes de nomes americanos para a famosa sucata alimentar: sanduíche e refrigerante. É uma geração que quer coisas e não é idealista. Que pensa localmente em vez de globalmente. É economicamente rica, com mais bens e posses que a minha, mas de conteúdo muito pobre. Uma geração obesa de corpo, pelo excesso alimentar, e esquelética de conteúdo, pela falta de sentido. Quando se perdem os ideais, a vida se empobrece.
Em termos de culto, de vida na igreja, podemos dizer o seguinte: as pessoas irão por um mês a uma corrente de cultos para receberem riquezas, mas não terão ânimo para uma vigília de oração para conversão dos perdidos. A igreja evangélica se tornou pós-moderna e se preocupa mais consigo mesma. Aliás, é na igreja que vocês precisam começar a testemunhar. Ela está cheia de pós-modernos que não entenderam o evangelho.
A CULTURA PÓS-MODERNA
Caminhemos um pouco pela pós-modernidade. Alistemos algumas de suas características. Muitos adolescentes e jovens de nossas igrejas as trazem consigo. E elas afetam, nosso testemunho de Jesus Cristo.
1º) O colapso das crenças. Há uma descrença geral com o conhecimento, seja a educação, seja a cultura afirmada. Há desinteresse pela herança passada. Tudo é visto como não funcional, como não resultável, não produtor de bons resultados. Junto com o colapso vem a contestação. A pessoa é contra tudo. E voltando à questão das crenças: não há um conjunto de valores. O que se faz é desmantelar as regras e as estruturas.
2º) A busca do novo e exótico. Uma música espanhola ilustra isso bem: “Cada noite um rolo novo. Ontem o ioga, o tarô, a meditação. Hoje o álcool e a droga. Amanhã a aeróbica e a reencarnação” (Cómo decirte, como cóntarte). Normalmente as novidades são contra o estabelecido, e as drogas, muito mais. A mídia cria mitos e conceitos e projeta o que é contra os estabelecido. Um exemplo é a exaltação do Islã em novela recente, da Globo. Enquanto isso, os evangélicos são ridicularizados. Esta atitude surge por causa dos dois itens seguintes.
3º) A descrença nas instituições. As instituições sociais falharam em prover um mundo melhor. Os governos, a família, a escola, todos falharam. O jovem não crê na declaração romântica do educador de que está formando mente e educando para o futuro. Não vê o professor encarar a profissão como um sacerdócio, mas como um ganha-pão. Não vê a escola como um lugar agradável nem crê no seu discurso de que estudando a pessoa pode ter oportunidades. Há milhares com diploma na mão e subempregados. Também não crê nas igrejas porque os escândalos são muitos. A igreja deste milênio não produz homens e mulheres santos, mas pessoas preocupadas com dinheiro. O vulto mais importante que a igreja evangélica dos anos sessentas legou à humanidade foi o pastor batista Martin Luther King Jr, Prêmio Nobel da Paz. A igreja evangélica dos anos oitentas deu ao mundo o bispo anglicano Desmond Tutu, que também recebeu o Prêmio Nobel da Paz. A igreja evangélica deste milênio é mais conhecida por Edir Macedo e o casal Hernandez. Para o pós-moderno, os governos não são honestos nem a classe política é íntegra. A família é um inferno na sua vida doméstica cotidiana. Isso se vê na legião de meninos de rua que fogem de casa e preferem um estilo de mendicância, melhor do que têm em casa. A autoridade não é bem vista. É sinônimo de opressão. As pessoas desejam ser livres. É o desdobramento do existencialismo, como mostrou um filme dos anos sessentas, Cada um vive como quer. As pessoas são donas de suas vidas, sem convenções, sem compromissos e sem autoridade. Um problema é que as igrejas evangélicas são, hoje, mais instituição do que comunhão. Dá mais valor ao aspecto institucional e uma à ordem e à lei do que à vida. Os regulamentos falam mais alto que a celebração da vida.
4º) A necessidade de escandalizar. É uma forma de agredir e de se defender. Escandalizam com a conduta, com a recusa às regras, na indumentária e no visual. A maneira de vestir mostra desleixo e até falta de asseio: aquela calça com cintura no meio das nádegas, e uma cueca encardida aparecendo. Gasta-se muito para se comprar uma roupa rasgada. Vestir-se como mendigo é estar na moda. O pós-moderno rejeita padrões. É gente que não se veste, apenas se cobre. É aquela bermuda que não se sabe se é uma calça comprida do irmão menor, porque ficou no meio da canela, ou se é uma bermuda do irmão maior porque ficou pouco acima do tornozelo. Todo mundo é igual: o boné virado para trás, um tênis encardido no pé e uma blusa de frio amarrada na cintura, e um andar de orangotango. Isto porque querem ser diferentes. Copiam-se uns ao outros na sua diferenciação. Julgam-se diferentes, mas são clones uns dos outros.
5º) Um estilo individualista, hedonista e narcisista. O pós-moderno é individualista, embora viva em “tribos”. Vive sua existência. Não se espere dele patriotismo ou idealismo. É hedonista, vivendo em função do prazer, não necessariamente sexual, mas buscando o agradável. É narcisista, no sentido de olhar mais para si que para o mundo. Esta é uma perspectiva da cultura pós-moderna. O social e outro são irrelevantes. O que vale é o próprio indivíduo.
6º) A falta de uma cosmovisão. “Cosmovisão” são os óculos pelos quais lemos o mundo. O pós-moderno não tem uma cosmovisão nem mesmo posturas coerentes. É a pessoa que nega a existência de Deus, mas que crê em energia vinda de um cristal. Nega a historicidade de Jesus, mas crê em duendes. Agem assim porque as cosmovisões são explicações globais do mundo, trazem respostas cabais e últimas. “Nenhuma certeza pode ser imposta a ninguém”, diz o pós-moderno. Recusando uma cosmovisão, uma visão integrada, as pessoas fazem uma crença tipo picadinho. Tudo está bom, tudo está certo. Ao mesmo tempo, isto não faz diferença. Cada um faz sua crença e sua religião. O valor último é a própria pessoa. Foi isto que Raul Seixas cantou: “Eu prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo, tudo”. As pessoas não têm mais uma visão determinada do mundo.
7º) A perda do sentido de história. Não existe uma história unificada, produto da visão cristã que impregnou o Ocidente e lhe deu rumo. Há acontecimentos isolados, histórias de pessoas que se cruzam entre si, sem nexo, sem ligação. Não existe uma visão global da vida. Existe uma visão fragmentária. Pensa-se no hoje, no agora. Perdeu-se a visão de um passado, um presente e um futuro integrados. O pós-moderno opta pelo efêmero, pelo modismo, pelo fragmentário, pelo descontínuo. Com isto, a vida não tem sentido histórico nem dimensão linear. É para ser vivida agora, numa dimensão pontilear. Boa parte das pessoas pensa no aqui e agora, sem plano nenhum para o futuro. Não existe um amanhã, só o hoje.
8º) A substituição da ética pela estética. O dever cede lugar ao querer. As escolhas são privadas e não mais ligadas à sociedade. O negócio é viver e desfrutar o que se gosta. Nada de responsabilidade. O negócio é experimentar sensações, cada vez mais fortes e dinâmicas. Sem sentimento de culpa ou de valores. Viver é fazer o que agrada. Em outras palavras: ninguém tem nada com a minha vida.
9º) A crise de pertença, ou seja, a necessidade de pertencer a alguma coisa, se tornou mais aguda, nesta situação. A maldição sobre Caim foi tirar-lhe a pertença. Ele seria sem raízes, geográficas ou sociais, um nômade, um errante, um peregrino, andante. O homem necessita pertencer a alguma coisa. É uma profunda carência existencial. Precisa pertencer a uma igreja, um clube, uma associação, etc. Como a crise de pertença surgiu logo vieram os relacionamentos “lights”, imediatistas, sem ligações profundas, manifestadas no sexo efêmero e casual. O instinto substitui o afeto. Cada semana, uma pessoa. “Ficar” passou a ser uma prática normal, e não um pecado. Pertence-se a uma “tribo”, mas se refugia no anonimato de relações via Internet.
10º) A característica a seguir é a mais forte: a diversidade ideológica e cultural. É uma época de síntese. A pessoa quer ter posição, mas quer concordar com tudo. Ela tem uma cultura tecnológica, de informática avançada, mas crê em florais, astrologia e numerologia. Não tem convicções, mas conveniências. Seu credo é produto de ajustes de convivência e não de convicção pessoal. Pode-se ter grande zelo pela ecologia e desprezo pelo humano. As crenças e posturas são casuais e produto de circunstâncias. O evangelho pode ser verdade, mas é verdade para uma pessoa e não para outra. Há tantas verdades como pessoas. Cada uma tem a sua, cada uma faz a sua. Dei um folheto evangelístico a uma pessoa. Ela me disse que não cria nessas coisas. No vidro de seu carro havia um adesivo: “Eu creio em duendes”. Mas o maior problema está hoje no neopentecostalismo. Ele foi minado pelo paganismo e contaminou nossas igrejas. Cito um pastor da Assembléia de Deus, sobre este ponto:
Na América Latina, as religiões pagãs populares vão se incorporando aos rituais pentecostais. Pede-se ao diabo para se manifestar, com o objetivo de exercer poderes exorcistas sobre ele, mapeiam-se as moradias demoníacas por causa da influência da cosmovisão pagã de que os poderes malignos tomam posse de lugares. Os objetos supersticiosos, como óleo ungido, rosas sagradas e a água do rio Jordão, passam a ter o mesmo valor no Cristianismo que na religiosidade popular pagã. 10
A linha entre paganismo e evangelho, no neopentecostalismo, foi apagada. Este é um sério problema para nós. Nos programas evangélicos da tevê, os fundamentos do protestantismo são negados. O sacerdócio universal de cada crente, a graça por causa do amor de Deus, o fato de que Deus não se deixa subornar, são negados em práticas exóticas. Ao mesmo tempo há a idéia de que uma água benzida pela oração do pastor tem fluidos mágicos. Há uma paganização do evangelho. A crença das pessoas é como comida à quilo: pega o quer e mistura coisas incompatíveis. Elas crêem no que gostam, não na verdade.
COMO TESTEMUNHAR NESTE CONTEXTO
É desvantajoso para nós, que trabalhamos com valores, pregar a um mundo que rejeita valores. Trabalhamos com absolutos e temos que testemunhar a mundo em que tudo é relativo. Como pode um jovem cristão testemunhar numa sociedade pós-moderna?
1º) Lembrando que ele tem uma fé que não pode ser aprisionada por nenhuma cultura. O evangelho pode se expressar em qualquer cultura, mas não pode ser refém dela. Cristo está acima de qualquer cultura. Não cremos em idéias, mas numa pessoa, Jesus Cristo. Você é crente? Então é propriedade de Cristo e esta deve ser sua convicção maior. Santificação começa aqui: “Eu sou de Jesus!”.
2º) Lembrando que é chamado à santidade, e isso implica em imitar a Cristo. “Sede meus imitadores, como também eu o sou de Cristo” (1Co 11.1) e “Irmãos, sede meus imitadores, e atentai para aqueles que andam conforme o exemplo que tendes em nós” (Fp 3.17). É chamado a imitar a Cristo, e não ao mundo. Diz Romanos 12.1-2: “Rogo-vos pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus”. Não deve imitar ícones da mídia, deuses de ouro com pés de barro, mas procurar o caráter de Cristo.
3º)Lembrando que, como cristão, tem valores eternos. Há valores temporários, locais e mutáveis. Há valores inegociáveis. Os jovens necessitam ter uma cosmovisão cristã completa, saber de sua fé e de seus valores e vivê-los. Muitos não têm uma visão global do mundo, e, o que pior, muitos não têm sequer uma visão global de sua fé, e não sabem analisar o mundo por ela. Sua fé é atomizada, de pequenos credos, sem uma visão holística do evangelho. É preciso ver o evangelho como algo para reger nossa vida.
4º) Os jovens precisam se ver como trabalhadores da igreja, e não desfrutadores de um ambiente jovem na igreja. Muitos têm compartimentalizado a igreja, transformando um espaço num gueto: é o culto jovem, o louvor jovem, sempre a visão da igreja como algo para seu desfrute. A igreja é a única instituição do mundo que não existe para benefício de seus membros, para os que não são seus membros. Os jovens precisam se ver como quem deve viver o evangelho fora de um prédio chamado igreja e de um momento chamado louvor.
5º) O jovem precisa reconhecer que tem uma palavra de verdade que tem atravessado século e culturas, a palavra de Cristo, que deve habitar ricamente nele: “A palavra de Cristo habite em vós ricamente” (Cl 3.16). Esta palavra ultrapassa a de todos os pensadores em todas as épocas e ele a tem. Ele deve vivê-la, expressá-la e divulgá-la. O mundo precisa desta palavra que ele tem, porque se não o mundo se perderá. Ele pode perder a palavra do mundo porque nada de ruim lhe acontecerá.
CONCLUSÃO
Acima de tudo é preciso uma compreensão: o evangelho é imutável. Não corram atrás de redescobertas do evangelho. Podemos defini-lo numa frase: Cristo, e Cristo crucificado, poder de Deus para salvação de todo aquele que crê. O resto é invenção. Há o evangelhos dos homens: riqueza material, poder político, vitória sobre os ímpios, guerrilhas.é o evangelho como uma cultura cristã. E há o da Bíblia: em Cristo, Deus chama os homens a virem ter com ele e consertarem sua vida diante dele. Fiquem com este. Consagrem suas vidas a Deus para batalhar por este evangelho.
1 Gastaldi, p. 13
2 Kilpatrick, p. 16
3 Kilpatrick, p. 17, no meio
4 Eco, p. 91. As maiúsculas iniciais, bem como a grafia não usual são de sua autoria. Eco mostra que o Padre é tão atrrasado, tão preso ao passado, que se recusa a escrever modernamente.
5 Kilpatrick, p. 17, no topo. O itálico é de Kilpatrick. Note-se a crítica sutil feita aos que presumem ser o método dialético a mola propulsora de nossa estágio de desenvolvimento.
6 Valle, in Cristovam Buarque et al, p. 75
7 Enciclopédia Help, p. 126, do jornal O Estado de S. Paulo.
8 Trecho de La leyenda de los siglos, p. 345.
9 Citado no jornal O Estado de S. Paulo, no “Fórum dos Leitores”, em 23 de março de 2002.
10 Gondim, p. 73.