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ESTUDO BÍBLICO EM HEBREUS – PARTE 2

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Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

Hebreus é o livro da Bíblia que mais discute o sacrifício de Cristo. Como o tema do livro é a superioridade de Cristo, o autor desenvolve a questão do porquê do sacrifício de Jesus e tece comparações entre ele e os sacrifícios judaicos. Nosso assunto posterior será a nova aliança. É preciso referir-nos a ela, de passagem, agora. A primeira aliança, feita com Moisés, estava estruturada sobre os sacrifícios. A nova, feita em Cristo, está estruturada sobre um sacrifício, o de Jesus. E o autor mostrará que este é superior, é único e suficiente. Nao há motivo algum para voltar ao passado, ao sangue de animais, nem mesmo à pesada legislação sacerdotal do Antigo Testamento.

A questão da superioridade do sacrifício de Jesus já se delineia no fato de que ele é um sacerdote superior, como vemos em 4.14-16 (“Tendo, portanto, um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou os céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado.  Cheguemo-nos, pois, confiadamente ao trono da graça, para que recebamos misericórdia e achemos graça, a fim de sermos socorridos no momento oportuno.”)  e 8.1-2 (“Ora, do que estamos dizendo, o ponto principal é este: Temos um sumo sacerdote tal, que se assentou nos céus à direita do trono da Majestade, ministro do santuário, e do verdadeiro tabernáculo, que o Senhor fundou, e não o homem”. O sumo sacerdote de Jerusalém entrava no lugar santíssimo (ou santo dos santos). Jesus entrou no céu. O templo de Jerusalém era uma cópia do templo celestial (8.4-5). Como já dissemos, o autor segue a filosofia platônica, na teoria do real e do ideal. O santuário de Jerusalém era uma cópia do superior, o celestial. Foi neste que Jesus entrou. Por isto, a obra dele é melhor.

Há quatro aspectos no sacrifício de Jesus que devem ser ressaltados aqui, em contraste com os sacrifícios do judaísmo.

A ESFERA DO SACRIFÍCIO

Os sacrifícios do Antigo Testamento eram de ordem cerimonial. Eram para os que estavam cerimonialmente impuros. Serviam para “purificação da carne”, como lemos em 9.13: “Porque, se a aspersão do sangue de bodes e de touros, e das cinzas duma novilha santifica os contaminados, quanto à purificação da carne”. Eram incapazes de mudar a vida das pessoas, como vemos em 9.9: “que é uma parábola para o tempo presente, conforme a qual se oferecem tanto dons como sacrifícios que, quanto à consciência, não podem aperfeiçoar aquele que presta o culto”. Por isso que eram apenas ordenanças da carne até o tempo da reforma: “sendo somente, no tocante a comidas, e bebidas, e várias abluções, umas ordenanças da carne, impostas até um tempo de reforma” (9.10).

Os sacrifícios do Antigo Testamento não podiam aperfeiçoar as pessoas. Se aperfeiçoassem, elas teriam seus pecados perdoados e não continuariam com eles em sua consciência: “Porque a lei, tendo a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, não pode nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem de ano em ano, aperfeiçoar os que se chegam a Deus. Doutra maneira, não teriam deixado de ser oferecidos? pois tendo sido uma vez purificados os que prestavam o culto, nunca mais teriam consciência de pecado” (10.1-2). Mas isto acontecia porque, como diz 10.1(“Porque a lei, tendo a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, não pode nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem de ano em ano, aperfeiçoar os que se chegam a Deus”), a lei era apenas sombra das coisas futuras. Aliás, todo o judaísmo era apenas uma sombra do que viria, mas o corpo que projetava a sombra é Cristo: “Ninguém, pois, vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa de dias de festa, ou de lua nova, ou de sábados, que são sombras das coisas vindouras; mas o corpo é de Cristo. (Cl 2.16-17). O sangue de Cristo purifica a consciência: “Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará das obras mortas a vossa consciência, para servirdes ao Deus vivo?” (9.14). Enquanto o sacrifício judaico purificava o corpo de transgressões cerimoniais (tocar num morto, tocar em animal cerimonialmente imundo, doenças de pele, o fluxo das mulheres), o sacrifício de Cristo purifica a consciência. A esfera do sacrifício é deslocada do exterior (judaísmo) para o interior (cristianismo). Cristo purifica por dentro, purifica a alma. É isto que o autor de Hebreus não consegue entender: como os cristãos a quem ele se dirige não entenderam a superioridade da obra de Cristo e queriam voltar ao passado.

A NATUREZA DO SACRIFÍCIO

É verdade que a morte de Jesus sucedeu na terra. Mas diz o autor de Hebreus que seu sacrifício ele ofereceu a Deus: “Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará das obras mortas a vossa consciência, para servirdes ao Deus vivo?” (9.14). Com isto, na argumentação do autor, Cristo entrou num santuário celestial (lembre-se que ele está usando a argumentação de que o que há na terra é cópia do que há no céu, seguindo Platão com a noção do mundo real e do mundo ideal). Esta entrada de Cristo num santuário celestial se vê em 9.24: “Pois Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, mas no próprio céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus”. O drama do Calvário foi real, histórico, mas na argumentação do autor, apenas mostrava o que havia acontecido espiritualmente: Cristo quisera a cruz e caminhara para ela, para se oferecer a Deus por nós. A cruz nao foi um acidente, mas uma busca por parte do Crucificado. Ele a procurou.

Sobre isso, vejamos as passagens de Mateus 16.21 (“Desde então começou Jesus Cristo a mostrar aos seus discípulos que era necessário que ele fosse a Jerusalém, que padecesse muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes, e dos escribas, que fosse morto, e que ao terceiro dia ressuscitasse”), Marcos 9.30-31 (“Depois, tendo partido dali, passavam pela Galiléia, e ele não queria que ninguém o soubesse; porque ensinava a seus discípulos, e lhes dizia: O Filho do homem será entregue nas mãos dos homens, que o matarão; e morto ele, depois de três dias ressurgirá”)  e João 18.11 (“Disse, pois, Jesus a Pedro: Mete a tua espada na bainha; não hei de beber o cálice que o Pai me deu?”). No Antigo Testamento, vale a pena considerar o texto de Isaías 53.4-11: “Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e carregou com as nossas dores; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a boca; como um cordeiro que é levado ao matadouro, e como a ovelha que é muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a boca. Pela opressão e pelo juízo foi arrebatado; e quem dentre os da sua geração considerou que ele fora cortado da terra dos viventes, ferido por causa da transgressão do meu povo? E deram-lhe a sepultura com os ímpios, e com o rico na sua morte, embora nunca tivesse cometido injustiça, nem houvesse engano na sua boca. Todavia, foi da vontade do Senhor esmagá-lo, fazendo-o enfermar; quando ele se puser como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias, e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito; com o seu conhecimento o meu servo justo justificará a muitos, e as iniquidades deles levará sobre si.. Notemos que “ele tomou sobre si” (v. 4) e “ficará satisfeito”  (v. 11). Ele quis morrer pelos pecadores.

Neste aspecto, da natureza do seu sacrifício, temos que considerar mais três idéias:

A primeira é que seu sacrifício foi perfeito. Em 9.14 vemos que ele nos purificou, o que os sacrifícios do judaísmo não podiam fazer: “Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará das obras mortas a vossa consciência, para servirdes ao Deus vivo?”. Os sacrifícios tinham que se repetir. Ele não precisou morrer repetidas vezes, mas resolveu o problema do pecado de uma vez por todas, para sempre: 9.26: “Doutra forma, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do mundo; mas agora, na consumação dos séculos, uma vez por todas se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo”.  Na morte de Cristo, o pecado foi aniquilado para sempre. Em 1965, soldados japoneses escs, lutando contra quem aparecesse, sem saber que a guerra terminara. O teólogo Karl Barth fez uma observação bem sensata: “Povo curioso, esse. Lutando em uma guerra que terminara há vinte anos. Mas mais curiosa é a pessoa que luta contra Deus, dois mil anos após Cristo ter posto fim à guerra, no Calvário”. Cristo resolveu a questão da inimizade contra Deus.

A segunda é que seu sacrifício foi espiritual. Mais do que físico, foi um ato espiritual. Ele se ofereceu pelo “Espírito eterno” (9.14). O Pai, o Filho e o Espírito Santo trabalharam em harmonia para a redenção do homem. Não houve conflito entre as pessoas da Trindade.  Sabedor de que os sacrifícios do Antigo Testamento eram sem efeito, ele, Jesus, se ofereceu ao Pai para resolver o assunto: “Então eu disse: Eis-me aqui (no rol do livro está escrito de mim) para fazer, ó Deus, a tua vontade. Tendo dito acima: Sacrifício e ofertas e holocaustos e oblações pelo pecado não quiseste, nem neles te deleitaste (os quais se oferecem segundo a lei); agora disse: Eis-me aqui para fazer a tua vontade. Ele tira o primeiro, para estabelecer o segundo. É nessa vontade dele que temos sido santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre” (10.7-10).

A terceira é que seu sacrifício foi vicário. Isto significa que foi no lugar dos outros. Ele morreu por nós. Assim levou os pecados dos que crêem: “Assim também Cristo, oferecendo-se uma só vez para levar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para salvação” (9.28). Ele ofereceu-se a si mesmo como sacrifício pelos nossos pecados: “Ora, todo sacerdote se apresenta dia após dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar pecados; mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, assentou-se para sempre à direita de Deus” (10.11-12). Cristo morreu pelos nossos pecados foi a primeira confissão de fé da Igreja: “Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras;  que foi sepultado; que foi ressuscitado ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Co 15.3-4). Este é o nosso credo. Somos salvos porque Jesus morreu em nosso lugar e, desta maneira, carregou os nossos pecados. Voltemos a Isaías 53.5: “Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados”.

A SINGULARIDADE DO SACRIFÍCIO

Por singularidade queremos dizer que seu sacrifício foi único. Os sacrifícios judaicos tinham que repetir. O de Cristo é irrepetível. Isto nos é mostrado nos textos de 7.26-27 (“Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime que os céus; que não necessita, como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente por seus próprios pecados, e depois pelos do povo; porque isto fez ele, uma vez por todas, quando se ofereceu a si mesmo”, 9.24-28 (“Pois Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, mas no próprio céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus; nem também para se oferecer muitas vezes, como o sumo sacerdote de ano em ano entra no santo lugar com sangue alheio; doutra forma, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do mundo; mas agora, na consumação dos séculos, uma vez por todas se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo. E, como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois o juízo, assim também Cristo, oferecendo-se uma só vez para levar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para salvação”) e 10.10-12 (“É nessa vontade dele que temos sido santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre. Ora, todo sacerdote se apresenta dia após dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar pecados; mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, assentou-se para sempre à direita de Deus”) . O perdão que um fiel do Antigo Testamento conseguia era sempre temporário. Era perdão para um ato cometido. O perdão que Cristo conseguiu não foi para atos, mas para a “consciência”. Lembre-se do item “A esfera do sacrifício”. Ele perdoou mais do que atos. Perdoou a vida da pessoa, purificou-a por inteiro. Seu sacrifício não precisa se repetir. Assim como só se morre uma vez, Cristo morreu uma vez (9.27).  Isso basta.

Se com a sua morte Cristo nos livrou da morte, com sua vida ele nos deu vida. Ele foi o homem que conseguiu viver sem sofrer o poder do Diabo: “Portanto, visto como os filhos são participantes comuns de carne e sangue, também ele semelhantemente participou das mesmas coisas, para que pela morte derrotasse aquele que tinha o poder da morte, isto é, o Diabo; e livrasse todos aqueles que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à escravidão. (2.14-15). Ele teve uma vida singular, uma morte singular, e nos outorga efeitos singulares, que só ele pode outorgar. Quem foi salvo, foi salvo para sempre: “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade do que me enviou é esta: Que eu não perca nenhum de todos aqueles que me deu, mas que eu o ressuscite no último dia” (Jo 6.37-39).

O CUMPRIMENTO DO SACRIFÍCIO

O sacrifício de Cristo teve efeitos permanentes, não transitórios, como os do Antigo Testamento. O animal do sacrifício do Antigo Testamento era representante do pecador. Mas Cristo não foi nosso representante e sim nosso precursor, como lemos em 6.20 (“Aonde Jesus, como precursor, entrou por nós, feito sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque”). Isto quer dizer que ele foi o primeiro a adentrar a presença de Deus, no lugar santíssimo, como Sumo Sacerdote. Assim, todos nós somos sacerdotes e podemos adentrar a presença de Deus, como lemos em 10.19-25: “Tendo pois, irmãos, ousadia para entrarmos no santíssimo lugar, pelo sangue de Jesus, pelo caminho que ele nos inaugurou, caminho novo e vivo, através do véu, isto é, da sua carne,  e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo o coração purificado da má consciência, e o corpo lavado com água limpa, retenhamos inabalável a confissão da nossa esperança, porque fiel é aquele que fez a promessa; e consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, não abandonando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia”. O sacerdote do Antigo Testamento tinha que se purificar primeiro, como lemos em Levítico 16.4 (“Vestirá ele a túnica sagrada de linho, e terá as calças de linho sobre a sua carne, e cingir-se-á com o cinto de linho, e porá na cabeça a mitra de linho; essas são as vestes sagradas; por isso banhará o seu corpo em água, e as vestirá”). Cristo não precisou, porque era puro, mas inaugurou o caminho, abriu-o para nós, e assim permite que sejamos sacerdotes de nós mesmos, ou seja, podemos nos apresentar a Deus. Neste sentido, o sacrifício se Cristo se cumpriu de tal maneira que passamos a ter acesso pleno a Deus.

CONCLUSÃO

O sacrifício de Cristo nos livrou da morte e nos possibilitou a vida eterna. É único, singular e irrepetível. Quem crê nele está salvo para sempre e passa a ter acesso pleno a Deus. Por isto, ele é melhor que os do Antigo Testamento. Por isso, cumpramos o texto de 10.22-25: “Cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo o coração purificado da má consciência, e o corpo lavado com água limpa, retenhamos inabalável a confissão da nossa esperança, porque fiel é aquele que fez a promessa; e consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, não abandonando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia”.

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