Palestra preparada pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho, para a IB de Vila Elmaz, em São José do Rio Preto, São Paulo, e apresentada em 28 de fevereiro de 2010.
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INTRODUÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA DO PASSADO PRODUZ A REFLEXÃO SOBRE O PRESENTE
Eu era adolescente de dezesseis anos, no Rio de Janeiro, e tinha um ano de convertido e batizado. Morava no bairro da Penha e ia de lotação (micro-ônibus) da Penha até Cascadura e lá tomava outra condução para Acari, onde ficava minha igreja, a Batista de Acari. Foi onde me converti. Vendo-me com a BÃblia (naquele tempo portávamos bÃblias e éramos chamados de “crentesâ€), um padre sentou-se ao meu lado e, polidamente, perguntou-me se podÃamos conversar. Foi um papo amistoso. O padre era mesmo educado e respeitador. Queria apenas tirar algumas dúvidas sobre como eu via minha fé. Ele recebera de alguém uma assinatura de “O Jornal Batista†e por isso os conhecia um pouco.
Fez algumas perguntas e a todas respondi citando a BÃblia. Como meus dezesseis anos estão quatro décadas atrás, não me recordo de todas, mas de duas ou três. A última foi “Por que os batistas não aceitam Maria como mediadora entre Deus e os homens?â€. Também respondi com a BÃblia. Citei 1Timóteo 2.5: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homemâ€. Quando nos despedimos em Cascadura, o padre me perguntou: “Meu filho, você estuda em algum seminário da igreja batista?â€. Respondi que não, mas que era aluno da Escola BÃblica Dominical.
Na realidade, poderia ter dito que estudava num seminário, porque a EBD é um seminário bÃblico. Quando funciona bem, ensina a BÃblia como nenhuma outra instituição. Ensina não como alguns teólogos, que a esquartejam para ver ser acham uma mensagem nela. Seu ensino é vivencial, não por acadêmicos que a menosprezam e subordinam aos homens, mas por pessoas que foram alcançadas e transformadas por ela. É o ensino passional e o estudo com fome, para praticar e viver.
Vão-se longe os tempos em que um adolescente com uma BÃblia na mão podia responder a um padre sobre o que cria. Porque vão-se longe os tempos em que os crentes, hoje “evangélicosâ€, estudavam a BÃblia com afinco. A Escola BÃblica Dominical está doente em muitas igrejas. Não por acaso, muitas igrejas estão doentes. Porque estão sem ensino bÃblico sistemático e ministrado por pessoas piedosas.
A BÃblia era valorizada e amada pelos crentes. O povo nos chamava de “bÃblias†por causa de nosso zelo por ela. Ela era nosso sÃmbolo distintivo. Hoje, nosso sÃmbolo distintivo é a caixa de som com que atazanamos a vida dos nossos vizinhos.
Mudaram os tempos. A BÃblia não é mais tão lida pelo nosso povo. Menos ainda estudada. Muitos púlpitos a trocaram por pensadores seculares. Em uma igreja seu estudo foi substituÃdo por livros de autoajuda. Talvez seja por isso que a igreja evangélica brasileira tenha oito milhões de quilômetros quadrados e um centÃmetro de profundidade. O povo prefere a celebração em alto volume a estudá-la. A festa tomou o lugar da reflexão, e assim a BÃblia foi empurrada para a periferia em nossas igrejas.
1. A BUSCA DE SANTIDADE POR UM VIÉS EQUIVOCADO
Não receio em afirmar que muita gente está na igreja sem uma experiência de conversão. Sei que tomarei algumas bordoadas dos “politicamente corretosâ€, que me brandirão um versÃculo de Jesus: “Não julgueis para que não sejais julgadosâ€. OK! Se querem usar este versÃculo, não me julguem também. Fiquem quietos e saiam de cena. Vocês também não podem julgar. Mas, mesmo assim, cito-lhes Jesus: “Hipócritas, sabeis discernir a face da terra e do céu; como não sabeis então discernir este tempo? E por que não julgais também por vós mesmos o que é justo?†(Lc 12.56-57). Em 2CorÃntios 13.5, Paulo nos recomenda o uso do julgamento: “Examinai-vos a vós mesmos se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovadosâ€. E 1João 4.1 nos recomenda termos senso crÃtico, avaliando e julgando espiritualmente: “Amados, não creiais a todo espÃrito, mas provai se os espÃritos vêm de Deus; porque muitos falsos profetas têm saÃdo pelo mundoâ€.
Tenho quase quarenta anos de ministério pastoral. Trinta e oito anos para trinta e nove anos, exatamente. Isto não me torna dono da verdade. Mas não sou um garoto deslumbrado nem um jovem neófito. Sou um pastor vivido, e já vi coisas em igrejas que nunca pensei que veria. Mas comprometi-me com o ministério, com o evangelho, com o ensino da BÃblia. Tenho apanhado muito por isso. Sempre dos crentes. Porque boa parte deles quer forró, mas não ensino bÃblico. Quer festa, não ouvir a Palavra. Assumi o dito de Paulo em Atos 20.7: “Porque não me esquivei de vos anunciar todo o conselho de Deusâ€. Não fidelizo clientela, mas procuro ensinar todo o conselho de Deus. Procuro ser educado, mas não me preocupo se o que direi massageará o ego das pessoas. Não é esta minha preocupação primeira. Como Lutero, minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Tenho visto centenas de pessoas que estão em uma igreja, mas que ignoram a doutrina da salvação. Há pouco tempo fui convidado para falar a um grupo de crentes, razoável por sinal, membros de uma igreja, mas sem muita certeza de sua salvação. E me pediram para falar deste assunto por causa da dúvida em seu ambiente.
Não é acidental que em muitos lugares a catarse, que alguns, torcendo o sentido da palavra, até chamam de louvor, tomou todo o tempo do culto. As pessoas querem por suas emoções para fora, mas não se preocupam tanto em aprender a Palavra de Deus. Algumas até são bem intencionadas. Querem santidade e desejam uma vida espiritual mais significativa. Mas não a encontrarão no louvor. Se louvor e barulho produzissem santidade, a igreja evangélica brasileira seria de santidade irretocável. E sabemos que não é. Precisamos colocar a coisa mais importante no lugar mais importante. E o secundário no lugar secundário. A coisa mais importante para o crente é aprender a Palavra de Deus. É ouvir Deus. Por isso a EBD precisa ser resgatada. A igreja necessita de crentes estudando a BÃblia, num programa sério, completo, que envolva toda a famÃlia, e preparado por pessoas comprometidas com a BÃblia e com a igreja. Voltaremos a isso daqui a pouco.
2. SE A IGREJA DESEJA SERIEDADE ESPIRITUAL E SANTIDADE, A EBD É O MELHOR CAMINHO
Há um episódio elucidativo em 1Samuel 15. A ordem dada a Saul fora a de não trazer nada dos amalequitas, mas aniquilar tudo. Ele trouxe despojos, incluindo ovelhas. O profeta e sacerdote Samuel o repreendeu e Saul se desculpou. Trouxera o gado para sacrificar a Deus. Era um “cala boca†em Samuel, que era sacerdote. O sacrifÃcio era a forma mais elevada de culto, no Antigo Testamento. Samuel teria sua parte naquilo. Que ficasse quieto. Afinal, era para adoração. E adorar, como muita gente pensa, é a coisa mais importante do mundo. Secamente Samuel respondeu: “Tem, porventura, o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifÃcios, como em que se obedeça à voz do Senhor? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, do que a gordura de carneiros†(1Sm 15.22).
Compreenderam a extensão da resposta de Samuel? Para Saul, como para muitos crentes hoje, adorar a Deus era a coisa mais importante a se fazer, justificava tudo e se sobrepunha a tudo. Mas vem um sacerdote e diz que obedecer é mais importante que adorar. Você pode adorar até ficar rouco de tanto cantar, e com calo nas mãos de tanto bater palmas, mas se não obedecer à Palavra de Deus isso vale pouco. O que Deus mais espera do seu povo é obediência. É importante conhecer a Palavra de Deus e obedecê-la. Em nosso caso, a EBD é uma excelente escola para formar um caráter santo, porque seu livro texto é a Palavra de Deus.
É a Palavra de Deus que santifica. Lemos no Salmo 119.11: “Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra tiâ€. A internalização da Palavra de Deus dá forças para uma vida santa. É mais que decorar versÃculos. É internalizá-la. O moço pode gostar do louvor até porque gosta de música agitada e se convencionou que o louvor deve ser agitado. Mas se o jovem quer ser santo, será quando se reger pela Palavra: “Como purificará o jovem o seu caminho? Observando-o de acordo com a tua palavra†(Sl 119.9). E lembro, ainda, Jesus: “Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade†(Jo 17.17). É a Palavra de Deus, estudada, aplicada na vida e cumprida no viver diário, que santifica. Não há santidade sem algo elementar: obediência. E só há obediência real quando sabemos o que a BÃblia diz. A EBD é um lugar excelente para aprender o que é santidade conforme a Palavra do Senhor ensina.
3. CINCO RAZÕES PELAS QUAIS A EBD É INDISPENSÃVEL PARA A IGREJA
Juntando as pontas e seguindo na argumentação, alisto cinco razões pelas quais a EBD é indispensável para que tenhamos uma igreja sadia.
O primeiro é que ela é um seminário bÃblico dentro da igreja. Não se aprende crÃtica textual, nem sociologia ou filosofia, mas BÃblia. E se aprende pelo estudo reverente. Muito obreiro que deseja desviar a igreja da denominação acaba com a EBD ou substitui a literatura sadia da denominação ou de obreiros com fundamentos denominacionais por literatura de outro grupo. Ou se apresentam como o professor da classe única da EBD. Só seu ensino é veiculado e qualquer outra pessoa é posta de lado. O que há de pastor achando que EBD não funciona é impressionante. Mas parece-me haver outro sentido por trás disso. Uma EBD bem estruturada imuniza a igreja contra heresias e golpes doutrinários que se expressam em atitudes pouco cristãs. Quando um pastor quer acabar com EBD na igreja é preciso desconfiar seriamente de sua atitude. Como um pastor quer que a BÃblia deixe de ser ensinada?
O segundo é que ela é um celeiro de lÃderes. Porque doutrina as pessoas. Porque ensina valores espirituais. Porque habilita pessoas para falarem em público e discutirem e argumentarem. Porque cria hábitos espirituais, como estudar a BÃblia e compartilhar a fé com um grupo pequeno, habilitando para se expressar. Porque cria amor pela vivência em um grupo espiritual. Porque, secundariamente, ensina relacionamento com outros cristãos. Porque está subordinada à igreja, e precisamos resgatar também algo que vai sendo posto de lado, que é a autoridade da igreja.
O terceiro, anteriormente tangenciado, mas aqui bem formulado, é que ela ensina doutrina bÃblica. E doutrina não é algo árido como alguns querem nos fazer crer. Doutrina é vida. A EBD provê suporte doutrinário para a igreja. Por isso que o item primeiro é assustador. Sem estudo bÃblico a igreja se perde no cipoal de novidades produzidas por uma usina de esquisitices que viceja em nosso tempo. Estudo e ensino teologia, mas se tenho boa formação teológica (alguns acham isso e, um dia, acabarei crendo nisso) é porque estudo a BÃblia mais que qualquer outro livro. Quando lecionava Teologia Sistemática, ao invés de me prender aos livros discursivos de teólogos, lia a BÃblia nos assuntos que deveria abordar. Depois que estava firmado nas Escrituras é que ia aos teólogos. Se eles não falassem como a BÃblia, eu os deixava de lado. A EBD dá firmeza doutrinária e teológica porque ministra a BÃblia.
O quarto é que ela dá firmeza espiritual. Já citei dois versÃculos do Salmo 119 que falam da firmeza e da santidade pela observância da Palavra de Deus. Não os repito, mas recordo que Jesus venceu Satanás não por força de uma personalidade indômita, embora a tivesse, mas pela força da Palavra de Deus. Todas as tentações e afirmações de Satanás ele rebateu e superou citando as Escrituras. A EBD, por ensinar a BÃblia, ajuda na formação espiritual. Em minha adolescência, três professores me ajudaram a formatar o caráter cristão: Levi Alves, Loecy Cordeiro e Jeiel Ferreira. Eu não tinha formação evangélica, vinha de um ambiente religioso confuso, em que a famÃlia que era católica se bandeara para o espiritismo. Pessoalmente, nunca lera a BÃblia.  Eles foram meus referenciais, com suas lições de EBD. Levi, Loecy e Dr. Jeiel me ajudaram a ter firmeza espiritual. Além dos sermões de meu Pastor, João Falcão Sobrinho, que eram bÃblicos. Uma EBD forte produzirá uma igreja forte porque esta terá firmeza que vem das Escrituras.
O quinto é que a EBD é um projeto para toda a igreja. Não apenas em faixas etárias, mas em todos os nÃveis culturais. A EBD trabalha com pessoas de todos os nÃveis. Alguns modelos eclesiológicos levam a igreja a negar uma de suas maiores caracterÃsticas, que é a heterogeneidade. Assim vemos igrejas que se parecem mais com grupos evangélicos só de empresários, ou de atletas profissionais ou outros segmentos. Entendo a razão de ser desses grupos, voltados para evangelizá-los, mas vejo-os como perigosos se criarem a imagem de “Nosso jeito é o certo†ou “Nós somos os reis da cocada pretaâ€. Em uma igreja, um grupo de jovens queria uma classe de EBD só de universitários, para tratarem de assuntos atinentes a eles. Parece que foram picados pela mosca azul (ser universitário não é tão incomum assim) e se deslumbraram. Um pastor me falou de seu desejo de criar uma classe na EBD só de negros, para debater assuntos raciais. Uma espécie de racismo com sinal invertido. Uma ignorância do que é a igreja: “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus†(Gl 3.28). A EBD é a maior organização a demonstrar a universalidade interna da igreja. Ela arrola a todos ao redor de um tema, a BÃblia. A EBD não é para tratar de assuntos atinentes a grupos, mas para ensinar a BÃblia e valores bÃblicos a pessoas. Ela é um projeto que engloba gente de todas as idades, faixas sociais, culturais e raciais.
4. DE QUE A EBD PRECISA PARA DESLANCHAR
De poucas coisas.
A primeira é o apoio incondicional e irrestrito do pastor. Ele é o homem chave. Ele precisa querer a EBD, amar a EBD e ajudar a pensar a EBD. Ele é o homem que pode mudar a fisionomia do ensino na igreja.
A segunda é o apoio incondicional e irrestrito da igreja. Ela não é um apêndice do programa da igreja, mas o substrato de todo o programa da igreja. Se a metade do valor que as igrejas gastam em aparelhagem fosse carreada para o ensino bÃblico, isso revolucionaria a igreja. Verbas para compra de bons comentários bÃblicos para os professores, de livros com o ensino da denominação, de sua história e de seus princÃpios, de boas salas, com aparelhagem educacional. Um diácono amigo meu, muito atilado, dizia que era preciso ficar sempre atento porque todo ano o pessoal do som queria trocar a aparelhagem. Mas quando foi que a igreja comprou livros para os professores da EBD?
O terceiro é de bom material humano. Professores que amem a BÃblia, realmente convertidos e apaixonados pelo evangelho, solidários com a igreja. O professor precisa ser uma pessoa de equipe e não um predador solitário, que aproveita momentos para destilar veneno na classe. Deve ser uma pessoa que ame e feche com sua igreja. Ele faz parte do todo. O currÃculo oculto (no caso, o caráter do professor) pode valer tanto quanto o currÃculo explÃcito (o que o professor ensina).
Havendo isso, haverá espaço fÃsico, material didático, cursos para investir em professores. Primeiro, a vontade. Depois o efetuar.
COMO CONCLUSÃO
Foi na EBD que meus valores espirituais foram firmados, minha visão cristã foi formatada e onde aprendi a falar em grupo. Foi o melhor seminário que tive, porque lançou a base que me permitiu construir o que tenho e o que sou. Tenho e sou pouco, mas começou com a EBD. Aprendi a estudar e a valorizar a BÃblia na EBD. Eu a leio todos os anos, e cada ano numa versão diferente, para aprender mais. Quando repito a versão, uso outro volume para não me prender ao que sublinhei.
Diria duas coisas, como conclusão. A primeira é: ame a BÃblia. Com paixão. A segunda é: estude a BÃblia. Com seriedade, na EBD. E, se você é professor de EBD, orgulhe-se de sua missão, desempenhe-a com seriedade e com zelo. Estude para ser melhor. Você realiza a maior função que uma pessoa pode desempenhar. Você ensina a Palavra viva de um Deus vivo. Quer maior responsabilidade diante dos homens do que esta que Deus lhe concedeu e que sua igreja lhe confiou? Deus e a igreja confiam em você. Seja bom no que faz.