Isaltino Gomes Coelho Filho
Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós. E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão (Mt 7.1-5).
Publicado originalmente pela revista “Você”. Publicado no site por deferência da revista.
Esta palavra de Jesus tem sido usada por muita gente como se fosse uma cobertura para seus erros. Quando se tenta corrigir alguém ou se mostra seu erro, a pessoa logo se lembra desses versículos e os usa. Pode não lembrar de nenhum outro, mas desses lembrará. Numa igreja, um irmão cometera vários erros e seu nome foi levado para disciplina, na assembléia. Logo se levantou uma pessoa e citou esta passagem. É isto que Jesus está ensinando, que devemos fechar os olhos aos erros alheios? Nós não podemos ter senso crítico, e avaliar a conduta e o ensino das pessoas? Devemos concordar com tudo e fechar os olhos a todos os erros?
Em vários lugares, a Bíblia nos exorta a avaliarmos as pessoas e as mensagens que recebemos. Desta maneira, esta palavra de Jesus não deve ser vista como um impedimento a sermos críticos e analíticos. Entre as várias declarações, basta-nos a de 1João 4.1: “Amados, não creiais a todo espírito, mas provai se os espíritos vêm de Deus; porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo”.
É oportuno também lembrarmos que um dos dons que o Espírito Santo deu à igreja foi o discernir espíritos, exatamente para ela não ser enganada (1Co 12.10). Isto mostra que deve haver avaliação e devemos notar o que está errado. Afinal, a igreja julgará até os anjos: “Não sabeis vós que havemos de [julgar ]os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida?” (1Co 6.3).
Como entender, então, esta palavra de Jesus, que muita gente usa para se proteger ou proteger alguém errado?
Jesus deixa algumas pistas do que significa sua palavra e faremos bem em prestar atenção, em nosso desejo de sermos obedientes a ele, e evitarmos erros de interpretação da Bíblia.
A primeira pista é que seremos avaliados, assim como avaliamos. Então, há avaliação, e quem avalia (ou julga) deve lembrar que está sujeito a isso, também. Muitas pessoas gostam de emitir opinião sobre a vida alheia, e por vezes se acham acima da crítica e do julgamento dos outros sobre elas. Mas, diz Jesus: “com a medida com que medis vos medirão a vós”. É bom sabermos que também estamos sob avaliação e que não podemos presumir que não seremos vítimas de comentários. Quando Tiago aconselhou os crentes a não desejarem ser mestres (posição de liderança na igreja), ele disse que tais pessoas seriam julgadas com mais severidade (“Meus irmãos, não sejais muitos de vós mestres, sabendo que receberemos um juízo mais severo” – Tg 3.1). Quem está em evidência é mais visto pelas pessoas e avaliado também por Deus com mais rigor. Comentar a vida alheia ou emitir opinião sobre as pessoas nos coloca em evidência, e faz com que sejamos julgados com mais zelo. Afinal, estamos mostrando capacidade de discernir e efetuar avaliação crítica. Devemos aplicar isso à nossa própria vida! O juízo para nós será mais rigoroso! Quando criticamos negativamente algo na vida de alguém, estamos condenando aquilo. Não faz sentido que o pratiquemos!
A segunda pista é que ao repararmos na vida dos outros devemos reparar na nossa. Criticar algo na vida alheia e ter coisa pior na nossa é como reparar um cisco no olho da pessoa e não ver um galho no nosso. Muitas vezes criticamos nos outros aquilo que não gostamos em nós, mas nos calamos quanto ao nosso erro. Fica sendo uma espécie de compensação: criticamos o que não gostamos, e isso nos alivia um pouco. É como se acalmássemos nossa consciência, dizendo: “Eu faço, mas não concordo! Sei que está errado, tanto que critico!”. Mas mesmo assim seremos julgados!
A terceira pista é que devemos cuidar de nós mesmos para podemos aconselhar aos outros: “Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão”. Jesus não diz para ignorarmos o que há com o irmão, mas diz para acertarmos primeiro nossa própria vida. Somos responsáveis uns pelos outros, para ajuda mútua, para apoio e para solidariedade. Não somos chamados a viver isolados, como se fôssemos ilhas. Mas nunca devemos ser pessoas com comentários destrutivos ou fazendo “fofocas” sobre a vida de nossos irmãos. Os comentários devem ser feitos com as pessoas (e não com outras, sobre elas), depois de termos posto ordem em nossa própria vida, para ajudá-la. Esta observação de Jesus se ajusta bem com a palavra de Paulo: “Irmãos, se um homem chegar a ser surpreendido em algum delito, vós que sois espirituais corrigi o tal com espírito de mansidão; e olha por ti mesmo, para que também tu não sejas tentado” (Gl 6.1). Corrija e se cuide, diz Paulo! Cuide-se para corrigir, diz Jesus. São os dois lados da mesma moeda. São palavras que se completam.
Quando notarmos eventuais falhas na vida das pessoas não devemos comentar para acusá-las ou destruí-las, mas para ajudá-las. O ensino de Jesus no sermão do monte não é para “fazermos vistas grossas” a tudo, mas sim para que não nos tornemos julgadores das pessoas, sem procurar orientá-las. E evidente isto requer que estejamos com a vida acertada para poder ajudar a pessoa.
Podemos resumir esta palavra de Jesus nos seguintes termos: reparar os erros alheios para jogar pedra nas pessoas, isso nunca. Aquela multidão de pecadores do episódio da mulher adúltera (Jo 8.1-8) queria apedrejá-la, mas nenhum deles tinha condições de fazê-lo. O único que tinha tais condições era Jesus, e ele não apedrejou, mas perdoou a mulher e a exortou para levar uma vida correta. Nós não devemos falar mal da vida dos outros nem apedrejá-los, mas ajudar, sim. E para isso, precisamos cuidar de nossa vida.
São três oportunas orientações para o seguidor de Jesus: não falar mal, cuidar de si mesmo e ajudar os outros. Se agirmos assim, o mundo será bem melhor.