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O PERFIL E ATRIBUTOS DO CONSELHEIRO BÍBLICO

  • por

Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

Apresentado aos alunos do Centro de Formação Pastoral do Amapá

 

INTRODUÇÃO –  UMA QUESTÃO PRELIMINAR

Não basta dizer-se vocacionado para o ministério pastoral ou para o ministério do aconselhamento para ser bem sucedido nestas atividades. Ser vocacionado não é uma garantia de que as coisas darão certas. Prova disso é o grande número de ministérios que dá errado e de igrejas com problemas muitas vezes causados por pastores. E, da mesma forma, de conselheiros que não conseguem ajudar as pessoas. Há algo mais além da chamada e da boa vontade em fazer a obra.

 

Ter consciência da chamada da parte de Deus e manter uma vida de comunhão com ele ajudam muito ao obreiro. Mas ter o preparo necessário também ajuda muito. Ninguém negará que Pedro foi chamado e usado por Cristo. Mas a sombra projetada pelo ministério de Paulo foi maior que a projetada por Pedro. Inteligência e preparo postos a serviço de Cristo é uma bênção.  O conselheiro bíblico precisa ser bem preparado. Tanto na área de estudo sobre o assunto e sobre a Palavra de Deus, como na área do preparo emocional. O emocional e o espiritual devem caminhar juntos, principalmente na vida de quem cumpre a tarefa de ajudar o povo de Deus. Por isso, é sempre oportuno lembrar, o primeiro dever do obreiro cristão é cuidar de si mesmo. É triste a palavra da sunamita em Cânticos 1.6: “Puseram-me por guarda de vinhas, mas a minha vinha não guardei”. Guarde a sua vinha! Seja uma pessoa que busca a maturidade espiritual e emocional. Invista em si mesmo.

 

Na matéria de hoje veremos alguma coisa sobre o perfil do conselheiro. E veremos também algumas atitudes que são necessárias no seu ofício. Comecemos pelo perfil.

 

1. O PERFIL DO CONSELHEIRO

Muitos aspectos do perfil do conselheiro poderiam ser alistados aqui, mas ressaltemos os principais à nossa tarefa de líderes cristãos.

 

O primeiro deles é empatia. A palavra vem da mesma raiz de “simpatia” e de “antipatia”. Simpatia é sentir na mesma direção, sentir com. Antipatia é sentir contra. Sobre empatia, o prefixo grego en nos esclarece: é “sentir dentro”, “sentir como se fosse a pessoa”. A simpatia pode ser entendida como uma ternura, mas a empatia é uma profunda compaixão que nos faz colocar-nos no lugar daquela pessoa. O fundador do cristianismo foi a maior manifestação de empatia que o mundo já viu: “O Verbo se fez carne” (Jo 1.14). Deus foi empático conosco, na pessoa de Jesus. Empatia tem a ver com compaixão. O Salvador era profundamente empático, porque era profundamente compassivo: “Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque andavam desgarradas e errantes, como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9.36). E este é um conselho bíblico para todos os cristãos: “Alegrai-vos com os que se alegram; chorai com os que choram” (Rm 12.15). Somos exortados a experimentar e partilhar os sentimentos dos irmãos. O autor de Hebreus aconselhou a comunidade cristã nos seguintes termos: “Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o vós mesmos também no corpo” (Hb 13.3). O conselheiro cristão deve ter este sentimento bem aguçado. Ele não é juiz nem um crítico, mas um ajudador. E um ajudador com compaixão.

 

Não somos profissionais que atendem a pessoa, ouvem-na sem experimentar emoção alguma (algumas vezes bocejando de indiferença), e depois apenas perguntam: “Sim, o que você pensa em fazer sobre isso?”. Somos pessoas que amam a Deus, que amam o povo de Deus e que servem a Deus servindo a seu povo. E mostramos nosso amor a Deus no amor ao seu povo. Empatia é mais uma postura que adotamos que um sentimento que experimentamos. É sentir com a pessoa. A frieza ou a indiferença é mortal no trabalho do conselheiro. Como bem frisou Collins: “É possível ajudar as pessoas mesmo sem compreendê-las inteiramente, mas o conselheiro que consegue transmitir empatia (principalmente no início do processo terapêutico) tem maiores chances de sucesso” [1]. Ouvi um pastor psicólogo criticar um pastor que chorou no sepultamento de uma de suas ovelhas, dizendo que ele era um amador e que não sabia controlar as emoções. O pastor que chorou não se descontrolou, não surtou nem se mostrou histérico. E merece elogios exatamente porque não foi um profissional de religião, mas um amador. Benditos sejam os amadores assim!

 

O segundo é respeito. Por vezes a pessoa chega e abre o seu coração, contando-nos um pecado que julgamos ser escabroso (e às vezes é mesmo). Então ficamos chocados com a revelação e mostramos à pessoa que não esperávamos aquilo da parte dela. Ou ela nos ataca ou ataca alguém da igreja. O conselheiro, muitas vezes, é machucado pelo aconselhando. Qual deve ser a reação numa circunstância dessas? Kaller, em uma obra sobre aconselhamento cristão, usa esta figura: uma pessoa não crente se aconselha com o pastor, e lhe diz: “Os membros de sua igreja fazem pior do que as pessoas que não são crentes”. Ele alista quatro possíveis respostas do conselheiro, e entre elas duas bem curiosas. O conselheiro poderá dizer: “Você não sabe nada; pior que você não há nenhum” ou “Os crentes têm suas falhas, mas as falhas dos não crentes são piores”. Diz Kaller: “Esta reação não facilitará a continuação da conversa, mas é o início de uma discussão”. Ele mostra duas respostas que seriam mais viáveis: “Você acha que muitos crentes não vivem de acordo com suas crenças?” ou  “Você acha os não crentes melhores que os crentes?”[2] .

 

Na primeira resposta viável, o conselheiro circunscreveu a questão a uma opinião pessoal do aconselhando, e não a deixou como um absoluto. Na segunda, deixou a porta aberta para o aconselhando continuar a expor sua mágoa. Em nenhum dos dois casos ele deixou a questão descambar para o bate-boca.

 

Respeito significa valorizar a pessoa, não a vendo como uma coitadinha ou uma leprosa moral ou espiritual. É vê-la como sendo uma pessoa, imagem e semelhança de Deus, valiosa aos olhos do Senhor, que no momento passa por uma crise e veio lhe pedir ajuda. Não esfregue sal e pimenta nas feridas dela. Respeite seu desabafo, suas atitudes, e sua postura. Isto é diferente de aceitar um comportamento errado. É respeitar a pessoa que está querendo ajuda como pessoa. Não é um traste. Lembremos que Paulo recomendou que apoiássemos aqueles que estão fracos.

 

O terceiro é sigilo. O que um conselheiro ouve deve morrer com ele. Ele não passa para frente nem mesmo com pessoas interessadas no assunto. Muitas vezes alguém me procura e depois uma pessoa da família ou do relacionamento com esta pessoa vem me perguntar o que foi dito. Geralmente me nego, dizendo que o que a pessoa me contou pertence ao sigilo. Se quiser saber, que meu indagador lhe pergunte. Lembre-se que comentar o que lhe foi dito em confiança acabará não apenas com sua atividade, mas com seu caráter. E você terá traído quem confiou em você. Poucas coisas são tão ruins para um pastor ou para um conselheiro que ser conhecido como fofoqueiro, como alguém que passa para frente coisas que ouviu em confidência. Há pastores que contam de púlpito experiências de gabinete. Não citam o nome da pessoa, mas deixam pistas claras de quem sejam. Isto é muito ruim.

 

Abrir o coração com alguém é tarefa difícil. Muitas vezes é um desnudar da alma, e é doloroso para a pessoa. Já ouvi muitos casos tristes e dolorosos em gabinete, desde violência sexual que uma criança sofreu por parte de pai até o uso de drogas por líderes da igreja. Por vezes, o peso era esmagador e eu me sentia deprimido, querendo um buraco para me enfiar. Mas sabia que não podia partilhar com ninguém. Um conselheiro deve ser sigiloso. Por isso que deve ser uma pessoa que cuide de sua vida espiritual e se fortaleça, sempre, com o Grande Conselheiro, Deus. É a vinha dele que ele deve guardar.

 

O quarto é sobriedade. O Novo Testamento faz várias referências à sobriedade. Nós é que pouco mencionamos esta virtude cristã. Há líderes que amam holofotes ou são pouco discretos. Têm grande necessidade de atenção.  Jesus exortou à discrição na vida espiritual, quando deixou recomendações sobre a oração e o jejum. Sobriedade tem a ver com discrição. Não se faz alarde de que estamos ajudando alguém. O trabalho do conselheiro é um trabalho de bastidores, que se faz nos bastidores, e não em público. Como o aconselhamento envolve questões emocionais, e por vezes delicadas, o conselheiro deve lembrar que a imagem do aconselhando deve ser poupada. Repreensão pública ou conselhos dados em voz alta prejudicam muito. Ninguém precisa ouvir a conversa. Por isso, quando atender, fale baixo. Uma das tarefas do conselheiro é ajudar a pessoa a ser madura e tomar decisões por si, orientada pelo Espírito Santo. Outra tarefa é levantar a pessoa. Neste sentido, expô-la em público, como alguém tutelado, é prejudicial. Somos conselheiros e não pais de criancinhas travessas que devem ser chamadas à atenção.

 

Há conselheiros que gostam de publicidade para que os demais vejam como ele é importante ou como está sendo usado por Deus. Remo Machado, psicólogo cristão, faz esta afirmação, em uma de suas obras: “Caso Deus seja o centro de nossa vida, ele tem um plano para nossa existência, e se ele nos delegou a posição de psicoterapeutas, devemos usá-la para enaltecimento do nome de Deus, e não para o nosso engrandecimento pessoal” [3]. Sobriedade é esta característica assumida de que somos apenas instrumentos, a glória é de Deus, fazemos o que temos que fazer e saímos de cena, sem esperar aplausos ou reconhecimento. O conselheiro não faz alarde do seu trabalho.  A vaidade sempre é notada, sempre desgasta o vaidoso e geralmente cobra um preço muito elevado. E as pessoas que aconselhamos não devem ser vistas como troféus a exibir.

 

O quinto é desprendimento. Isso significa que o conselheiro não deve levar vantagem na tarefa de aconselhar. Por vezes, o conselheiro é profissional, um psicólogo ou outro tipo de terapeuta. Neste caso, ele cobrará consultas. O levar vantagem, neste contexto, significa que o conselheiro não usa as informações que recebe, nem antes nem depois do processo de aconselhamento.  Suponhamos que o conselheiro seja o pastor ou o líder de um trabalho. Um irmão o procura e lhe revela um problema e pede ajuda. Não será justo o conselheiro divulgar publicamente uma possível incapacidade da pessoa para o exercício de uma função para a qual ela vier a ser indicada. Evidentemente que se for um caso grave, como uma pessoa que tenha tendências pedófilas sendo indicada para cuidar de crianças, o conselheiro precisará agir. Mas isso exige cautela. A questão principal é de ordem pessoal: não levar vantagem. Não impugnar a pessoa para um cargo ou função porque tem outro nome que é seu preferido ou porque o ambiciona, etc. Deve se lembrar também que Cristo pode transformar uma vida e que um pecado que uma pessoa cometeu no passado não será, necessariamente, cometido outra vez pela pessoa.

 

O sexto é capacitação. Já tangenciamos este aspecto anteriormente. Trata-se da capacitação para o serviço a desempenhar e da capacitação espiritual para poder desempenhar o serviço.  Precisamos ter em mente que nenhum de nós, como líder cristão, é um produto acabado. No que se presume ser sua última carta, já idoso, Paulo pede a Timóteo: “Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, e os livros, especialmente os pergaminhos” (2Tm 4.13). Os especialistas distinguem entre “livros” e “pergaminhos”. O primeiro termo aludiria a obras seculares, e o segundo teria o sentido de livros canônicos, isto é, os escritos sagrados. Ele está detido na cadeia, e prestes a ser executado, mas ainda quer os livros. O obreiro cristão em geral e o conselheiro em particular sempre devem querer crescer.  Adquirir livros, ouvir palestras, fazer cursos, tudo isso ajuda muito o conselheiro. Mas o preparo espiritual nunca pode ser negligenciado. O Pr. Falcão dá como sendo um dos aspectos mais importantes na vida do conselheiro ao ajudar alguém em crise: “Orar por si mesmo e colocar-se nas mãos de Deus para prestar uma ajuda afetiva” [4]. Desempenhamos uma atividade espiritual e nunca podemos nos esquecer disso. A autoridade espiritual que vem da comunhão com Deus e da submissão à sua Palavra é sempre notada na vida de quem a tem. E quem a tem não precisa alardear.

 

3. ALGUMAS ATITUDES NECESSÁRIAS AO CONSELHEIRO

Tendo considerado algo do perfil do conselheiro, vejamos algumas atitudes que ele deve tomar quando exerce seu papel.

 

Primeiro: ele deve proceder sem preconceito quando aconselha. Pode ser que a pessoa aconselhada esteja em pecado e deva ser orientada quanto a isso, mas não compete ao conselheiro, como conselheiro, condená-la. No aconselhamento não se prega. Conversa-se e se mostra à pessoa a situação em que ela se encontra e as alternativas a tomar na sua vida. Em outras ocasiões, o conselheiro administrará conflitos de relacionamentos entre partes. Deve evitar se posicionar contra um ou contra outro. Ele deve ser uma ponte e não um juiz. Pode ser que a questão esteja bem clara e ele tenha uma posição bem definida, mas deve se lembrar que está ali para conciliar partes.

 

Já me aconteceu, em passado remoto, aconselhar um líder da igreja com problemas de drogas. No íntimo, por dentro, fiquei muito indignado com este comportamento vindo de um líder em que eu e a igreja confiávamos, mas sabia que perderia a pessoa se manifestasse este sentimento. Ela já estava bastante frustrada e envergonhada. Não manifestei minha postura de censura. Ela já sabia que estava errada. Tratamos de como superar a situação. Mostrei-lhe empatia. A pessoa superou o problema e até hoje está na liderança (pedi permissão a ela para citar o evento, sem nomear e localizar, e ela me concedeu). Precisamos ter muita cautela e lutar para impedir que nossos sentimentos pessoais de aceitação ou rejeição nos levem a tomar atitudes que bloqueiem o processo de aconselhamento.

 

Segundo: ele deve evitar dar ordens. Inconscientemente, o conselheiro tem o desejo de dominar e exercer controle na vida da pessoa aconselhada. Até porque se sente em condições de orientar a outra parte. Nosso papel é levar a pessoa a ver a vontade de Deus para sua vida. E precisamos ser humildes para reconhecer que nem sempre a vontade de Deus é a nossa, como conselheiros. Podemos mostrar à pessoa as opções e as consequências das opções, mas deve ser deixada com ela a decisão a tomar. É assim que ela amadurecerá. Quando dizemos às pessoas o que fazer, elas criam dependência emocional. E isto não é bom. O conselheiro poderá dizer que executou bem sua função quando a pessoa chegar a um ponto em que o aconselhado não mais precisar mais dele como orientador. Essa idéia de “guru” ou de um mentor que tutoreia a pessoa a por toda sua vida não é uma medida salutar. É antibíblica. Conforme Efésios 4.13, o exercício de dons na igreja é para que os crentes cheguem “ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4.13). Conduzir alguém pela mão por toda a vida não faz desse alguém uma pessoa neste patamar de adulto em Cristo. Há muito manipulador querendo ser mentor.

 

Terceiro: o conselheiro deve cultivar objetividade e não ser envolvido emocionalmente.  Não confunda as coisas nem tente fazer “pegadinhas”, dizendo que isto é o oposto da empatia mostrada como necessária. Terapeutas profissionais não devem aconselhar parentes ou pessoas a eles ligadas emocionalmente. Sua análise sempre será prejudicada porque terá envolvimento emocional.  Há uma linha divisória entre empatia e envolvimento emocional. A empatia é produto da misericórdia cristã. O envolvimento sucede quando o conselheiro se sente perturbado porque aquilo o atinge diretamente. Por vezes, ele está passando por um problema semelhante ao que a pessoa que lhe procura está passando e sente desnorteado, ou sem condições de fazê-lo. Não é errado um conselheiro ter problemas e passar por lutas, é preciso dizer neste contexto. O problema é quando o aconselhando está numa situação idêntica e o conselheiro sente que está sem condições.

 

A eficácia do aconselhamento, neste caso, será reduzida. Ao mesmo tempo, em contrapartida, o conselheiro poderá ver nesta situação como a pessoa está sofrendo. Mas sua orientação poderá ser apenas um reflexo do que ele faria. E as pessoas reagem de maneira diferente. O conselheiro poderá mostrar um caminho que ele tem condições de percorrer, mas talvez a outra pessoa não tenha. Ele precisará refletir bastante, orar e ter humildade para, se for o caso, dizer à pessoa que naquele momento não poderá ajudá-la. Se tiver certeza de que estará mais capacitada exatamente por estar vencendo o problema, deve ajudar. Mas se estiver sendo abatida pelo problema, terá pouco o que dizer. E deverá ter a humildade de reconhecer isto.

 

4. Saber filtrar o que está sendo dito. Nem sempre as palavras revelam. Por vezes mascaram. Para filtrar bem, o conselheiro precisa de um bom filtro (ou um coador). É oportuno lembrar que vivemos numa sociedade massificada pelo egoísmo e que as pessoas, em sua maior parte, têm motivações egoístas. Até mesmo na área espiritual. O conselheiro precisa ter um bom parâmetro para avaliar e orientar. Por exemplo: qual é a finalidade da vida? É a busca de felicidade? É o que as pessoas buscam, e o que muitas pregações sinalizam. Mas é este o propósito de Deus para nós?

 

Cabem aqui as oportunas palavras de Larry Crabb:

 

Veja os títulos de tantos livros cristãos da atualidade: “O segredo cristão de uma vida feliz”; “Desenvolva todo o seu potencial”; “A mulher total”; “A mulher completa”. Muitos contêm conceitos excelentes e verdadeiramente bíblicos, mas sua mensagem, clara ou implícita, às vezes nos dirige mais à preocupação com a auto-expressão e menos a um interesse em conformar-nos com a imagem de Cristo. A Bíblia, porém, ensina que, seu eu permanecer em obediência na verdade, a fim de tornar-me mais com Deus e assim torná-lo mais conhecido, o resultado será finalmente a minha felicidade. [5]

 

Um problema muito sério é que os crentes estão buscando felicidade, e não mais santidade, como se pudessem ser felizes à parte de sua comunhão com Deus.  Com esta visão, a vida cristã passa a ser a busca de satisfação de necessidades pessoais (algumas irrelevantes e supérfluas). É um conceito mundano. Assim, o trabalho do conselheiro passa a ser mais o de um terapeuta secular, levando as pessoas a se aceitarem como são e a buscarem necessidades muitas vezes mundanas, que um servo cristão que ajuda os crentes na sua caminha a uma vida mais profunda com Deus. Muitos dos problemas espirituais e emocionais não estão ligados à área espiritual ou da vontade de Deus, mas a projetos pessoais que os indivíduos têm, muitos deles modelados pelo padrão do mundo. Eles não alcançam tais projetos e se frustram. Tenho observado, em quarenta anos de ministério (o que não me torna infalível, mas me faz entender muitas coisas) que grande parte da aflição dos crentes é por coisas das quais não precisam e sem as quais pode viver. Mas deixam-se modelar pela massificação mundana de uma sociedade materialista que espiritualmente é decadente. Eles querem ser como o mundo. E querem as coisas que o mundo quer.

 

O conselheiro deve ter em conta que lidará com muitas pessoas que têm problemas por causa de necessidades que não devem ser atendidas. Cito Crabb, a respeito:

 

Os conselheiros cristãos devem ser sensíveis à profundidade do egoísmo na natureza humana. É temerosamente fácil ajudar alguém a atingir um alvo não-bíblico.  É nossa responsabilidade, como membros do mesmo Corpo, continuamente recordar e exortar uns aos outros a fim de manter em vista o alvo de todo verdadeiro aconselhamento: libertar as pessoas para que possam melhor adorar e servir a Deus, ajudando-as a se tornarem mais semelhantes ao Senhor. Em suma, o alvo é maturidade. [6]

 

A atividade de aconselhar biblicamente não é a de dar pirulitos a crianças frustradas, mas ajudar as pessoas a entenderem o propósito de Deus para a vida delas. Há uma diferença enorme entre desejos e necessidades. É preciso saber a distinção entre os dois. E o conselheiro, algumas vezes, terá que levar a pessoa a entender isso.

 

CONCLUSÃO – UMA PENÚLTIMA PALAVRA

Como obreiros que querem o bom andamento da obra de Deus, podemos cair num estado emocional comum a muitos: a impaciência por não vermos os frutos imediatos do nosso trabalho. Orientamos uma pessoa com zelo e bastante cuidado, mas vemos que apesar de nossa orientação ser clara ela continua apresentando as mesmas falhas. Lembremos que muitas vezes o problema vem se arrastando há tempos, e a pessoa demorou a pedir auxílio. Desconstruir o que foi construído de maneira errada e reconstruir de maneira certa nem sempre se consegue em prazo curto. Voltando a Collins:

 

Muitos conselheiros ficam desanimados e até ansiosos quando não vêem progresso imediato em seus aconselhandos. Os problemas geralmente levam muito tempo para se desenvolverem e presumir que eles desaparecerão rapidamente por causa da intervenção do conselheiro não é uma postura muito realista. Mudanças instantâneas acontecem, mas são raras. O mais comum é levar um tempo até que o aconselhando abandone sua maneira de pensar e seu comportamento anteriores, substituindo-os por algo novo e melhor. [7]

 

Assim sendo, não se culpe se não vir resultado imediato ou se a pessoa custar a aceitar sua orientação. Sua missão não é produzir resultados, mas fazer o melhor que puder, na dependência do Espírito Santo. O resto compete a Deus, que fará a obra no tempo dele. Que sempre é o certo.


[1] COLLINS, Gary. Aconselhamento cristão – edição século 21. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 47.

[2] KALLER, Donaldo. Aconselhamento cristão – uma introdução. Patrocínio: CEIBEL, 1975, p. 25.

[3] MACHADO, Remo Cardoso. Psicoterapia centrada na Bíblia. Rio de Janeiro; JUERP, 1993, p. 122.

[4] FALCÃO SOBRINHO, João. Aconselhamento cristão em tempos de crise. Rio de Janeiro: UFMBB, 2004, p. 41.

[5] CRABB, Larry. Aconselhamento bíblico efetivo. Brasília: Refúgio, 1999, p. 17.

[6] Ib, ibidem, p. 18.

[7] COLLINS, op. cit., p. 31.

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