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DINHEIRO? PRA QUE DINHEIRO?

Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

            Não se preocupem. Não se trata do samba do Martinho da Vila. Fui reler alguns clássicos da literatura universal. Aproveitei para ler Robinson Crusoé, de Daniel Defoe. É uma obra tão marcante que foi apontada como o início do romance como gênero literário. Alguns críticos optam por O castelo de Otranto, de Horace Walpole, em 1764. Outros, por D. Quixote, de Cervantes, em 1605. Mas em 25 de abril de 1719 veio à lume a obra The life and the surprizing adventures of Robinson Crusoe, ou, como nos ficou, em português: Robinson Crusoé. Se o romance não se inicia com ele, pelo menos o romance inglês inicia.

            Seu autor, Daniel Defoe, tinha poucas letras, o que lhe valeu muito sarcasmo de Jonathan Swift, autor de As viagens de Gulliver. Tinha quase 60 anos, e escreveu a obra para ganhar dinheiro, por estar mal de finanças. O livro se baseia nas aventuras reais de um escocês Selcraig, que foi abandonado na ilha de Juan Fernandez, onde ficou sozinho quase cinco anos. É uma obra de ficção, mas Defoe se valeu de muitos dados reais. Até fez Robinson Crusoe morar cinco anos no nordeste brasileiro, onde Selcraig também esteve. Mas é interessante que um homem pouco letrado tenha escrito uma obra da literatura universal. Ele escrevia tão bem que outro romance seu, Diário do ano da peste, sobre uma peste em Londres, foi visto com um relato jornalístico. Até Oto Maria Carpeaux assim o considerou, na obra História da literatura universal. Só que na época da peste Defoe tinha apenas cinco anos.

“Tudo bem”, dirá alguém. “E o dinheiro, pra que dinheiro?”.  Foi a atitude de Crusoe quando foi ao navio em destroços, em busca de alguma coisa que o ajudasse na sobrevivência. Ele precisava de pólvora, ferramentas, cordas, sementes, vasilhas. Como o personagem do filme O náufrago, que encontrou muitos cocos na ilha, mas que não tinha como abri-los. Serrotes, pregos, cordas, tecidos, todas essas coisas lhe eram bens valiosos. Mas, no cofre do navio, achou muito dinheiro, que naquela ocasião nada lhe valia. Disse ele: “De que você me adianta? Não tem valor nenhum para mim, nem sequer vale o esforço de apanhá-lo do chão; uma dessas facas vale toda essa pilha…”. Assim Robinson Crusoé deixou o dinheiro no navio, encharcado e se deteriorando. Dinheiro? Pra que dinheiro?

Sim, de que lhe valia dinheiro? O que faria com ele? Muitas das coisas que nos parecem tão essenciais não são absolutas! Em Não verás país nenhum, Inácio de Loyola imagina S. Paulo destruída por uma guerra nuclear. Não havia mais energia, mas as pessoas custaram a abandonar seus carrões. Como fez Pat Franklin,  em Ai, Babylon, que traça o mesmo quadro, nos Estados Unidos. As pessoas trocavam seus carros por abridores de latas.

Adolescentes brigam com os pais pelo celular mais moderno, e pelo netbook, porque  o notebook é muito grande. Adultos com cabeça de adolescente precisam do novo carrão para exibir aos colegas, como prova de seu sucesso profissional. Dá gosto parar o carrão zero no estacionamento da igreja, e depois exibir os bancos de couro, o GPS, o câmbio automático! Como Deus tem abençoado este irmão! Exibem-se Ipod, fones de ouvido, tantas coisas sem as quais não nos sentimos realizados! Se outros as têm e nós não, ficamos como pessoas ultrapassadas. Ou mal sucedidas! Queremos ser gente que está no topo!

Muitos de nós somos materialistas! Ao invés de usar coisas, nós as exibimos. Alguns até dão nomes de pessoas aos seus carros! Quer maior pessoalização da matéria? E muitos crentes e igrejas são materialistas! Nas igrejas, buscam-se bênçãos materiais, e não mais santidade. A frase é batida, mas real: “ter” está sendo mais importante que “ser”.  Muitos crentes amam mais as coisas que a Deus, e associam espiritualidade com posse de bagulhos nem sempre necessários.  Um pastor me disse que se sente entre indignado e envergonhado com os pedidos de oração que ouve nos cultos de sua igreja.  Segundo ele, é “materialismo grosseiro, bem camuflado”. E citou um, em que a pessoa pedia que Deus orientasse na compra de uma lancha maior, mais possante, que o casal pretendia fazer. Por que, dizia ele, o casal não orou pedindo a Deus que o orientasse na escolha de missionários para investir neles? Ainda segundo ele, a maior parte dos crentes, na realidade, está dizendo a Deus: “Dá-me mais coisas!”. Como Raquel a Jacó: “Dá-me filhos ou morro!”, eles dizem: “Dá-me coisas senão eu morro!”.  Você ouve alguém clamar por santidade, “sem a qual ninguém verá ao Senhor”, em nossos cultos de oração?

Foi preciso uma catástrofe na vida de Robinson Crusoé, para que ele, que desejava muito ficar rico, visse que o dinheiro não era o valor supremo. Um serrote valia mais que todo o dinheiro que ele via ali. Não à tôa, Crusoé se converte, na ilha, e, mais tarde, tinha a leitura da Bíblia e a oração como sua primeira atividade. E mesmo tendo que trabalhar horas a fio construindo sua sobrevivência, separava tempo para ler a Bíblia e orar três vezes ao dia. Assim conseguiu sobreviver ao desastre emocional, que acompanhou seu naufrágio.

Talvez seja preciso muitos naufrágios emocionais na vida de muitos crentes e de muitas igrejas para entenderem que Deus, e não Mamom, é o bem supremo da vida. Não deixe, amigo leitor, que isto suceda com você. Dinheiro não é o bem supremo da vida. Nem mesmo saúde. O bordão “Saúde é o que interessa, o resto não tem pressa”, do Paulo Cintura, é bobagem. Estar bem com Deus é o que interessa. O resto se ajeita, porque é resto mesmo. Deus é o valor supremo da vida. “Buscai primeiramente o reino de Deus e a sua justiça, e todas as demais coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).

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