Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
“Eu vos preveni sobre esses acontecimentos para que em mim tenhais paz. Neste mundo sofrereis tribulações, mas tende fé e coragem! Eu venci o mundo” (João 16.33, King James).
Poucas coisas são tão equivocadas como o triunfalismo da pregação neopentecostal. O evangelho se torna mensagem de auto-ajuda, a cruz é substituída pelo trono e Jesus, por Lair Ribeiro. Tal pregação ignora a tensão entre o já e o ainda não. Jesus Cristo já inaugurou o reino de Deus, mas este ainda não se consumou. O mundo por vir, com sua transformação escatológica, já teve suas bases lançadas, mas ainda não chegou. Já somos filhos de Deus, temos bênçãos indescritíveis para nós reservadas, mas elas ainda não se manifestaram em sua totalidade porque ainda não entramos na plena liberdade dos filhos de Deus. Satanás já foi vencido, porque Jesus entrou em seus domínios e o amarrou, libertando-nos do seu poder e domínio, mas ainda não foi subjugado por completo.
Esta tensão tem sido ignorada em muitas análises da vida e teologia cristãs. E esta ignorância tem permitido o surgimento de muito exotismo doutrinário. Ainda não chegamos ao céu, vivemos num mundo que “jaz no Maligno” (1Jo 5.19), e somos a igreja militante, e não a triunfante. Como disse Kierkegaard, em uma oração: “Aqui no mundo não é lugar da tua Igreja triunfante, mas somente da Igreja militante… Se ela cisma dever triunfar neste mundo… ela desaparece, pois que se confundiu com o mundo… Estejas tu, então, com a tua Igreja militante, de modo que jamais venha a acontecer (e esta é a única maneira possível) que ela seja cancelada da face da terra por ter-se tornado Igreja triunfante” (Das profundezas, p. 84.).
Enquanto está aqui, a igreja é militante. Como diz o belíssimo hino 504 do HCC, em correta teologia: “Em meio aos sofrimentos que vive a enfrentar/Espera a igreja santa um dia triunfar/Pois a visão gloriosa enfim se cumprirá/E a igreja vitoriosa em paz repousará”. Sim, igreja triunfante só no céu. Somos a igreja militante.
Temos vitórias, superamos dificuldades, triunfamos sobre crises, mas ainda estamos batalhando. Este mundo não é uma penitenciária, onde purgamos nossa sentença de vidas passadas, como querem alguns. É o belo mundo de Deus, embora não seja o paraíso. Neste belo mundo de Deus, “sofrereis tribulações”, disse Jesus. A vida não se compõe apenas de triunfos. Há percalços. Tombos, arranhões e machucados sérios. A estrada para a Jerusalém celestial não tem apenas montanhas. Há vales. Há depressões. Não há como viver sem se machucar. Riobaldo Taturana, personagem de Guimarães Rosa, disse isso: “Viver é muito perigoso”. Antes dele, Mr. Dalloway, em Virginia Woolf, já dissera: “… Sempre sentira que era muito perigoso viver, por um só dia que fosse”.
A vida cristã não é menos perigosa: “O Diabo, vosso inimigo, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem devorar” (1Pe 5.7).O Salvador nos chamou a tomarmos a cruz para segui-lo, e não o trono. Por isso, mais cautela e menos açodamento. Ao invés de dizer “Eu sou filho do Rei e mereço o melhor”, é prudente dizer: “Eu sigo a Cristo, tenho a promessa do melhor, em alguns momentos desfrutarei do melhor, mas tenho o pior dos inimigos me caçando”. E se preparar para a luta.
Se você estiver passando por dificuldades e enfrentando grande crise, examine a situação com objetividade. Se for culpa sua, arrependa-se. Diz Pedro: “Mas nenhum de vós sofra como homicida, ladrão, praticante do mal, ou como quem se intromete em negócios alheios” (1Pe 4.15). Conserte a vida. Ponha-a em ordem. Mas se sofre por sua fé, eis a continuação da palavra de Pedro: “Entretanto, se sofrer como cristão, não se envergonhe disto; antes glorifique a Deus por meio desse nome” (1Pe 4.16).
Sofrer não é pecado nem falta de fé. Faz parte da vida. E em alguns momentos é inevitável a quem segue a Cristo. Jesus disse que teríamos “tribulações”. O termo grego usado por João é thlipsis, com a idéia de aflição, opressão e adversidades. Se você é mesmo um crente em Jesus Cristo e tomou a cruz, por certo que sofrerá. Jesus sofreu. Mas ele mesmo diz: “mas tende fé e coragem! Eu venci o mundo!“. Lute sempre. Um dia, você, que é membro da igreja militante, receberá sua recompensa como igreja triunfante.