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PARA QUEM RECLAMA DA JUSTIÇA OU OS EVANGÉLICOS AINDA NÃO APRENDERAM A CIDADANIA

Isaltino Gomes Coelho Filho

Transcrevo a notícia que saiu no “Folha Online”, de 25 de março de 2010, às18h18min, sob título “Justiça de S. Paulo derruba mudanças na lei do Psiu”. Começa com esta afirmação: “O TJ (Tribunal de Justiça de São Paulo) derrubou as mudanças aprovadas pela Câmara Municipal na lei de ruído de São Paulo. A prefeitura havia entrado na terça-feira (23) com ação de inconstitucionalidade da lei e o TJ deu nesta quinta a decisão favorável ao governo”.

A Lei do Psiu é um recurso do cidadão massacrado pelo volume exagerado de decibéis vindos de bares, boates e, principalmente, de igrejas evangélicas. As igrejas são as campeãs em queixas.  A questão é tão significativa que havia até um site intitulado “Deus não é surdo”, contendo denúncias contra igrejas barulhentas. Muitos evangélicos também escreviam para o site, mas geralmente para dizer que sua igreja era diferente. Um adventista chegou a dizer que sua igreja “era a melhor de todas”. Este não tem problemas de auto-imagem, evidentemente. Mas as mensagens dos evangélicos mostram nossa dificuldade de fazer autocrítica, e como nos sentimos desconfortados quando somos confrontados com nossos erros. Geralmente tentamos desqualificar nossos discordantes (aliás, isso parece muito comum em debates em nosso meio) e depois apelamos para nossos direitos. Não gostamos de ser desqualificados nem pensamos nos direitos alheios.

Muitas vezes tenho dito que no passado nosso símbolo distintivo era a Bíblia e o povo, inclusive, nos chamava de “bíblias” pelo nosso apego ao Livro. E que hoje nosso símbolo distintivo é a caixa de som com que atazanamos a vida de nossos vizinhos. Um de meus críticos me perguntou o que eu tenho contra o louvor. Eis o hábito evangélicos de torcer as palavras alheias. Nada comentei de louvor, mas de barulho. São duas coisas diferentes. É irritante ser incomodado dentro de casa por gritaria e músicas das quais não gostamos. As pessoas têm o direito de não ouvir músicas e pregações em suas casas. Como eu me sinto incomodado quando um vizinho meu me faz ouvir o pagode de que ele gosta e que eu, particularmente, abomino.

Voltemos à Psiu. O autor de mudanças que gerou o novo teor da lei (derrubado pelo TJ) foi o vereador Carlos Apolinário, evangélico. Na troca de favores habituais, a Câmara aprovou seu projeto de mudança, que transformava a vítima, o massacrado pelo barulho, numa pessoa sob suspeita e a colocava sob risco, inclusive. Diz o artigo, ainda, agora a respeito do projeto do evangélico: “As mudanças impostas pela Câmara Municipal acabavam com a denúncia anônima de barulho, exigiam que a medição de ruído fosse feita na casa do vizinho do local barulhento e na presença do dono do estabelecimento, aumentava os prazos de adequação e reduzia as multas para quem fosse pego com barulho acima do limite”. As mudanças beneficiavam o infrator e prejudicavam a vítima.

O cidadão tinha que receber em sua casa os técnicos que mediriam o som e ainda o dono do estabelecimento. Como a má educação de som alto não é exclusividade de igrejas, o pacato sujeito que queria apenas dormir após uma da manhã, após um dia de trabalho, precisava receber em sua casa o dono do boteco barulhento. E a clientela de boteco nem sempre é muito gentil nem se preocupa muito com os direitos alheios. A pessoa teria que se expor à ira e até vingança de quem ela acusasse.

É lamentável que tenhamos perdido tantos parâmetros que nos eram valiosos. Como, por exemplo, o respeito pelo direito alheio. Morei em Perdizes, na Cardoso de Almeida, em um sobrado que tinha outro sobrado ao lado. Em baixo do sobrado vizinho havia um bar, que aos sábados ia até a madrugada. No domingo eu chegava na igreja com cara de quem havia passado a noite na gandaia. E era verdade. Só que na gandaia alheia. Isso me indignava. Por que imaginamos que nosso barulho incomoda menos que o dos outros? Perdemos a educação?

Tenho outra pergunta: a função de políticos evangélicos é fazer leis ou mudar leis para nos beneficiar ou é levar os padrões morais evangélicos para a política? Não será por essa compreensão defeituosa do que seja a política e até mesmo do que seja um crente em Jesus Cristo que temos até a famosa oração da propina, correndo pela Internet, no escândalo de Brasília? Políticos evangélicos não devem ser despachantes para facilitar a vida de nossas igrejas e digo, afirmo, sustento e repito: não podemos transgredir as leis; devemos ser bons cidadãos!

E tenho uma questão teológica: de onde saiu a idéia de que gritaria e barulho são  sinais de espiritualidade? Meu bom amigo Pr. Gessy Frutuoso, de Itaperuna, cidade natal de meu pai, me contou de sua surpresa, num dia, às 6 da manhã, ao passar por uma igreja evangélica e ouvir um vozerio enorme em oração. Pensou que havia umas quinhentas pessoas orando (era uma dessas igrejas em que todo mundo ora junto). Olhou da porta. Eram duas pessoas, e cada uma com um microfone, uma em cada lado do salão de cultos, gritando suas orações. Respeito a teologia de cada um, mas isto é non sense. Se não é pelo muito falar que seremos ouvidos, também não é pelo muito gritar que o seremos.

Parabéns ao Tribunal de Justiça de S. Paulo. Lamento que nós, seguidores de Jesus, sejamos mal vistos não pela nossa fé, mas pelo nosso mau testemunho. Lamento que queiramos contornar leis para nos beneficiar. Precisamos de cidadania neste país. E ela se manifesta em questões até pequenas. Uma delas é esta: paremos de incomodar nossos vizinhos. Não precisamos de gritaria nem de barulho infernal em nome de Deus. E lembro que um bom advogado pode ganhar uma causa ruim. Mas uma causa boa pode ser perdida por um mau advogado. Não prejudiquemos o evangelho.

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