“Abrão creu no Deus Eterno, e por isso o Eterno o aceitou” (Gênesis 15.6)
Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
A justificação pela fé não é uma invenção da Reforma. Lutero não criou a doutrina. Ele a redescobriu, no meio dos desvios doutrinários e das superstições do catolicismo de sua época. A doutrina também não surgiu com o Novo Testamento. Está no Antigo Testamento. Abraão é o primeiro de quem a Escritura diz que foi justificado pela fé. A versão de Almeida traduziu assim: “E creu Abrão no Senhor, e o Senhor imputou-lhe isto como justiça”. O Senhor o justificou porque ele creu.
Já vimos que Abraão não foi judeu, mas crente, como lemos em Gálatas 3.9: “De modo que os que são da fé são abençoados com o crente Abraão” (Versão Revisada). Por isso ele é chamado de “o pai da fé”. Sua vida inteira foi uma vida de fé: “Foi pela fé que Abraão, ao ser chamado por Deus, obedeceu e saiu para uma terra que Deus lhe prometeu dar. Ele deixou o seu próprio país, sem saber para onde ia. Pela fé ele morou como estrangeiro na terra que Deus lhe havia prometido. Viveu em barracas com Isaque e Jacó, que também receberam a mesma promessa de Deus. Porque Abraão esperava a cidade que Deus planejou e construiu, a cidade que tem alicerces que não podem ser destruídos” (Hb 11.8-10). Não confiou em suas riquezas, mas unicamente em Deus.
O homem é aceito por Deus por causa da graça de Deus. Mas é aceito quando crê. É o famoso “pela graça (…) por meio da fé”, de Efésios 2.8. A graça é Deus oferecendo. A fé é o homem recebendo. Graça é a mão de Deus que se estende para dar. Fé é a mão do homem que se estende para receber. Graça são os braços abertos de Deus. Fé é o homem lançando-se neles. Graça é Deus dizendo “Venha”. Fé é o homem dizendo “Eu vou!”. Graça é o chamado. Fé é a resposta.
Isto parece trivial? Pode ser, mas deve ser sempre relembrado porque tem sido esquecido por um bom número de cristãos. E duas lembranças devem ser feitas, a propósitos.
A primeira é que é graça e não mérito. Repudiamos a noção de salvação pelas obras, do catolicismo, bem como a noção de salvação pelo sofrimento e prática da caridade dos espíritas. Mas aceitamos a insidiosa ressurreição das indulgências medievais, que o baixo-evangelho tem efetuado. Toleramos a idéia de que Deus abençoa quem contribui para determinada igreja e que é preciso contribuir para ser abençoado. Nesta ótica Deus é visto como um proprietário de bênçãos que estabeleceu alguns intermediários para receberem o dinheiro por ele. E alguns desses “intermediários” cobram polpudas comissões. Devemos contribuir por amor à obra, mas não para compramos o favor de Deus. Deus não se deixa subornar. Não é dinheiro que ele quer. É fé.
A segunda é que não é fé na fé. “Eu tenho muita fé!”, bradará alguém. E daí? Isso não basta. É fé numa pessoa, Jesus Cristo. Alguém poderá perguntar: “Mas Abraão creu em Jesus? Isso é forçar a barra!”. Responderei que sim, que Abraão creu em Jesus e que isto não é forçar a barra. Citarei o próprio Jesus: “Abraão, o pai de vocês, ficou alegre ao ver o tempo da minha vinda. Ele viu esse tempo e ficou feliz” (Jo 8.56). E o autor de Hebreus corrobora isto: “Todos esses morreram cheios de fé. Não receberam as coisas que Deus tinha prometido, mas as viram de longe e ficaram contentes por causa delas. E declararam que eram estrangeiros e refugiados, de passagem por este mundo” (Hb 11.13). A grande esperança de Abraão não era aquela terra. Era algo mais, algo maior. Melhor dizendo, alguém maior. O justificado é aquele que se rende a alguém maior que ele, Jesus.
Abraão creu. Não experimentou uma vaga sensação de bem-estar ou um etéreo sentimento de confianças. Creu contra toda esperança e creu em algo maior que ele e que bens materiais. Sua fé nao consistia de palavras de ordem, mas era uma obediência irrestrita, não por medo e sim por amor. Tanto que, nesta obediência não hesitou quando seu filho Isaque foi pedido por Deus. Por isso ele foi grande. Kierkegaard disse bem a respeito de Abraão: “Pois aquele que se amou a si mesmo foi grande por sua pessoa; quem amou a outra pessoa foi grande porque se deu; porém que amou a Deus foi maior que todos” (Temor e tremor, p. 36). Na raiz da justificação está a graça de Deus, mas seu caule é o amor ao Deus da graça manifestada em Jesus.
O justificado pela fé permanece seguro. Não se queixa nem teme. Mais uma vez Kierkegaard: “Abraão não nos deixou lamentos” (p. 37). Porque quem crê é submisso, e sabe que não precisa se queixar. Tudo está nas mãos de Deus. Ele controla. Ele decide. E o que ele decidir, isso deve ser acatado. Trará grande paz ao coração.
A justificação é pela fé. O justificado anda pela fé. Fé evidente em obediência, não em gestos dramáticos ou expressões piegas, mas muitas vezes epidérmicas, superficiais mesmo. Quem crê obedece. Quem crê é submisso. Quem crê se rende. E descansa porque foi justificado e aceito por Deus. Sua vida passa a ser de Deus, que cuidará dele.