Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
Preparada para a 1ª. Conferência da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, Subseção Mesquitense, Mesquita, RJ, 9.9.11
INTRODUÇÃO
Falar para pastores e lÃderes sobre temas do momento provoca-me dois tipos de percepção. Um é que alguns pensam que precisamos entender o nosso tempo para nos encaixarmos nele e também encaixarmos nele a nossa mensagem. Parece que este é o sentimento mais comum. Já me deixei dominar por ele, em tempos idos. Outra percepção é que devo me firmar mais nas raÃzes bÃblicas e encaixar o tempo em que vivemos dentro dele. É este o sentimento que me conduz.
Tempos atrás, falei num congresso de pastores de outra denominação sobre o tema “Como deve ser o pastor do século 21?â€. Pus as cartas na mesa na primeira sentença gramatical: “Exatamente como deveria ser o pastor do século 20, o do século 18, o do século 15 e o do século primeiroâ€. E coloco as cartas na mesa, logo no inÃcio, também aqui. Nosso foco não deve ser um ajuste do que pregamos aos novos tempos, mas sim como pregar a mensagem de sempre aos novos tempos. Quando focalizou tempos futuros, os do fim, Paulo não prognosticou nenhum conteúdo diferente a Timóteo, mas exortou-o à firmeza: “Na presença de Deus e de Cristo Jesus, que julgará todos os seres humanos, tanto os que estiverem vivos como os que estiverem mortos, eu ordeno a você, com toda a firmeza, o seguinte: Por causa da vinda de Cristo e do seu Reino, pregue a mensagem e insista em anunciá-la, seja no tempo certo ou não. Procure convencer, repreenda, anime e ensine com toda a paciência. Pois vai chegar o tempo em que as pessoas não vão dar atenção ao verdadeiro ensinamento, mas seguirão os seus próprios desejos. E arranjarão para si mesmas uma porção de mestres, que vão dizer a elas o que elas querem ouvir. Essas pessoas deixarão de ouvir a verdade para darem atenção à s lendas. Mas você, seja moderado em todas as situações. Suporte o sofrimento, faça o trabalho de um pregador do evangelho e cumpra bem o seu dever de servo de Deus†(2Tm 4.1-4, NTLH).
O fundamental, para mim, não são os tempos em que vivemos, mas o que pregamos ao nosso tempo. O conteúdo independe do tempo, não pode ser ajustado a época e a cultura alguma. Judeus e gregos tinham cosmovisões  completamente diferentes, mas a igreja pregava aos dois grupos o mesmo evangelho. Tanto que lemos em 1CorÃntios 1.23-24: “Mas nós anunciamos o Cristo crucificado – uma mensagem que para os judeus é ofensa e para os não-judeus é loucura. Mas para aqueles que Deus tem chamado, tanto judeus como não-judeus, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deusâ€. Era o mesmo evangelho e seu teor não fazia sentido para qualquer dos grupos. E isto não abateu a Igreja. Ela não teve dois evangelhos, um para cada cultura.
Mas parece que hoje temos uma preocupação muito grande em desvestir o evangelho da sua loucura e adorná-lo com a sabedoria humana. A preocupação de muitos pregadores é como torná-lo palatável ao incrédulo. Querem fazer com que o evangelho tenha sentido para o homem pecador. Mas ele continua sem sentido para os pecadores. Nossa tarefa é pregá-lo assim mesmo, na convicção de que o EspÃrito Santo tem poder para convencer o mundo do pecado, da justiça e do juÃzo. Nossa tarefa não é tornar nossa mensagem aceitável. É pregar a mensagem, mesmo que pareça inaceitável. O evangelho não pode ser adaptado a tempos, culturas e gostos. Quando tentamos fazer isto, produzimos o que se vê hoje, uma balbúrdia incrÃvel no cenário evangélico. E um evangelho água com açúcar, que tem mais o rosto de Lair Ribeiro que o de Jesus.
1. MAS É ERRADO ANALISARMOS NOSSO TEMPO?
Não, não é errado. É até necessário. O erro se dá quando analisamos o tempo em que vivemos, e com essa análise formamos uma maçaroca intelectual e queremos ver o que da BÃblia podemos aproveitar para não ferir a maçaroca que fizemos. Em termos mais elegantes: submetemos a BÃblia ao escrutÃnio do nosso tempo, e não o oposto. Prego para auditórios diversificados: intelectuais e gente de roça, estudantes e operários, senhores sisudos e jovens álacres. Mudo as ilustrações. Mudo a forma de me dirigir ao auditório, mas sempre falo da salvação que vem pela obra vicária de Cristo. Este é o tema.
Continuo com cartas na mesa: a BÃblia é o microscópio pelo qual examinamos a cultura secular. Ela não é um objeto que analisamos pela cultura secular. Ela é senhora e não serva; é juÃza e não ré, palavra última e não palavra penúltima.
Com tudo isto, quero dizer que nossa maior necessidade não é a de conhecimento de nosso tempo, mas sim de firmeza nas Escrituras para analisarmos nosso tempo por ela. Se nossos ouvintes gostarão, se acharão que é insensatez dizer que o destino eterno deles depende da resposta que darão à obra que um homem fez numa cruz, num lugarejo obscuro, há dois milênios, isso não importa.
Conhecer nosso tempo é bom se isto mostra o terreno onde lançaremos a semente. Mas é um ato equivocado determinar a essência da semente pelo terreno. Na parábola do semeador havia tipos diferentes de solos. Mas não havia tipos diferentes de sementes. Nossa semente é o evangelho de Jesus, na certeza de suas palavras: “Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão†(Mc 13.31). E para quem acha que isto é ultrapassado, que precisamos de refinamento cultural, e não de uma mensagem tão retrógrada, lembro outras palavras de Jesus: “Porque qualquer que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se envergonhará o Filho do Homem, quando vier na sua glória e na do Pai e dos santos anjos†(Lc 9.26). Muitos não querem ser vistos como ultrapassados, e refinam a mensagem para torná-la atraente ao mundo atual.
Definidas estas coisas, quero lhes falar sobre como o obreiro de tempos pós-modernos deve se posicionar. Sei o que é pós-modernidade. Poderia discorrer sobre ela. Em meu site (www.isaltino.com.br) há uma apostila sobre o assunto. Mas o obreiro de um mundo pós-moderno não deve se mirar nos moldes do mundo e sim nos moldes de um obreiro leal à Palavra.
2. A NECESSIDADE DE UMA TEOLOGIA SADIA
A Igreja carece de uma teologia sadia. E seus obreiros mais ainda. E muito mais que os obreiros de época anteriores. Porque vivemos numa negação de valores, de subjetivação da verdade, de relativismo filosófico e moral. Alguém precisa sinalizar alguma coisa nesta bagunça em que vivemos. E quem pode sinalizar corretamente é a Igreja de Cristo. Ela tem a verdade. E se alguns de seus setores pensam que não têm e que dizer isso é ser arrogante numa época de politicamente correto, devem mudar logo de lado, caso não queiram entender o que é o evangelho. Nós temos a verdade. Quem não crê nisto, por favor, não fique marcando gol contra. Porque desconfio que torce para o time adversário.
Nós precisamos de uma teologia sadia. Porque precisamos ter as bases bem definidas e os contornos de nossa fé bem delineados. O obreiro e a Igreja de um tempo pós-moderno, um tempo vacilante e sem fronteiras, precisam ser firmes e devem ter suas fronteiras teológicas bem definidas. E isto mais que nunca.
A Igreja precisa sinalizar ao mundo que há um caminho e uma verdade. Nosso tempo é de relativismos: o que é verdade para você pode não ser verdade para mim. Hoje, as pessoas têm as suas verdades. A Igreja precisa deixar claro que ela tem a verdade de Deus. E antes de tudo precisa deixar isso claro para ela mesma. O neopentecostalismo criou uma situação surrealista: colocou a subjetividade humana no lugar da objetividade das Escrituras.  São sentimentos, insights, vislumbres, percepções parciais que ditam as normas. Até mesmo em igrejas ditas tradicionais ouvimos muito esta frase: “Eu senti em meu coração†ou “Eu sintoâ€, geralmente introduzindo uma observação da pessoa em defesa de alguma verdade. Desculpe-me, se você usa esta frase, mas o que você sente é irrelevante. O relevante é o que a BÃblia diz. Diz Jeremias 17.9: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá? “. Infelizmente, o “sentismo†e o “achismo†são as maiores vertentes hermenêuticas, hoje, no movimento evangélico. Precisamos restaurar a objetividade do ensino das Escrituras. Nossos sentimentos devem se subordinar a ela. Bem como nossos interesses e nossas perspectivas.
A maior batalha que teremos na área da Teologia, nestes anos imediatos, é sobre a fonte de autoridade em matéria de religião. Sempre se apontou que a BÃblia é a fonte última. O preâmbulo da Declaração Doutrinária da CBB diz: “Através dos tempos, os batistas têm se notabilizado pela defesa destes princÃpios: 1º) A aceitação das Escrituras Sagradas como única regra de fé e condutaâ€. E todo o resto parte deste ponto.
Precisamos ter uma teologia bem segura neste ponto: tudo parte da BÃblia e a ela tudo se submete. Infelizmente, todos afirmamos isto, mas nem sempre praticamos isto. Primeiro porque, como eu disse, temos o subjetivismo neopentecostal infiltrado em nossas igrejas, alimentado pelo romantismo da época, em que os sentimentos soam mais alto que a razão. Nossa geração não reflete, mas sente. Depois por causa da mentalidade pragmática que se dissemina entre nós. O que deu certo em algum lugar passa a ser a verdade. A verdade não é mais o que  é certo, mas o que funciona. A pós-modernidade tira o foco da verdade objetiva para a funcionalidade. Precisamos lembrar bem que somos “a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade†(1Tm 3.15). E que “a coluna e firmeza da verdade†deve estar alicerçada sobre a Palavra que é a verdade: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade†(Jo 17.17).
Que a Igreja estude a Palavra, submeta suas práticas e sua liturgia à Palavra. Que os pregadores preguem a Palavra e não seus desinteressantes conceitos culturais. Há obreiros que julgam suas platitudes um autêntico oráculo de Yahweh. Precisamos de pregadores que preguem a Palavra e não que contem historinhas o tempo todo. O pastor do século 21, bem como a igreja do século 21, precisa de uma teologia bÃblica sadia.
3. A NECESSIDADE DE UMA SOTERIOLOGIA CORRETA
Continuamos afirmando, em nossas pregações, que Cristo é o Salvador. Mas, Salvador de quê, exatamente?
Na teologia da libertação, entre muitos outros aspectos, Jesus é “o revelador dos verdadeiros valores humanosâ€[1]. Ele é “o homem para os homensâ€. Ele é mais um modelo que um Salvador.  A soteriologia da falecida teologia da libertação é de fundo econômico, mas ingenuamente alguns de seus propugnadores criam que Jesus era um modelo que os homens poderiam seguir e que assim seriam socialmente transformados. Sendo o homem intrinsecamente bom, as pessoas precisavam ver o “modelo Jesusâ€, e se disporiam a imitá-lo. Outros teólogos desta linha, como boa parte dos seus comentários bÃblicos mostra, falam de um tal de “projeto de Jesusâ€, que nunca entendi qual seja. Um desses comentários, em cada página trazia o tal “projeto de Jesusâ€. Parece-me que era de um levantamento das massas contra as famosas “elitesâ€, de quem todos falam, mas nunca identificam. Mas a soteriologia sempre se liga à libertação da pobreza material.
Ideologicamente, a teologia da prosperidade é irmã gêmea da teologia da libertação, pois sua soteriologia também se liga à libertação da pobreza material. Só que seu viés é pelo exorcismo, e não pela polÃtica. Acrescenta algo mais em sua panela de heresias: a resolução dos problemas relacionais e de saúde.
Outros vêem Igreja como um lugar, apenas. E como um lugar de catarse, de liberação de emoções. É uma forma de terapia emocional. A Igreja acaba se tornando apenas um evento sócio-emocional. Salvação é se sentir bem e estar em paz consigo mesmo. A soteriologia tradicional parte da anunciação do nascimento de Jesus: “ E ela dará à luz um filho, e lhe porás o nome de JESUS, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados†(Mt 1.21). A soteriologia correta parte daqui: perdão dos pecados. Há pecados e há o pecado. Não é ter paz consigo mesmo e se aceitar como se é. É ter paz com Deus e aceitar seu Filho. E, pelo poder do EspÃrito Santo, tornar-se aquilo que deve ser.
Fortemente marcados pelo mito da bondade inata dos homens, mito que vem do Iluminismo, nossa cultura prega a bondade humana. Nossas pregações têm omitido o pecado, a condenação e, principalmente, o inferno. Estas questões são consideradas como medievais e indignas de pessoas ilustradas, cultas, do século 21. Como disse alguém, há pouco tempo: “A missão da Igreja é despertar o melhor dos homensâ€. Frase feita, bonitinha. Mas sem nexo. Qual é o nosso melhor? Diz IsaÃas 64.6: “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundÃcia; e todos nós caÃmos como a folha, e as nossas culpas, como um vento, nos arrebatamâ€. Não teremos soteriologia correta se não tivermos a noção correta de quem seja o homem: pecador, caÃdo, perdido. É curioso como os próprios crentes não gostam da doutrina da depravação da raça e da pecaminosidade humana. Um dia vi um pastor zangado com um corinho (e não sou fã deles) que diz “Se olhares para dentro de mim nada de bom encontrarásâ€. Ele estava realmente zangado. E me disse: “Nós temos muito de bom!â€. Mas não temos! A BÃblia diz que não temos. Nosso “bom†é “trapo da imundÃciaâ€, referência aos absorventes menstruais das senhoras da época do profeta. Se há algo bom em nós é produto da graça. É a graça que nos torna pessoas melhores. Talvez se possa dar um crédito por causa dos termos “bem†e “bomâ€, mas não somos bons. E, realmente, o pecado habita em nós.
En pasant, reside aqui um dos muitos equÃvocos da maçonaria. Uma de suas frases de efeito diz: “Nós escolhemos os homens bons e os tornamos melhoresâ€. Numa curta frase, dois erros teológicos. Primeiro: não há homens bons. “E Jesus lhe disse: Por que me chamas bom? Ninguém há bom senão um, que é Deus.†(Mc 10.18). Segundo: porque ninguém pode ser transformado se não for pela graça. Sou pessimista quanto ao homem. Lembro de uma frase de Billy Graham: “O homem é exatamente o que a BÃblia diz que ele éâ€[2]. E o retrato que ela faz do homem não é lisonjeiro.
Precisamos falar de pecado. A palavra está tão fora de modo que inspirou um livro teológico com o tÃtulo O pecado ainda existe? [3]. A Igreja parece se reunir mais para celebrar (exatamente o quê?) que para confessar. Num exame superficial da Concordância bÃblica da SBB encontrei 41 referências a “confessar†e 11 a “confissãoâ€. Não examinei o número de vezes que aparece “pedir perdão†e semelhantes, e por isso não as considero. Aumentaria a lista. Mas culpa, pecado e perdão são palavras comuns nas Escrituras. Na década dos sessentas, um dos versÃculos que nossas igrejas mais recitavam era 2Crônicas 7.14. Hoje o mote é “Louvai ao Senhorâ€. Não se deduza que sou contra o louvor. Sou contra o culto que baniu a confissão. Sou contra a tentativa de varrer para baixo do tapete a reflexão e tudo submeter à agitação. Parece-me que as pessoas não pensam muito, mas apenas sentem e se sacodem. Nossa cultura não é reflexiva. É romântica, piegas e sensual (dos sentidos).
Há um grande esforço de algumas ciências e disciplinas para tirar do homem o sentimento de culpa. Ele é produto do meio, das circunstâncias, dos genes, mas nunca resultado de suas decisões e menos ainda alguém que diga como Paulo: “… eu sou carnal, vendido sob o pecado†(Rm 7.14) e “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim†(Rm 7.19-20). Além de desmentir a concepção iluminista de que o homem é bom, Paulo desmente a visão platônica de que saber é ser. Como isto nos tem marcado também! Todos os nossos problemas parecem que serão resolvidos com “conscientizaçãoâ€. Multar motoristas bêbedos e irresponsáveis? Não, isso é repressão, indústria da multa. Vamos conscientizar tais pessoas! Combater as drogas? Vamos conscientizar os nossos jovens. Ora, alguém não sabe que álcool e volante não combinam? Alguém ignora que drogas são destrutivas? Nosso problema não é cognitivo. É espiritual. Somos pecadores, dominados pelo pecado, e precisamos ser libertos do poder do Maligno: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente, sereis livres†(Jo 8.36). Quando a Igreja perderá o acanhamento de chamar as pessoas ao abandono do pecado, e até quando continuará pregando auto-ajuda, como se a obra salvÃfica de Cristo fosse nos fazer sentir-nos melhores, emocionalmente?
Precisamos de uma soteriologia centrada na obra vicária de Jesus Cristo. Seu evangelho é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16). A Igreja precisa pregar que os homens são pecadores, estão perdidos, vão para a condenação eterna, e só Jesus Cristo salva.
4. A NECESSIDADE DE UMA CRISTOLOGIA CORRETA
Parte da argumentação foi feita aqui, mas com a conotação da teologia da salvação. Agora, trato da pessoa de Cristo. Precisamos enfatizar bem os aspectos centrais da vida do Salvador: nascimento virginal, vida sem pecado, morte vicária, ressurreição corporal, ascensão e sua segunda vinda em poder e glória para julgar o mundo. Porque há um esforço enorme para se descaracterizar a pessoa de Jesus. Ele já foi mostrado como hippie, como guerrilheiro, como modelo de vida, e agora parece ser um incômodo para a Igreja. Parece que muitas igrejas não sabem o que fazer com Cristo e sua cruz. A mÃdia procura distorcê-lo. E a teologia contemporânea insiste em desmitologizá-lo, em buscar o Jesus histórico, tentando fazer uma nova história e nos dar um novo Cristo. Gente em gabinete com ar condicionado e em poltronas estofadas pretende saber mais sobre o Jesus do Novo Testamento que os evangelistas e Paulo.
Muito da distorção sobre a figura de Jesus está vindo dos cânticos, onde ele quase nunca é cantado e quando é cantado, em alguns dos cânticos se assemelha mais a uma força que a uma pessoa. Parece mais uma energia cósmica que o Salvador do mundo.
Só há um Cristo digno de ser pregado, o do Novo Testamento. E este é o Cristo crucificado. Mas há cultos em que o nome de Jesus só é mencionado na oração: “Em nome de Jesusâ€. Passou a ser mais uma senha que o Senhor da Igreja. Quantos sermões você ouviu ou quantos pregou, neste ano, sobre o Cristo crucificado? Preguei no aniversário de uma igreja e havia cinco grupos de louvor escalados. Não era uma ordem de culto. Era um ajuntamento de números especiais. Cada grupo apresentou três números, e antes de cada número houve o famoso sermãozinho sobre o louvor. Cá pra nós: sermão de grupo de louvor é duro de ouvir. São platitudes dispensáveis. O culto começou à s 19 horas e me deram a palavra à s 20h50. Metade do auditório estava tão cansada de tanto louvor, que não acompanharia meia hora de sermão. A outra metade estava tão excitada que não acompanharia nenhum raciocÃnio. O culto foi um louvor ao louvor, não a Cristo. O louvor foi um fim em si mesmo. Quando me deram a palavra observei um fato muito triste: em uma hora e cinqüenta minutos de culto, o nome de Jesus só fora pronunciado na frase “em nome de Jesusâ€, nas orações que se haviam feito. A Igreja é de Cristo, mas o louvor não é a ele. E o foco também não é ele, mas as pessoas que se exibem.
“Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado†(1Co 2.2). Culto em que Cristo não foi pregado e a mensagem da cruz não foi anunciada não foi um culto neotestamentário. Há pregações moralistas, há pregações de auto-ajuda, há pregações que caberiam numa sinagoga, mas a pregação numa igreja deve ser cristocêntrica. O centro do culto não é o louvor, mas é Cristo.
Deu para notar que neste tópico, falando de uma cristologia correta, detive-me mais na cristologia prática, vivenciada na Igreja, que à Cristologia como aspecto da Teologia. Porque o que me incomoda é que a Teologia está sendo refeita, ou melhor, distorcida, nos cultos, e não nos seminários. Mas como já havia tocado no assunto no tópico anterior, ao falar da soteriologia, creio que já comentei o suficiente.
5. A NECESSIDADE DE UMA ESCATOLOGIA CORRETA
Há pouco, os evangélicos brasileiros ficaram escandalizados porque um pastor muito presente na mÃdia negou a segunda vinda de Cristo. Dispenso-me de comentar o pastor, mas centro-me na segunda vinda. A Igreja crê mesmo nela? Quão raramente se prega sobre ela! Quão raramente se canta sobre ela!
A teologia da libertação passou fogo na escatologia, dizendo-a ser um recurso das elites (de novo!) para manter as massas acalmadas. A teologia da prosperidade a aniquilou, porque quer o céu aqui. Não conseguiu entender a tensão do já  e do ainda não  da vida cristã. E, na realidade, muitos de nós estamos mais interessados em melhores empregos, melhores casas, carros zeros e maiores, que no céu.
Mas não é de céu que quero falar, especificamente, no aspecto de  escatologia. Quero falar sobre a necessidade da igreja em advertir os pecadores de que haverá juÃzo. Que haverá um fim, que Cristo voltará e julgará a todos. A teologia da prosperidade em geral, e algumas de nossas pregações pragmáticas, em particular, têm empobrecido o ensino bÃblico. “Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens†(1Co 15.19).
Os crentes têm perdido a perspectiva do céu. Fico decepcionado com o desespero de alguns crentes quando perdem parentes crentes. Um colega me contou de uma senhora de sua igreja que ficou desesperada porque a mãe, com quase 90 anos e muito doente, partira para estar com o Senhor. E onde fica Filipenses 1.23, que diz: “Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhorâ€? . Antes que me digam que eu não sei o que é perder mãe: perdi a minha aos meus 14 anos de idade. E ela não era crente. Era espÃrita. A questão é que as pessoas não ouvem pregações sobre o céu, não aspiram por ele, não o desejam, e querem apenas bênção sobre bênção, aqui na terra. Na realidade, nós não cremos no céu. Dizemos crer, mas não cremos.
Uma escatologia correta ensinará que a Igreja é hoje militante, e não triunfante (o que nos livrará de muitas ingenuidades pregadas e cantadas), mas um dia será triunfante. Que não será vencida, que pode sonhar e deve trabalhar pelo triunfo do evangelho. Não servimos a uma causa que pode ou não dar certo, mas que dará certo. E que o triunfo a cantar não é meu triunfo sobre minhas dificuldades pessoais, mas o triunfo de Jesus Cristo! Para muitos crentes, importa-lhes o seu triunfo, a sua bênção, e não a glória de Cristo, como Senhor do universo.
A mim, pouco me importa meu triunfo pessoal. Sou apenas um peão no tabuleiro do jogo de xadrez, que o Grande Jogador move para onde desejar, para fazer seu plano funcionar. Peão é descartável, é peça que sacrifica para se obter a vitória. Não aspiro a grandes coisas, mas apenas a ser útil. E não estou sendo vaidoso nem preciso ser elogiado por isso. É obrigação de cada cristão dizer como Paulo: “segundo a minha intensa expectação e esperança, de que em nada serei confundido; antes, com toda a confiança, Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte.†(Fp 1.20). A escatologia correta é aquela em que sabemos do triunfo do evangelho, que este triunfo virá por Cristo, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, e que nossa vida a serviço dele contribui para o avanço da obra.
Esta visão escatológica de vitória do reino nos ajuda a entender que seguir a Cristo não é uma viagem de primeira classe por este mundo, mas um engajamento no seu exército. Nós seremos vencedores. Mas, em termos humanos, nós faremos a vitória acontecer.
CONCLUSÃO
Primeiro quis apresentar esta palestra. Depois apresentarei mensagens bÃblicas. Mas o que pretendi dizer aqui, dificilmente caberia num sermão. Procuro pregar expositivamente e aqui expus alguns conceitos teológicos que ficariam esparsos. Inseri-los nos sermões seria fazer piruetas exegéticas, o que não me soa correto.
O que aqui apresentei é o que creio. É minha convicção. E a sÃntese do que foi dito pode ser vista no uso que faço de Provérbios 22.28: “Não removas os marcos antigos que puseram teus paisâ€. Temos um balizamento de quatro séculos de história como batistas. Não removamos os marcos que nossos ancestrais estabeleceram.
[1] Conforme citação de Scott Horrel, no artigo “Jesus Cristo: Deus e homem. A relevância da cristologia clássica para a América Latinaâ€, na revista Vox Scripturae, vol. II, número 2, p. 24.
[2] GRAHAM, Billy. Mundo em chamas. Rio de Janeiro: Record, 1965., p. 31.
[3] MOSER, Antônio. O pecado ainda existe? S. Paulo: Edições Paulinas, 2ª. ed., 1977.