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A COMPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO E O EVANGELHO DE MATEUS

Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho para grupos de estudos bíblicos

COMPOSIÇÃO

O Novo Testamento se compõe de 27 livros, assim divididos:

4 evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas  – chamados de sinóticos – e João)

1 livro histórico (Atos)

13 cartas de Paulo (Romanos, 1 e 2Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses e Colossenses, 1 e 2Tessalonicenses, 1 e 2Timóteo, Tito – estas três chamadas de “pastorais”-  e Filemon)

1 livro de autoria desconhecida (Hebreus)

5 cartas gerais (Tiago, 1 e 2Pedro, 1, 2 e 3João e Judas)

1 apocalipse (Apocalipse ou Revelação)

Presume-se que 1Tessalonicenses tenha sido o primeiro documento escrito, no ano 46 de nossa era. O Apocalipse, o último, cerca do ano 95. Talvez um pouco antes. Pode haver pequenas divergências quanto às datas e à ordem de produção dos livros, mas em geral é isto que se afirma. Todos foram escritos em grego comum, que era a língua mais falada no mundo, na época. Um crítico da Nova Tradução da Linguagem de Hoje disse que esta tradução era a “vulgarização” do texto bíblico. Pois bem, ele acertou. O texto bíblico foi escrito em grego vulgar, não no grego clássico.

  1. O EVANGELHO DE MATEUS

Começamos pelo evangelho de Mateus. O evangelho não declara quem é seu autor, mas a Igreja sempre o atribuiu a Mateus. No primeiro século já se sabia quem era seu autor.  Por isso, esta questão não se discute e se dá como certa. A provável data de sua redação se deu entre os anos 62 e 70. Sabe-se que foi antes de 70 porque nesta época o templo foi destruído, e os judeus e cristãos (ainda tidos como seita judaica) foram expulsos da Palestina.

  1. QUEM FOI MATEUS?

Seu nome, em aramaico, é Mattatyah, que significa “dom de Iahweh”.   Ele aparece nas quatro listas de discípulos (Mt 10.3, Mc 3.18, Lc 6.15 e At 1.13). Ele mesmo se chama de “publicano” (Mt 10.3), que era um cobrador de impostos a serviço de Roma. Era um judeu colaboracionista com o poder estrangeiro dominante. Os publicanos eram muito mal vistos.  Mas ele não tem vergonha do seu passado. Marcos e Lucas o chamam de Levi (Mt 9.9, Mc 2.14 e Lc 5.27). Presumem os estudiosos que eles quiseram evitar dizer que ele era publicano e usaram seu nome judeu. Mas ele mesmo fez questão de dizer que fora publicano, que Jesus o mudara. Inclusive ele deu uma festa para Jesus (Mt 9.10 e Mc 2.14-15). Jesus mudou radicalmente a sua vida: transformou-o de cobrador de impostos, a serviço do Império Romano, a apóstolo (representante) do Grande Rei, a serviço do reino que nunca se extinguirá. Tinha mesmo que dar uma festa. E nos ensina uma boa lição: nunca devemos nos envergonhar de nossa fé, mas até mesmo fazer questão de mostrá-la. Sua vida foi mudada radicalmente. Os publicanos, que cobravam impostos como queriam e embolsavam uma boa parte, eram muito ricos (Lc 19.2). Ele deixou tudo por Cristo. Parece ter entendido a lei da cruz, da qual escreveu (Mt 16.24-26). Ele assumiu o desafio de Jesus que ele registrou em sua obra. Dos discípulos, ele foi o que mais tinha a perder. As redes e os barcos continuariam esperando pelos pescadores, mas ele rompeu com o Império Romano. Não tinha para onde voltar. E não teria espaço entre seus compatriotas.

  1. PLANO DE TRABALHO

A finalidade do primeiro evangelho é mostrar que Jesus é o verdadeiro Messias prometido no Antigo Testamento. Isto já fica bem claro em 1.1. Sabia-se que o Messias viria da linhagem de Davi (Ez 34.23-24). O Messias mostrado por Mateus não seria um guerreiro, mas o Salvador (1.21). Este Salvador originaria um novo povo, maior que Israel (21.43). Isto porque a revelação que ele trouxe é maior que a revelação trazida por Moisés (5.17, 5.21-22, 5.27-28, 5.31-32, 5.33-34, 5.38-39). Observe que ele cumpriu a lei (ela se cumpriu nele e ele opôs sua autoridade à de Moisés). Ele era maior que Moisés. Veja 17.4-5: é ele quem deve ser ouvido. Não são Moisés (simbolizando a Lei), nem Elias (simbolizando os profetas), os dois figurando o Antigo Testamento. Este é o plano de Mateus: Jesus é o Salvador prometido e traz uma revelação nova e superior. O tempo de Moisés passou. Uma observação se faz necessária para um bom entendimento: Mateus é tópico e não cronológico.  Ele não faz um relato dos acontecimentos em ordem, mas apresenta tópicos que comprovam sua tese.

  1. A MENSAGEM CENTRAL DO LIVRO

A mensagem central do primeiro evangelho é simples, podendo ser definida numa curta sentença gramatical: “É chegado o reino dos céus”. Veja 3.2 e 4.17.  Como era judeu, Mateus evita usar o nome de Deus e em vez de “reino de Deus” usa “reino dos céus”. Jesus disse que o reino chegou com sua pessoa: 12.28. Jesus veio estabelecer o reino.

  1. UM ESBOÇO DE MATEUS

Para “visualizarmos” o evangelho, eis um esboço de Mateus:

(1)   Nascimento e infância do Messias – 1.1 a 2.23

(2)   Preparo do Messias para seu ministério – 3.1 a 4.11

(3)   Grande ministério na Galiléia – 4.12 a 13.58

(4)   O ministério das retiradas do Messias – 14.1 a 18.35

(5)   O Messias vai a Jerusalém para sofrer e morrer – 19.1 a 20.34

(6)   Últimos dias do Messias – 21.1 a 28.20

Observe que a maior parte do ministério de Jesus aconteceu na Galiléia, a região mais desprezada de Israel. Por isso ele foi chamado de “galileu” (26.69). Isto não era um elogio, propriamente.

  1. OS CINCO GRANDES DISCURSOS DE MATEUS

Embora no esboço acima não apareçam os “cinco grandes discursos” de Mateus (o esboço é abreviado), é comum referir-se a eles como sendo parte co conteúdo da argumentação do evangelista. Estes discursos são: (1) o sermão da montanha (caps. 5 a 7); (2) a obra dos discípulos especiais (9.35 a 11.1); (3) o reino dos céus (11.2 a 18.35); (4) o texto infantil (18 e 19); (5) o discurso escatológico,  ou o discurso do fim (24.1 a 26.2). Vamos comentar cada um, abreviadamente, para dar uma compreensão do conteúdo teológico de Mateus.

  1. O SERMÃO DA MONTANHA

É considerado como “a constituição do reino”. Jesus assume a posição de “Mestre”, ao sentar (5.1-2). Os mestres tinham uma cadeira, onde se assentavam (Mt 23.1). Ele apresenta as bases de seu reino, a essência do ensino ético. Aqui se mostra como o cidadão do reino deve proceder. É a interpretação que ele faz da Lei, tirando-a do nível de obrigações religiosas e colocando-a em nível de relacionamentos, tanto com Deus como com os homens. No sermão da montanha se destaca o texto que se chama de “o sumo bem” (6.33) e “a lei da semeadura e colheita” (7.12). Ele termina mostrando que a base do novo tempo que ele veio inaugurar, o reino de Deus que chegou com ele, é a sua palavra: 7.24-27. A partir de agora, é a sua palavra que vale. A multidão ficou encantada com este discurso: 7.28-29. Aliás, o sermão da montanha é considerado como a mais bela construção de ensino religioso de todas as religiões mundiais. Nada pode ser comparado a ele. Segundo os estudiosos, ele está repleto de aramaísmos (expressões típicas do aramaico) mostrando que o texto grego foi traduzido de anotações de um discurso em aramaico. É falsa a idéia de que foi uma criação da igreja primitiva para uma ética de emergência, pois ela esperava Jesus voltar de uma hora para outra. Aliás, isto seria uma farsa, pois o texto diz claramente que Jesus o pronunciou. Cuidado com a “erudição teológica”, que muitas vezes apenas reflete um liberalismo teológico que não tem coragem de se declarar como tal.

  1. A OBRA DOS DISCÍPULOS ESPECIAIS

Os discípulos são enviados, com instruções específicas (10.5-42), e ele vai para outro lugar. Este momento é importante: Jesus não é mais um pregador solitário, mas é um mestre portador de uma mensagem que seus discípulos começam a espalhar pelas cidades vizinhas. O evangelho começa a se alastrar. Graças a Deus por isso!

  1. O REINO DOS CÉUS

É o maior trecho dos discursos.  O capítulo 13 é chamado de “o capítulo das parábolas do reino”. São sete (número perfeito) e mostram todo o processo do reino de Deus. Nelas se pode ver o reino em semeadura (semeador), em obra de falsificação pelo “inimigo” (joio e trigo), seu crescimento (mostarda e fermento), alguém que o acha por acidente (tesouro escondido), alguém que o acha após procura (a pérola de grande valor), e, por fim, a parábola da rede  mostra a sua consumação. É o reino desde sua semeadura (Jesus, os discípulos, a Igreja) até o fim do mundo (13.40). Uma radiografia histórica (ou parabólica) do avanço do evangelho. De um começo insignificante (um grão de semente de mostarda) à mais frondosa das árvores, de maneira que não se detém (as raízes da árvore rebentam pedras e calçadas), até a volta do Filho. O reino é expansivo e contagioso. E será vitorioso. Ninguém pode deter o reino de Cristo.

  1. O TEXTO INFANTIL

Começa com crianças (18.2) e depois fala da bênção das crianças (19.13-14). O irmão que é escandalizado é chamado por “pequenino” (18.10). Os novos convertidos são considerados como “pequeninos” ou “crianças”.  Esta palavra reaparece em 18.14. A conduta do credor incompassivo é de criança e não cristão maduro. Não se trata de associar os fiéis com gente infantil, mas com gente dependente e que deveria ser respeitada. Jesus antecipou, em muito, o que hoje se pretende com o cuidado com as crianças, que naquela época não tinham grande valor.

10.  O ENSINO SOBRE O FIM

Este texto é chamado de “o pequeno apocalipse”. Contém as palavras de Jesus sobre o fim (24 a 26). No texto de 24.1-14 se misturam a destruição de Jerusalém (ano 70) com o fim da história, algo ainda a acontecer. Em 24.15-28 se trata do fim de Jerusalém, novamente. De 24.29 em diante,volta-se a falar do fim da história.  As parábolas das acompanhantes da noiva (25.1-13) e dos talentos (215.14-30) tratam do tempo do fim.  É importante notar o maior sinal do fim da história: 24.14. A maior indicação da volta de Jesus não são desgraças nem terremotos, mas um vigoroso incremento na obra da evangelização mundial.

11.  UM PARÚNTESIS

Os capítulos 21 e 22 tratam da rejeição de Israel a Cristo e como Deus escolheu um novo povo, para substituir Israel. Em 20.1-16, o trabalhador da última hora representa os gentios.  O templo é purificado por Jesus (21.12-17) mostrando que o judaísmo está corrompido e só a presença de Jesus poderia limpá-lo. A figueira infrutífera é Israel (21.18-22). Ela não tem os frutos que Iahweh esperava.  Alguns interpretam que “este monte” no v. 21 é o monte Sião, onde estava o templo. O judaísmo seria jogado fora. Pessoalmente, não assumiria esta interpretação, mas entendo-a como fazendo sentido. A parábola dos dois filhos mostra o contraste. O primeiro filho é Israel (21.29) que se comprometeu, mas não obedeceu. O segundo são os gentios, que não quiseram o primeiro ordenamento, mas acabaram indo (21.30). Veja o resultado das atitudes dos dois em 21.31. A parábola dos lavradores maus é a mais dura de todas as contadas por Jesus.  Em 21.39 ele chega a mostrar que os judeus o matariam fora da cidade de Jerusalém (como se faziam com os criminosos).  Veja, novamente, sua declaração em 21.43. A atitude da liderança religiosa dos judeus mostra que eles entenderam bem o recado: 21.45-46. Este foi o golpe que eles mais sentiram, e a partir daí selaram o destino de Jesus. É impressionante o poder do ódio religioso. As pessoas religiosas podem nutrir o pior tipo de ódio, o ódio que elas dizem ser em nome de Deus.

12.  A PÁSCOA E A CEIA

É um dos poucos relatos da vida e dos ensinos de Jesus que estão presentes nos quatro evangelhos. Em Mateus está em 26.17-30.  “O meu tempo está próximo” (v. 18) é a expressão chave para se entender corretamente o episódio. Estava chegando o tempo da sua morte.  Em Lucas 22.15 lemos “desejei ardentemente comer esta páscoa convosco”. A páscoa era uma festa familiar (Úx 12.3). Comia-se com a família. Aqui nasce a Igreja. Ela é a família de Jesus. A expressão “sangue do pacto”, em Mateus 26.28, alude ao pacto feito com Israel, na páscoa, quando Israel foi tomado como povo de Deus. A Igreja é o novo povo de Deus e é uma família. Em Lucas 22.20, o pacto é chamado de “novo pacto”.  Compare isto, cuidadosamente, com o texto de Hebreus 8.6-13. Aliás, é oportuno, mais tarde, ler os capítulos 8 a 10 de Hebreus, com bastante reflexão. Nada de flerte com o judaísmo nem com o sistema religioso do Antigo Testamento. O Calvário substitui o Sinai, e Jesus substitui Moisés. Nós somos filhos do Novo Testamento.

13.  A PAIXÃO DE JESUS

Chama-se assim ao relato de sua prisão e morte.  Começa com a agonia do Getsêmani (Mt 26.37) e vai até o capítulo 27, com seu sepultamento. É o momento mais comovente dos evangelhos.  A cruz não foi um acidente. Veja os textos de 26.54, 27.9, 27.35. O que os fariseus no seu fanatismo não conseguiram enxergar, um pagão enxergou:  27.54. O evangelho vai chegando ao fim mostrando os gentios se convertendo, mostrando a presença das mulheres (sempre inferiorizadas no judaísmo) como se vê em 27.55-56, 61 e 28.1. Aliás, a primeira adoração a Jesus, em Mateus, é de gentios (2.11). E a primeira pessoa de quem se fala, após a genealogia de Jesus, é uma mulher (1.18). Embora escrevendo para judeus, Mateus mostra que o evangelho rompe os limites do mundo religioso da época: aceita os gentios e valoriza a mulher.

14.  A RESSURREIÇÃO

“Tomaram precaução com o seu sepulcro, mas tudo foi em vão para o reter” (hino 140 HCC, 2ª estrofe).  Veja a precaução tomada pelos judeus em 27.62-66. Mas a ação de Deus se vê em 28.2-4 (até os guardas enviados pelos judeus viram os anjos e ouviram seu testemunho). A ressurreição de Jesus foi algo que trouxe um grande impacto na época. Houve muitas testemunhas: 1Coríntios 15.3-8. A ressurreição de Cristo é a pedra de toque do cristianismo (1Co 15.14 e 17). E é a garantia de que a nossa também acontecerá: 1Coríntios 15.20-26. O cristianismo é a única religião que faz firme declaração de que se fundador ressuscitou.

A ressurreição de Jesus é a garantia e o elemento de autoridade para que a Igreja pregue seu evangelho por todo o mundo: 28.18-20. Ele recebeu toda “autoridade”. No grego esta palavra é exoussía que significa “direito de mandar, poder de domínio ou governo”. Era uma outorga de alguém. O Pai outorgou esta autoridade ao Filho. Lembre-se de Filipenses 2.8-11 (vale a pena ler o texto, agora).  E exatamente porque tem esta autoridade, ele ordena que sua Igreja vá pregar seu evangelho em “todas as nações” e promete estar com ela “até a consumação dos séculos”, quando ele virá para encontrá-la e levá-la consigo. A Igreja deve ser evangelística e missionária. O mundo precisa ouvir falar de Jesus.

Mateus começa falando de Abraão (1.2) a quem a aliança foi proposta por Deus (Gn 12.1-2). A seguir, fala de Jesus, que é mostrado como o autor e o mediador de melhor aliança e mostra que a grande nação de Gênesis 12.2 é a Igreja.  Numa época de negação do evangelho e de uma volta a Levítico, em muitas igrejas, é oportuno recordar isto: nós é que somos os verdadeiros filhos de Abraão (Gl 3.7), que foi um crente e não um judeu (Gl 3.9).  A Igreja é o novo povo de Deus, herdeira e sucessora da eleição de Israel. Não há salvação na legislação religiosa do Antigo Testamento. Só há salvação em Jesus. Só Jesus Cristo salva. O judaísmo não é meio cristianismo. É obsoleto.

Assim termina a história prometida em Gênesis 12: a semente de Abraão germinou em Cristo. E deu ao mundo a árvore frondosa que se chama Igreja de Jesus Cristo. Nesta árvores estamos nós. Nela nos abrigamos.

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