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O OCIDENTE AMA A VIOLÚNCIA

  • por

Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

Buthaina Shaban, porta-voz do governo sírio, fez uma observação que merece ser ponderada, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”(16.9.11). Sua última frase foi esta: “O problema do Ocidente é que eles amam a violência”.  Daí o “Folha” ter colocado a manchete que é o título deste artigo.

Numa rima pobre, mais aliteração que rima: o Ocidente está doente. O sintoma maior é o amor pela violência. Tanto a ama que faz dela entretenimento, como se vê em muitos filmes e em músicas que a apologizam. Os telejornais a exploram à saciedade. Um apresentador deste tipo de programa, tempos atrás, estava furioso porque não havia um morto para exibir. O ferido sobrevivera. Quando sucede um crime que chama a atenção,  logo enfileiram crimes semelhantes, criando um clima mórbido, doentio.  Alguns segmentos da mídia não informam. Exploram a miséria. O que dita a pauta não é a informação, mas o mercado, regido pelo ibope. Darcy Ribeiro afirmou: “Hoje, quem determina o que se divulga, e com que se calor se divulga qualquer coisa, não são os jornalistas, é o caixa, é a gerência dos órgãos de comunicação. E esta só está atenta às razões do lucro”  (O Brasil como problema, p. 51).

 

O amor à violência não é sadio. E sua presença nas artes (músicas e filmes, mais acentuadamente) é prova disso. Aumentam a violência. Para alguns, a mídia e as artes não fazem isso, não a aumentam. Apenas retratam o que há na sociedade. A exibição da violência  seria um reflexo das ações violentas da sociedade, e não sua causa. Sobre isso, fica a palavra de Medved, crítico de cinema. Diz ele que os produtores pretendem influenciar o público, por meio dos valores que veiculam, e dos personagens que apresentam, em seus filmes (Hollywood versus America: popular culture and the war on traditional values). E critica os que negam isto, chamando-os de hipócritas. Negam que seu produto cultural influencia crenças e comportamentos, mas apresentam produtos, de maneira subliminar, e recebem prêmios por promoverem tendências culturais e bens de consumo (Cinema e fé cristã, de Godawa, p. 17).

 

O fato é que promoção do mal encontra eco no coração humano a ponto de se misturarem tendência e causa. Apesar de várias explicações sociológicas e psicológicas, a razão principal me soa esta: o fascínio pelo mal que existe no homem é porque o homem é mau. Ele é pecador. “Contudo, o SENHOR observou que a perversidade do ser humano havia crescido muito na terra e que toda a motivação das idéias que provinham das suas entranhas era sempre e somente inclinada à prática do mal” (Gn 6.5-6). E “Reconheço que sou pecador desde o meu nascimento. Sim, desde que me concebeu minha mãe” (Sl 51.5).

 

O mito da bondade humana se disseminou entre nós. Contaminou a Igreja e muitos púlpitos, que pararam de falar de pecado e de conversão, e adotaram a tônica do direito das pessoas à felicidade, delineada em ter bens materiais, saúde plena e ausência de problemas relacionais. Nada mais se fala de dever. As pessoas só têm direitos, não deveres. A Igreja era a única reserva moral, no sentido de chamar as pessoas ao arrependimento, abandono do pecado e submissão a um valor absoluto, Deus e sua Palavra. Correntes teológicas liberais minaram o fundamento de um Absoluto, dando-nos tudo como relativo (o famoso “olhar do outro”) e descontruindo a autoridade das Escrituras, subordinando-as à sua visão cultural.  O Ocidente está doente porque é pós-cristão e neopagão. E boa parte da Igreja de Cristo agravou sua enfermidade, com um diagnóstico errado.

 

Emil Brunner (Christianity and civilization) argumentou sobre a singularidade do momento ocidental: nunca antes uma civilização importante tentou construir-se sem fundamentos religiosos. Por trás de todo suporte civilizatório sempre houve uma fundamentação religiosa, fosse islamita,  hindu, budista ou cristã. Este suporte religioso fez com que a civilização se tornasse maior que o indivíduo e ele se inserisse no grupo e aceitasse orientação. Hoje temos o culto ao indivíduo, que se sobrepõe a tudo. Com isso, as pessoas perderam até a noção de ridículo. Há programas de televisão, tipo “mundo cão” que mostram aonde a individualidade exacerbada nos levou. Num deles, um sujeito exultava porque sua esposa o traíra com seu irmão e fugira com ele. Foi seu momento de glória, seus quinze minutos de fama, como disse Andy Warhol (“No futuro todos serão famosos por quinze minutos”). O ex-ministro Nelson Jobim disse que “os idiotas perderam a modéstia”. Perderam a compostura também, Jobim. Perderam a noção de pudor, e só existe o “eu” para atender. Até nas igrejas: a intercessão cedeu lugar à reivindicação dos direitos. O dever de se congregar, de sustentar a obra, de investir em missões, de deixar marcas de uma vida produtiva foi posto de lado. O humorista Stanislaw Ponte Preta disse certa vez: “Ou se restaure a  moralidade ou locupletemo-nos todos”, falando da corrupção política. Estamos na fase de nos locupletarmos todos, no sentido de nos satisfazermos, até em muitos cultos.

 

Há uma doença moral, em nossa cultura, mas seu fundo é espiritual. Num dia em que reescrevia este artigo, mais uma vez,  pela manhã assisti a um programa de tevê sobre travestis prostitutos. Foram mostrados como pessoas boas, incompreendidas, vítimas de preconceitos da sociedade (o grupo sempre é mostrado como mau e o indivíduo como bom) e os discordantes e críticos de seu comportamento (porque se prostituíam em frente às suas casas, e ali armavam cenas constrangedoras) eram preconceituosos, trogloditas culturais.

 

Algo desperta minha curiosidade. Gostaria de ter mais dados sobre isso. Tem conexão com a expressão de Paulo, “Deus os entregou”, em Romanos 1.24, 26 e 28. Como os pagãos se afundaram na imoralidade, desprezando Deus, este os abandonou. O Ocidente está mergulhando no paganismo. Deus o está deixando se afundar e indo embora. Cito Wells: “A verdade é que o cristianismo está deixando o Ocidente. Na América, ele está estagnando, mas na África e na América Latina e em partes da Ásia multiplica-se rápida e abundantemente, pelo menos estatisticamente… A face do cristianismo está mudando. Já não é mais primariamente nortista, européia e anglo-saxã. Sua aparência é subdesenvolvida. É predominante um rosto do hemisfério sul, jovem, quase iletrado, pobre e bastante tradicional. A questão sobre a qual os ocidentais devem ponderar é por quê. Por que, apesar dos melhores esforços para a acomodação cultural na América, Deus parece levar sua obra para outro lugar?” (Coragem para ser protestante, p. 53). Para Wells, bem como para Brunner, o termo “ocidental” alude aos Estados Unidos e Europa, o primeiro mundo. O segundo e terceiro mundo lhes são algo à parte. Para argumentação, sigo sua linha.

 

À parte o preconceito de Wells (iletrados e subdesenvolvidos coisa nenhuma!), ele diz algo que eu venho pensando: o cristianismo está voltando às suas origens, tornando-se pobre e do terceiro mundo. Está deixando de ser uma cultura para ser uma fé viva ao redor de uma pessoa que revelou Deus em sua vida, sendo ela o próprio Deus. Como disse Halverson: o cristianismo surgiu na Palestina como uma comunhão de homens e mulheres ao redor de uma pessoa. Depois migrou para Roma, e se tornou uma instituição. De lá ganhou a Europa  e se tornou uma cultura. Chegou aos EUA, onde se tornou um negócio. Descaracterizou-se. Sua volta às origens deve ter algum significado que me escapa.

 

O cristianismo liberal tentou um modus vivendi pacífico com a cultura, para não ser chamado de retrógrado. Morreu. As denominações tradicionais e as igrejas mais conservadoras experimentam crescimento. Apesar de teólogos e eclesiólogos liberais continuarem tentando matar a Igreja ou reinventá-la de acordo com sua perspectiva reducionista, a Igreja moldada pelo Novo Testamento ainda cresce.

 

Quanto da doença do Ocidente não é porque ele rejeitou Deus e Deus o abandonou aos seus deleites? Quanto da parcela de culpa da decadência moral da sociedade não é culpa de igrejas que deixaram de ser referência moral e se tornaram agências de recreação espiritual? A cultura ocidental agoniza. Filosoficamente é um caos. Teologicamente é moribunda.  A chamada “teologia da prosperidade” não merece o rótulo de “teologia”. É um materialismo egoístico, que com o liberalismo teológico e o abandono dos grandes pilares da fé cristã, está minando a saúde espiritual da Igreja. Um evangelho descaracterizado, uma Bíblia lida como metanarrativa e uma fé desengajada, sem visão histórica, produzem igrejas doentes. A Igreja ocidental está doente.  E se a Igreja adoece, o mundo morre. Precisamos insistir na pregação de Cristo crucificado, poder de Deus para salvação dos pecadores arrependidos. Precisamos voltar a falar de pecado e da necessidade de arrependimento, e que em Cristo Deus nos dá uma nova vida. Para que a Igreja viva. E para que o mundo tenha esperança. Sem o evangelho não há esperança.

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