“Melquisedeque abençoou Abrão, dizendo: ´˜Abrão seja abençoado pelo Altíssimo Deus, que criou o céu e a terra! Seja louvado o Altíssimo Deus, que entregou os inimigos de você nas suas mãos!´. Aí Abrão deu a Melquisedeque a décima parte de tudo o que havia trazido de volta”. (Gênesis 14.19-20)
Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
Um encontro histórico: o pai da fé, o homem que Deus chamou de “meu amigo” (Isaías 41.8) e o primeiro rei conhecido de Jerusalém, aqui chamada apenas de Salém, provavelmente, na época, uma pequena fortificação com umas poucas casas ao redor. Séculos depois, o autor de Hebreus desenvolverá um raciocínio brilhante para provar a superioridade do cristianismo sobre o judaísmo. Este se estruturava sobre o sacerdócio levita, e o cristianismo, sobre o sacerdócio de Jesus. O sacerdócio levita vem de Abraão (Levi descendeu dele), e o de Jesus, de Melquisedeque. A ordem sacerdotal de Melquisedeque não existiu no judaísmo, mas a figura vem daqui, deste encontro. Melquisedeque abençoou Abraão e recebeu dízimos de Abraão. Quem abençoa é maior que o abençoado, e quem recebe os dízimos é maior que quem os dá. Neste sentido, Melquisedeque é maior que Abraão. Da mesma maneira, os sacerdotes derivados deles, Jesus e Levi, mantêm a mesma ordem: Jesus é maior que Levi. O sacerdócio de Jesus é superior ao sacerdócio levita.
Deixando este aspecto, que é importante, mas não é nosso foco no momento, fixemo-nos em algo: o texto nos mostra, neste encontro, o primeiro dizimista da história. É Abraão. O dízimo não é da Lei, pois esta foi entregue a Israel quatrocentos e trinta anos depois de Abraão (“O que eu quero dizer é o seguinte: Deus fez uma aliança com Abraão e prometeu cumpri-la. A Lei, que foi dada quatrocentos e trinta anos depois, não pode quebrar aquela aliança, nem anular a promessa de Deus” – Gálatas 3.17). A Lei incorporou uma prática já existente, como a guarda do sábado, por exemplo, que já era praticada antes da Lei. Antes de a Lei existir, o dízimo já era praticado.
Abraão não foi judeu porque nasceu antes do reino de Judá. Foi crente: “De modo que os que são da fé são abençoados com o crente Abraão” (Gálatas 3.9, Versão Revisada). Seu relacionamento com Deus foi todo ele pautado pela fé. Não praticou o dízimo em cumprimento à Lei, mas em um contexto de gratidão. É assim que a Bíblia apresenta o assunto dízimo: não um ato de obediência forçada, mas em um momento de gratidão, de reconhecimento de um homem de que foi abençoado.
O princípio permanece no Novo Testamento. Barnabé não deu o dízimo, mas deu tudo. É verdade que foi num contexto muito específico, mas ele foi além do que a Lei prescrevia. Sob a Graça, a responsabilidade deve ser maior. E para uma pessoa agradecida a Deus, o dízimo não se constitui em problema. Menos ainda para uma pessoa rendida a Deus. O modelo neotestamentário, de gratidão, foi bem desempenhado pela igreja da Macedônia: “Também, irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus que foi dada às igrejas da Macedônia; como, em muita prova de tribulação, a abundância do seu gozo e sua profunda pobreza abundaram em riquezas da sua generosidade. Porque, dou-lhes testemunho de que, segundo as suas posses, e ainda acima das suas posses, deram voluntariamente, pedindo-nos, com muito encarecimento, o privilégio de participarem deste serviço a favor dos santos; e não somente fizeram como nós esperávamos, mas primeiramente a si mesmos se deram ao Senhor, e a nós pela vontade de Deus” (2Coríntios 8.1-5).
Aqueles cristãos não viram a contribuição como um fardo nem usaram de racionalizações para dela se omitirem. Pediram a Paulo, com insistência, que os deixasse contribuir. Parece que Paulo se impressionou com a pobreza deles e quis liberá-los de contribuição. Eles insistiram com ele que queriam contribuir. A razão não foi teológica, se era prática da Lei ou da Graça. Foi porque “primeiramente a si mesmos se deram ao Senhor”. Eles deram a vida, que é o maior. Quem é dá o maior, que é a vida, dá o menor, que são os bens. Neste sentido, o dízimo não é problema para quem se deu ao Senhor.
Oscar Martin Jr., amigo que está com o Senhor, grande mestre em mordomia, dizia que a diferença entre o fariseu do tempo de Jesus e o fariseu do tempo de hoje é que o fariseu de ontem dava o dízimo, mas não dava o coração. O de hoje, alega dar o coração, mas não dá o dízimo.
Abraão não deu o dízimo para ser abençoado. Deus não pode ser subornado. Deu o dízimo porque foi abençoado. A Deus se agradece. Não apenas com palavras, mas com a vida e com os bens. Se você nunca foi abençoado, não seja dizimista mesmo. Mas se o foi (se tem a salvação, por certo que o foi) seja dizimista. Faça como Abraão. Como disse Thomas Morus, em O homem que não vendeu a sua alma: “Não é uma questão de obediência, mas uma questão de amor”. Dízimo não é um ato legal. É um ato de amor. E de gratidão. Abraão ensinou isto.