Mateus 5.6
Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
Publicado originalmente na revista “Você”.
De todas as necessidades básicas do homem, beber e comer são as mais fortes. Basta dizer que, sem o atendimento a elas, morremos. Fome e sede são expressões de que estas necessidades, comer e beber, precisam ser atendidas. Jesus diz que é bem-aventurado quem tem fome e sede, mas não de água e de comida, mas de justiça. Estranho, não é? No entanto, esta bem-aventurança é de uma profundidade sem par para o nosso tempo. Mas o que significa, exatamente? Temos fome e sede de comida e de água. Mas de justiça, o que significa? Como é possível isto?
FOME E SEDE
É de justiça que se fala. Mas comecemos por “fome e sede”. Este é o grau de intensidade pela justiça. Ela deve ser desejada em nível de fome e sede.
A fome era um fantasma a assombrar a humanidade naqueles tempos. Ainda hoje ela é o grande inimigo do homem, mas nos tempos bíblicos foi devastadora e matou milhares de pessoas. A Bíblia relata vários casos, sendo as mais famosas as do tempo de Abraão (Gn 12.10), a que veio sobre o mundo no tempo de José (Gn 41.52) e a do tempo de Rute (Rt 1.1). No Novo Testamento, temos o registro de uma fome mundial profetizada por Ágabo (At 11.28). A fome era conhecida do homem do Oriente antigo. Some-se a pobreza a isto. As pessoas mal tinham o que comer. Pragas de insetos, secas, guerras, a pobreza do solo na região, tudo isto contribuía para uma vida de escassez de alimentos.
Mas a sede também era terrível e assustadora. Aquela era uma região seca, árida mesmo. Uma região de desertos. Não se encontrava água com facilidade, a ponto de ter que lutar por ela (Gn 26.15, 18-21). A sede não era de boca seca, mas era questão de sobrevivência. Nós não sabemos o que é passar fome. Nem o que seja lutar por água. Basta dizer que nas grandes cidades vemos pessoas varrendo as calçadas com jatos d´água. E muitos de nós deixamos comida no prato. Assim podemos ter dificuldades sobre o que Jesus está dizendo. Ter fome e sede de algo é desejar uma coisa com todas as forças, como se a vida dependesse daquilo.
A bem-aventurança é para famintos e sedentos. Mais uma vez Jesus está falando dos desfavorecidos. Mas, de uma maneira curiosa. O que julgamos ser ruim (fome e sede) recebe dele uma boa aplicação. É elogiado. Não é bem-aventurado, feliz, que está de barriga cheia, mas sim quem estiver de barriga vazia, roncando de fome. Se tivermos sensibilidade aprenderemos boas lições desta estranha afirmação.
JUSTIÇA
Não é fome de comida nem sede de água. Fome e sede de justiça. Mas havia justiça naquela época! O sinédrio, uma instituição que administrava a vida social dos judeus, a ministrava com rigor. Além disto, Roma, a potência que domina os judeus, era muito severa na aplicação de suas leis (Lc 12.58). E para o judeu, havia um juiz maior, como podemos ler em Gênesis 18.25, em que Deus é chamado de “o Juiz de toda a terra”. Sempre houve justiça. Mas fica a pergunta: se havia justiça, por que Jesus diz que ela deve ser desejada como quem está faminto e sedento, como se fosse algo raro, que estivesse em falta?
O termo “justiça”, na Bíblia, tem um sentido maior que o de tribunal. Tem também um significado religioso. E este é maior que o de tribunal. Em Gênesis 15.6 encontramos a palavra “justiça” pela primeira vez, na Bíblia: “E creu Abrão no Senhor, e o Senhor imputou-lhe isto como justiça”. A justiça de Abrão (assim chamado naquele momento) veio porque ele creu. Ora, Mateus escreve seu evangelho para judeus. Estes se orgulhavam de serem filhos de Abraão (Jo 8.32 e Mt 3.9). Mas qual foi a glória de Abraão? Abra sua Bíblia e leia Romanos 4.1-3 e João 8.56-58. Abraão recebeu a justiça de Deus (foi justificado por Deus) porque creu. Esta é a mensagem central do ensino de Paulo, como podemos ler em Romanos 5.1: “Justificados, pois, pela fé…”. Receber a justiça de Deus era ser justificado, ou seja, era ser declarado inocente por Deus. Era ser aceito por ele. Abrão se tornou totalmente de Deus porque creu. Esta é a mensagem central do protestantismo e dos evangélicos: somos justificados pela fé. Somos declarados inocentes, perdoados, aceitos por Deus, quando cremos em Jesus Cristo. Abraão já exultava na esperança que Cristo traria (Jo 8.56).
É bem-aventurado quem deseja isso, ser perdoado e aceito por Deus, ardentemente, como alguém faminto, prestes a morrer de sede. Folgazões e levianos não acham Deus. Só os muito interessados, como lemos em Jeremias 29.13: “Buscar-me-eis, e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração”. Os grandes místicos e santos do passado foram pessoas aflitas com sua situação espiritual. Elas encontraram Deus numa dimensão mais profunda que as demais pessoas porque o desejaram com fome com sede. Você quer mesmo conhecer a Cristo? Quer ter uma vida rica e profunda, com ele? Isto acontecerá quando deixar de ser um vago desejo e se tornar matéria de profundo anseio, como alguém prestes a morrer de fome e de sede anseia por comida e por água. É por isso que muita gente frequenta igreja por anos, e nada acontece em sua vida. Está na igreja ou vai aos cultos, mas não busca ardentemente ter a vida perdoada por Deus. Não basta ter o hábito de ir à igreja. É preciso ter fome e sede da presença de Deus, do perdão de Deus, da sua justiça.
Você quer Deus, quer ser perdoado, quer receber a justiça, ou vai à igreja por obrigação, e para fazer algazarra? É tempo perdido. É enganar-se a si mesmo e zombar de Deus. Só podemos nos aproximar dele como fome e com sede dele.
SERÃO FARTOS
Jesus não diz que serão apenas saciados. Diz que serão fartos. Isto é, que terão de sobra. É como se dissesse que tais pessoas ficariam empanturradas. Que lição nosso Salvador nos deixa! Deus nunca dá nada racionado aos seus filhos. Sempre dá com fartura. Leia Efésios 3.20 e preste bastante atenção no texto: “Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pensamos ou pedimos, segundo o poder que em nós opera”. Deus tem muito mais para nos dar e para fazer em nossa vida do que pensamos ou pedimos.
A nossa justificação pode ser maior do que pensamos. Eis o que diz João 10.10b: “Eu vim para que tenham vida, e vida com abundância”. E você deve crer nisto: se deseja uma experiência com Deus, procure ter um sentimento profundo, de fome e de sede. Você terá uma grande experiência com Deus.
Como fariseu que era, Paulo de Tarso queria agradar a Deus. Isto lhe bastava. Mas, quando lemos 1Coríntios 15.9-10 vemos em sua palavra tão sincera que Deus tinha algo mais para ele. Não bastava, para Deus, que ele fosse salvo. O Senhor lhe reservara uma glória muito maior, que era trabalhar para Cristo. Como sua vida foi rica e como marcou milhares de pessoas, ao longo da história!
Se você tiver fome e sede de justiça, de ser perdoado e aceito por Deus, se aproximar-se dele não em ato de rotina, mas com paixão, com fome e com sede, que grandes coisas ele poderá fazer em sua vida!
CONCLUSÃO
Muitos adolescentes, inclusive em nossas igrejas, optaram por uma vida medíocre, seguindo a ilusão do mundo ou conformando-se em serem membros de igreja com uma vida sem brilho. Sua vida é muito preciosa para ser desperdiçada e para você colocar suas maiores emoções no banal e no trivial. Ame sua vida e use-a bem. Tenha fome e sede de justiça. Tenha fome e sede de Cristo. Tenha fome e sede de ser útil. Você terá uma vida farta e rica, com ele.
Não leve uma vida fútil. Seja brilhante. Os que têm fome e sede de realidades espirituais brilham e iluminam muita gente. Que seja assim com você. Seja um faminto e um sedento de Deus. Você será saciado.