Isaltino Gomes Coelho Filho
Eu pastoreava em Manaus, quando presenciei este episódio um tanto quanto insólito. Tão insólito que preciso reafirmar que aconteceu mesmo. Morava, na ocasião, próximo à Praia da Ponta Negra, no Condomínio dos Advogados. Ia para casa. À minha frente, entre muitos, seguiam dois veículos que me chamaram a atenção. Ambos traziam adesivos evangélicos colados nos vidros traseiros. Um deles dizia: “Nenhuma maldição chegará a tua casa” e o outro, “Manaus é do Senhor Jesus”. Em determinado momento, por uma dessas circunstâncias de trânsito que não se consegue explicar, os dois quase colidiram lateralmente. O “Nenhuma maldição”, irritado, deu uma buzinada forte à qual o “Manaus é do Senhor Jesus” retrucou com outra, não menos forte nem menos longa.
Chegamos a um semáforo onde fomos obrigados a parar, os dois lados a lado, e eu atrás de um deles. Neste instante, o “Maldição” gritou alguma coisa (que não deve ter sido propriamente um elogio) que obteve pronta resposta do “Manaus”. Que também não deve ter sido um elogio. Acho que as mães dos dois, que nada tinham a ver com a história, a não ser tê-los gerado, receberam algumas palavras um tanto depreciativas. Pouco depois vinha um quartel, próximo a uma praça, onde “Maldição” e “Manaus” seguiram rumos diferentes, mas não sem antes trocarem gestos obscenos e seguirem sua viagem, ambos irritados.
Os dois motoristas, que deviam ser evangélicos, trocaram maldições mútuas e não mostraram que as vidas deles eram do Senhor Jesus. E, para agravar a história, reluzentes, nos vidros traseiros, os adesivos: “Nenhuma maldição chegará à tua casa” e “Manaus é do Senhor Jesus” depunham contra suas atitudes. A mim não escandalizou porque já vi tantas coisas que fica difícil me escandalizar. Mas se algum irmãozinho novo na fé estivesse no meu lugar, ficaria, no mínimo, perplexo.
Não sei se é triste ou ridícula, mas a história mostra algo que muitos de nós desconsideramos: não se professa fé apenas no momento do culto. Não se pode ser cristão apenas dentro de um prédio chamado igreja, num momento chamado de culto. É-se cristão na vida, no cotidiano, mas mínimas, nas médias e nas máximas coisas. Quando assume um volante, um cristão não perde sua identidade. Pelo contrário, deve exibi-la. Se não, é hipócrita.
A história nos mostra também a compreensão equivocada que muitos têm sobre o que é ser cristão. Para elas, seguir a Cristo é questão de rótulos, adesivos, gestos, frases estereotipadas . Não adianta dizer “paz no Senhor” e fazer guerra no trânsito. Não adianta chamar os outros de “amado no Senhor” e tratá-los aos palavrões. A conduta cristã deve ser exibida em todas as circunstâncias. Em casa, no trabalho, nos estudos e no trânsito. A verdadeira vida cristã é a que vivemos fora do prédio onde a igreja se reúne. A igreja mostra que é igreja quando testemunha de Jesus, com sua vida, no mundo.
A história pode até parecer engraçada. Na realidade, é deprimente. O “Nenhuma maldição” e o “Manaus é do Senhor Jesus” são duas figuras ridículas. Nem deveriam existir em nossas igrejas. Que nenhum de nós seja como eles. Cai mal “pra dedéu”, como diz o amazonense.