Isaltino Gomes Coelho Filho
Uma ovelha que aprendi a amar e respeitar como bom crente em Jesus comentou comigo sobre o livro “Alma sobrevivente”, de Philip Yancey, cujo subtítulo é “Sou cristão, apesar da igreja”. Yancey mostra os pecados de alguns crentes do passado. A pessoa falou sobre isso e citou Martin Luther King Jr. e seu pecado rotineiro. Mas esta ovelha, crente firme e fiel, não comentou como fofoca ou para denegrir a imagem dos alistados na obra. Foi conversa de amantes de livros.
Tenho esta obra e outras mais de Yancey, como “O Jesus que eu nunca conheci”, que muito me edificou, e “O Deus (In) visível” e “Maravilhosa graça”, que eu lera antes, em inglês (“What´s so amazing about grace?”), emprestado por uma ex-ovelha. Gostei tanto que o adquiri em português, que é meu idioma. Yancey é um homem de Deus e não quero contestar suas obras, embora discorde da expressão “sou cristão apesar da igreja”.
Explico-me e espero ser entendido antes que me escalpelem. Eu amo a igreja. De todo coração. Nela encontrei Jesus. Nela Deus me vocacionou, aos 15 anos, para o ministério, que abracei há 39 anos. Nela encontrei minha esposa, dediquei meus filhos e tive a glória de batizá-los. Nela meus filhos encontraram seus cônjuges. Nela meu neto foi dedicado a Deus. Como pastor há anos, e procurando ser um homem sério, sei das falhas da igreja. Mas aqui reside a questão: as falhas são dela, como igreja, defeitos de formação, ou são pecados de pessoas, como eu e como seus críticos?
Tenho apontado desvios de conduta teológica e ética de segmentos da igreja. Mas sei distinguir entre a igreja de Jesus, como um todo, e pessoas que formam a igreja de Jesus. Os defeitos dos líderes que Yancey aponta não são, porventura, defeitos de muitos de nós? É a igreja, como instituição, ou somos nós, que a compomos?
Martin Luther King Jr. cometeu certo tipo de pecado que a maioria de nós não comete. Mas olhemo-nos: e a fofoca? E a amargura? E a omissão? E a crítica desapiedada? E a ganância? E a violência camuflada de zelo? E o ódio contra discordantes de nossas posições? Recebo alguns e-mails que parecem mais de jagunços que de crentes em Jesus. E a busca de domínio nos bastidores? É moda jogar pedra na igreja, como se ela fosse a Geni, do Chico Buarque, mas quem tem autoridade moral para fazer isso, o Senhor Jesus, não faz. Ele continua a amá-la e a se manifestar ao mundo através dela. Quanto aos demais, lembro as palavras de Jesus: “Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra” (Jo 8.7). Que membro da igreja pode acusá-la? Quem é o pecador que pode apontar o dedo contra o corpo de Cristo? Porque a igreja local é corpo de Cristo, sim, senhores (1Co 12.27).
A ótica está equivocada. Não é “Sou cristão apesar da igreja”. Por que, quem sou? Que diferença faço? O que importa o que sinto sobre a igreja, diante do propósito eterno de Deus para ela? Mas eu sou igreja! Fui salvo por Jesus e agregado à sua igreja. A ótica correta é “A igreja sobrevive apesar de mim”. Porque ela é tão boa ou tão ruim quanto eu e você formos. Ela somos nós. Ela é a soma de nós todos.
Recebi um e-mail de uma pessoa me pedindo ajuda. É filho de pastor e foi crente fiel, mas agora estava com problemas espirituais. As obras de três pastores brasileiros, especialistas em desconstruir a igreja e hábeis em combatê-la, contribuíram para isso. Citou-os nominalmente. Que triste! Uma ovelha do Senhor está se afastando do redil porque três pastores ajudaram o inimigo! Cabem aqui as palavras de Jesus: “É impossível que não venham tropeços, mas ai daquele por quem vierem! Melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho e fosse lançado ao mar, do que fazer tropeçar um destes pequeninos” (Lc 17.1-2). Nenhum desses pastores tem conduta imoral. Sem falsa modéstia, são até mesmo melhores crentes que eu, pelo que os conheço. Mas, se não têm os pecados dos personagens de Yancey e se gostam de dizer que apesar dos defeitos da igreja ainda estão nela, prejudicaram um irmãozinho. Afastaram-no da igreja e o levaram ao esfriamento espiritual. Serviram de tropeço para alguém por quem Cristo morreu. Apesar deles, e apesar de mim, no entanto, a igreja sobrevive. Os erros que nós, pastores, cometemos e os erros que muitos crentes cometem, não impedem a marcha da igreja. Nós, pastores, precisamos pedir muito pedir a Deus que não machuquemos a igreja, mesmo que alguns dentro dela nos machuquem. E que não falemos mal dela, mesmo que alguns dentro dela nos caluniem. Fomos chamados para amar e servir a igreja, não para espancá-la!
Na sua visão de Deus, Isaías não apostrofou o povo, mas primeiro chorou pelo seu pecado. Quando Esdras soube dos pecados dos líderes de Judá não orou dizendo “Eles pecaram!”, mas disse “Nós pecamos!”. Isaías viu primeiro seu pecado. Esdras não foi conivente com o pecado alheio, mas solidário e assumiu as falhas do grupo como suas.
O fantástico com a igreja é que ela sobrevive apesar de nós. Nós, que pecamos e escandalizamos o mundo. Nós, que ferimos nossos irmãos. Nós, que apontamos, com sadismo espiritual, os pecados dos outros, e esquecemos os nossos. Numa festa, na casa de uma pessoa crente, eu conversava com um empresário que batizei. Ele estava com dificuldades em permanecer na igreja, após minha saída, porque ela tomara outra direção. O dono da casa chegou e, ouvindo trecho da conversa, desfechou críticas sarcásticas contra a igreja. O empresário, crente novo, não conhecendo bem nosso anfitrião, perguntou: “Ele é crente mesmo?”. Quando confirmei, ele apenas disse: “Meu Deus, quanto ódio!”.
Não me ponho como juiz nem quero fazer um artigo como o livro de Yancey, “Sou crente apesar dos outros”. Confesso que falhei muito como pastor, e que não sou digno de ser pastor. Mas faço um apelo: cuidado com as críticas ao rebanho de Jesus. Disse Jesus: “O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir” (Jo 10.10). Há muito membro de igreja fazendo o papel do ladrão, roubando a honra da igreja, matando a fé de irmãos mais fracos e destruindo a obra do Senhor.
O correto não é “Sou cristão apesar da igreja”. O correto é “Apesar de minhas falhas, de meus pecados, de minhas críticas destrutivas e de minha falta de colaboração, a igreja de Jesus continua sua marcha”. E continuará até o dia em que ele acertará as contas conosco: “Digo-vos, pois, que de toda palavra fútil que os homens disserem, hão de dar conta no dia do juízo. Porque pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado” (Mt 12.36). Que esta advertência do Senhor modere nosso falar.