PALESTRA PREPARADA PELO PR. ISALTINO GOMES COELHO FILHO PARA O SEMINÁRIO TEOLÓGICO BATISTA GRAPIUNENSE, BA
Dou graças a Deus porque fui para um seminário no fim dos anos sessentas, com 19 anos. Naquela época, os evangélicos éramos insignificantes e vivíamos no Brasil um momento de grande contestação. Grassava nos meios acadêmicos e intelectuais o existencialismo, que trazia um aspecto secularizante ao pensamento. Um jovem de 19 anos que fosse para um seminário naqueles dias precisava possuir uma consciência muito forte de vocação. Após duas décadas de estabilização e institucionalização que se seguiram à 2ª. Guerra Mundial, o mundo via a contestação de todas as estruturas existentes. Em Paris, os jovens iam às ruas, numa revolução estudantil. No Brasil, milhares de jovens protestavam contra o regime militar. Além da contestação intelectual, havia também a social. Protestava-se contra tudo.
Existe um fenômeno chamado de infiltração cultural nas relações sociais. As estruturas intercambiam atitudes e se influenciam mutuamente, mesmo sem querer e mesmo sem saber disto. A Igreja, como subcultura (no sentido de ser uma cultura menor dentro de uma maior), recebe influência do pensamento da sociedade. Isto é inegável. Um exemplo disto se vê em nossa história pátria e religiosa: os anos setentas foram anos de repressão na sociedade, por força do regime militar que tentava se firmar, e também, como infiltração cultural, o foram na Igreja, que reprimia qualquer discordância do discurso oficial. Um livro de Rubem Alves, Protestantismo e repressão [i], mostra isso.
Os anos sessentas foram anos de questionamentos e de iconoclastia. Tudo era submetido a análise e crítica. Minha formação teológica se deu nesta época. Dou graças a Deus por isto. Ainda hoje, questiono, faço perguntas, quero saber o porquê, mas não sou incrédulo. Sou um cristão evangélico de formação pietista. Mas sou filho de uma época. De uma época fascinante, a década dos sessentas.
Este nosso tempo é de acomodação e de aburguesamento. A preocupação da sociedade em geral e das pessoas em particular é com riquezas e estabilidade. Não há muito espaço para crítica. Nem mesmo há interesse. O desmantelamento do bloco soviético e a emersão dos EUA e seu estilo de vida esbanjador como única superpotência causaram uma situação delicada. Há uma ideia de globalização, de massificação, de homogeneização, no mundo. Os meios de comunicação se prestam a isso muito bem. Há um acúmulo de informações desnecessárias, alienantes e massificadoras, procurando generalizar, por baixo, o pensamento mundial. Tudo é direcionado de sentido de mediocrizar o povo. As pessoas pensam que estão se informando, quando, na realidade, estão sendo desinformadas. Quando morava em Brasília, um jovem num desses países cobertos de gelo na Europa, brigou com a namorada. Roubou um trator e saiu esmagando carros pela sua cidade, cujo nome, impronunciável, não guardei. Os sete canais de televisão da cidade apresentaram o fato em seus noticiários. No dia seguinte, nas bancas de jornal, no comércio, na faculdade de teologia onde eu trabalhava, este era o assunto. As pessoas pensavam estar informadas, mas não estavam sendo esclarecidas no principal: por que tínhamos uma inflação de um por cento ao dia? Quem estava lucrando com aquilo? Por que as coisas estavam com estavam? O que sucedia nos bastidores da bonita Brasília?
Numa sociedade massificada por banalidades, não há espaço para discussão e contestação. As pessoas consomem futilidades e qualquer coisa que demande tempo e esforço mental é banida. Torna-se cansativa. Isto é típico de uma mentalidade que vende e consome produtos, ideias e estilos de vida, a mentalidade capitalista/empresarial. Esta mentalidade, lamentavelmente, se infiltra na Igreja. E cria um estilo de banalidade. Cultos banais, mensagens banais, publicações banais, produzindo um cristianismo superficial, um evangelho sintético, de consumo, sem exigências e só oferecimentos. O púlpito que prega arrependimento, abandono do pecado, ética elevada, corre o risco de perder público. Mas se pregar coisas boas, se apresentar um evangelho consumível, palatável ao gosto superficial de hoje, terá sucesso. O pregador que faz pirotecnia no púlpito, que oferece curas, bênçãos, riquezas, prosperidade, sem dúvida, terá mais sucesso que aquele que usar os termos de Jesus: arrependimento e fé.
Esta mentalidade surge até na teologia. A espiritualidade, onde estão as mais sólidas raízes teológicas das grandes denominações, está fora de moda. O que prevalece é a teologia da prosperidade. A Igreja Católica apostou suas fichas na teologia da libertação e os neopentecostais as apostaram na teologia da prosperidade. Como ninguém liga muito para os que sofrem e para as injustiças, os pregoeiros da riqueza como sinal de fé estão com melhor audiência. Com todos estes fatores, precisamos parar para pensar seriamente. A Igreja corre o sério risco de descaracterizar-se, de perder sua identidade, tão peculiar e distinta das demais organizações deste mundo. Está sendo massificada por esta mentalidade de informações superficiais que alienam, que desinformam, na realidade, pela ideia de que os bens materiais são o supremo valor. Nada de sério deve ser passado. Uma sociedade irrelevante deseja uma igreja irrelevante. Nosso risco é fazer o jogo da mídia. A Igreja precisa pensar seriamente sobre si mesma. Não pode se tornar uma Igreja fútil e preocupada com bens, com patrimônio, mais que com sua missão. Não podemos perder a identidade. Nem assumir um discurso banal, irrelevante e em resposta à pesquisa de mercado. Há igrejas que têm feito isto: pesquisam seu ambiente para saber o que as pessoas estão querendo. Então adaptam sua mensagem às necessidades do ouvinte. É um evangelho vendido como um novo refrigerante. Sintético, artificial, descartável. Lembrando Schaeffer em Death in the city [ii], o que pregam não é Palavra de Deus, mas apenas eco das palavras humanas. Não se fala o que Deus expressa na Bíblia, mas o que os homens querem ouvir. Isto é uma tragédia, porque como bem diz Wiersbe, “sermões que adulam os pecadores jamais os salvam”[iii].
O LEVANTAMENTO DO PROBLEMA
Frank Byrnes, missionário da Missão Canadense, conversando comigo uma vez, me perguntou: “Na sua opinião, qual é o maior problema da igreja evangélica no Brasil?”. Respondi sem pestanejar: “Crise de identidade”. Esta é, para mim, a questão principal para a Igreja de Jesus resolver.
É preciso começar pelo problema que levanto agora: o que é, exatamente, a Igreja? Emprego para especialistas ociosos? Um divertimento para a classe média e uma catarse para a classe pobre? Um reformatório abrandado? Um jeito de manter as pessoas sob controle? O partido conservador em funcionamento, com outro rótulo, pregando valores de grupo? Uma sociedade de moralistas de fachada? Um grupo de burgueses espirituais que se julga superior à plebe, num tipo de arianismo espiritual? Sim, o que é a Igreja? Qual a sua identidade, numa época de tantas desfigurações?
DEFININDO E CARACTERIZANDO
Levanto outra pergunta: para que serve uma igreja local? E explico o porquê de responder uma pergunta com outra. Nossa consciência de função definirá nossa identidade. Nosso porque responderá ao quem somos. Temos problemas extremamente sérios no momento em que vivemos. Que mundo teremos em 2100, se lá chegarmos? Teremos água e comida para todos? Dizem os especialistas no assunto que a quantidade de comida produzida no mundo é suficiente para dez bilhões de pessoas, bem mais que a população mundial. A fome, portanto, é questão política e não climática. Temos rios poluídos, fontes contaminadas, campos dizimados por guerra e comida estragada para se manter preço no mercado. Sempre houve problemas no mundo, mas pela primeira vez na história da humanidade temos o poder de destruir todo o mundo, em questão de segundos. O que o futuro nos reserva? Como olhamos isto tudo?
Atualmente, a Igreja evangélica no Brasil experimenta um crescimento ímpar. Isto nos traz um quadro de otimismo. A tal ponto de surgirem algumas distorções, exatamente por causa do triunfalismo infantil. Mas ouso perguntar, como filho dos anos sessentas: que evangelho é este? Que tipo de igrejas são estas? Que está sendo pregado? Quem seremos nós? Marcamos a sociedade? Afetamos o momento? Disse alguém que a igreja dos anos noventas será mais lembrada pelos escândalos cometidos pelos tele-evangelistas do que por qualquer outra coisa. Que imagem será a nossa? No passado, o nome “crente” trazia uma carga de respeito. Hoje não faz diferença. “Pastor”, no passado, era um homem respeitado. Eu tinha 23 anos, era pastor no interior de S. Paulo, menino ainda. As pessoas me saudavam na rua, tirando o chapéu e dizendo: “Reverendo, como vai?”. Por ser pastor, comprava a crédito nas lojas sem necessitar de fiador. As lojas se sentiam orgulhosas de terem o pastor como seu cliente. Era uma recomendação para elas. Pouco tempo atrás, um cartão de crédito me foi negado. A razão dada: sou pastor e pastor não merece confiança. Isto me foi dito sem a menor cerimônia. Não é de se estranhar que assim suceda numa época em que pastores e até igrejas inteiras frequentam com razoável assiduidade as páginas policiais.
O MOMENTO PRESENTE DA IGREJA
“Mas a Igreja está bem definida”, dirá alguém. “Basta olhar para uma e saber o que é”. “E apesar desses problemas, o evangelho está crescendo”. Mas muito do que se ouve como evangelho, hoje, não tem o menor sentido para o homem que pensa e não está muito distante da irrealidade. E, para ser honesto, não é o evangelho. Há gente pregando Lair Ribeiro como se fosse Jesus Cristo. Ensinando autoajuda como evangelho. Apresentando um par de muletas como mensagem de Deus.
Vemos hoje dois blocos bem distintos na Igreja Evangélica do Brasil. Um, o bloco chamado pejorativamente de tradicional, enfatiza o cognitivo, o conhecimento. Outro, o bloco que parece mais poderoso espiritualmente falando, privilegia o misticismo. A simplificação é grosseira, mas vai servir para nos ajudar a entender a questão. É difícil encontrar equilíbrio teológico e vivencial nestes segmentos. Alguns identificam o evangelho com matéria de conhecimento intelectual. O bom membro de igreja é aquele que conhece as doutrinas, é aluno da escola dominical, é versado em apologética, lê livros evangélicos, faz cursinhos e participa de encontros e congressos. Do outro lado, pegando carona no misticismo que assola o mundo após décadas de secularismo, cientificismo e materialismo, estão os que enfatizam o sobrenatural, o experiencialismo, feitos portentosos e sinais espetaculares como evidência da presença de Deus. São os carnais e os espirituais, ou os lúcidos e os fanáticos, dependendo da ótica de cada um. Temos problemas sérios com isto. De um lado podemos ter a transformação do evangelho num racionalismo cristão. De outro, esta tendência de ver um demônio atrás de cada poste. As vozes se levantam de um e de outro lado, se elogiam e criticam o outro. Cada um se acha o portador da verdade.
A generalização pode prejudicar o pensamento, mas vemos o seguinte: um lado criou toda uma estrutura de ensino, com institutos, congressos, conferências, seminários, encontros e escolas teológicas. Mas continua com deficiências bem sérias em seu meio. Outro lado enfatiza um sobrenaturalismo que irrita os mais pensantes. Mas têm deficiências bem sérias, também. Um casal de uma igreja carismática me procurou, certa ocasião, pedindo que exorcizasse o demônio da incompreensão conjugal que pairava sobre eles. Enfrentavam dificuldades no seu casamento. Perguntei: “Vocês já se sentaram para conversar sobre porque seu casamento vai mal?”. Disseram que não. Disse-lhes eu: “Parem de culpar o demônio e pensem se vocês não são os culpados”. Ficaram zangados: como podiam ter culpa, se eram crentes? A palavra de vitória já fora liberada para eles (seja lá o que isto signifique). O culpado era o demônio. E também o incrédulo do pastor tradicional que não via isto. Assim é que vemos situações que não resistem ao bom senso. “Igreja Universal, onde o milagre é uma coisa natural”. A frase é tão desconexa como água seca e fumaça concreta. Se o milagre é natural não é milagre.
Temos programas de rádio e televisão. Temos emissoras e redes inteiras. Temos políticos evangélicos. Fazemos promoção para vender o evangelho como se fosse panetone, seguindo as normas de publicidade moderna. Mas as estruturas do mal permanecem intocadas. A corrupção parece mais institucionalizada do que nunca. Basta ver a corrupção que grassa neste país. Um político sem quaisquer traços de caráter usou a frase de Francisco de Assis, para justificar a troca de favores: “É dando que se recebe”. Cínico! A violência e a imoralidade batem recordes de ousadia. Onde está a Igreja? Que faz ela? Infelizmente, se deixa macular, muitas vezes. O mau testemunho dos políticos evangélicos em Brasília tem sido alvo de chacotas por parte de incrédulos.
O pensamento humano é como um pêndulo. Oscila de um ponto a outro. Saímos de décadas de secularismo e entramos num tempo de espiritualidade que acabou se transmudando em misticismo e superstições. Talvez este período dure ainda uns vinte anos, salvo algum grande evento que tudo transtorne. Quando o pêndulo voltar e ingressarmos novamente numa fase de materialismo e de rejeição do espiritual, a Igreja de hoje sobreviverá? Temos, realmente, uma Igreja, ou somos apenas um grupo religioso e cultural com roupagem cristã? Está se pregando o evangelho? O que se prega têm consistência? Numa madrugada, acordado em um hotel em S. Paulo, ouvia um conhecido pregador dialogar com um dos pastores do seu grupo. Ouvi com atenção e analisei o conteúdo da conversa: “Há poder em você, você pode ser vitorioso, pode ser rico, basta que você queira, porque Deus já liberou a riqueza para você. Você só precisa de você”. Disse para mim mesmo: “Isto não é Jesus Cristo, isto é Lair Ribeiro! É autoajuda, é a variação de Norman Vicent Peale”.
Há uma diferença enorme entre o que foi pregado pela igreja primitiva, no livro de Atos, e o que se vê, hoje, na maioria dos círculos evangélicos. Pode-se ouvir durante semanas a fio os pregadores tele-evangélicos sem se ouvir uma palavra que é fundamental no evangelho: arrependimento. A pregação cristã que não exorte à mudança de vida e ao abandono do pecado traz algo errado em si. Muito do que temos como pregação não é pregação e muito do que temos como Igreja não é Igreja. O conceito de riquezas materiais como valor maior infiltrou-se na Igreja. Da mesma forma, o misticismo de um mundo sem o evangelho. Temos, então, espiritualidade sem Bíblia. Temos espiritualidade sem teologia correta. Temos igrejas com um evangelho falsificado, mesmo que sem querer e sem refletir sobre isto. Temos um pensamento secular ensinado como pensamento divino. Isto descaracteriza a Igreja.
UMA DEFINIÇÃO DE IGREJA
Defino o que entendo por Igreja. É um grupo de pessoas que experimentou a graça de Deus na pessoa de Jesus Cristo, creu nele, e se comprometeu com ele na transformação deste mundo. São pessoas que conheceram Jesus Cristo, tiveram uma experiência de salvação com ele e assumiram um compromisso. Uma comunidade de salvos engajados. Não de oportunistas ou de gente imatura que quer sempre benefícios, mas nunca se dá. Quando falo de Igreja, com I, é isto que tenho em mente. Uma comunidade de regenerados e com consciência de missão a cumprir neste mundo. Uma comunidade que rejeita ser massificada, que entende que “o mundo jaz no maligno” e que busca “a mente de Cristo”. Isto é ser Igreja: conhecer o propósito de Deus e não cumprir o propósito do mundo.
A IGREJA COMO COMUNIDADE
Caracterizei Igreja como povo, como gente. Povo não é massa. Massa é amorfa. Povo tem identidade e consciência. A Igreja são pessoas chamadas a viver em comunidade, em companhia umas das outras. É incompreensível um cristão isolado dos demais. Da mesma maneira é incompreensível uma igreja local isolada, sem companhia das demais. No Novo Testamento as igrejas são autônomas e independentes, mas são, ao mesmo tempo, interdependentes. Uma igreja local sempre deve se ver como parte de um todo. Vemos igrejas tradicionais fechadas, com medo da liturgia carismática. E vemos igrejas carismáticas e novas isoladas, com medo do ensino e da visão global das tradicionais. Muitas destas igrejas novas se isolam e depreciam as demais como mecanismo de defesa. Não são Igreja, mas guetos religiosos. E por falta de uma estrutura de educação religiosa, porque vivem dependentes do ensino de um homem, geralmente autocrático, são engolfadas por heresias e esquisitices.
Isto cria uma mentalidade de igrejas olhando o seu próprio umbigo, sem visão do conjunto, do todo, do reino. E, muitas vezes, vendo uma parte do evangelho como sendo o evangelho todo. Uma parte, a expulsão de demônios é vista como sendo a essência do evangelho. Uma parte, a preocupação social, é vista como o evangelho todo. A visão missionária de alcançar hindus, islamistas e animistas não lhes vêm à mente. Não podem organizar novas igrejas locais porque vão perder membros. Precisam engordar. O conceito de crescimento de igreja de alguns pastores é de ter mais gente dentro de um prédio, ter mais dinheiro, ter um rebanho maior, quantitativamente falando. O conceito é empresarial e não teológico: a igreja-empresa precisa crescer, ter mais acionistas, para ter mais capital. Assim, o executivo terá um salário maior. Grande parte da atividade eclesiástica que se vê hoje em dia é esta: tira-se alguém de uma igreja, perde-se um para outra, e assim se vai. A maior parte dos esforços, muitas vezes, é para predar outras denominações, em vez de alcançar o mundo pagão. Há um grupo enorme de não alcançados, inclusive em nosso próprio contexto cultural: os secularizados, os céticos, os agnósticos. Mas estes dão trabalho. Tenta-se mudar a doutrina das pessoas. Prega-se para quem já conhece o evangelho. É mais fácil e traz mais status: passa-se por mais espiritual porque se presume, num raciocínio primário, que se a pessoa passou de uma denominação para outra é porque esta outra é superior. Pessoas conquistadas de outras igrejas são, muitas vezes, exibidas como troféu de superioridade. Mas o mundo permanece intocado. Crescem a violência, a imoralidade administrativa e falta de moral em todos os níveis.
A Igreja é uma comunidade. Numa comunidade as pessoas têm propósitos comuns, um programa comum, uma visão comum, a do todo. Há solidariedade, há força de conjunto e busca de fortalecimento do grupo. A ênfase correta, dentro desta perspectiva, deve estar em pessoas e não em prédios, programas e instituições. A preocupação deve ser em formar pessoas melhores, dia a dia, transformadas à imagem de Cristo, reinseridas na sociedade (às vezes retiramos as pessoas da sociedade e as guetizamos) para transformar o ambiente. Isto é uma Igreja. Uma comunidade de transformados, dia a dia, transformando o ambiente em que vivem. Como Paulo bem fez o cabeçalho da carta aos Colossenses: “Em Cristo… em Colossos”. Duas dimensões: viver em Cristo e viver na nossa cidade. A necessidade da Igreja não é ter poder material ou dominar os meios de comunicação. É apenas viver o evangelho. E, se formos corretos e leais, se vivermos à altura do nome de Cristo, com uma ética elevada, o mundo poderá nos detestar, mas terá que reconhecer nossa qualidade espiritual. É de bom testemunho o que mais precisamos.
CONCLUSÃO
Creio que é possível sintetizar em parágrafos curtos o que pretendi dizer nas linhas anteriores. Nem sempre sou muito claro, mas quando fico confuso demais, busco clarificar.
(1º.) Há uma grave perda de identidade teológica em muitos setores da Igreja. Isto a descaracteriza e a torna uma instituição sem sentido para o mundo.
(2º.) Esta perda de identidade se verifica porque temos assimilado muito do estilo do mundo, de quantificar, de passar rapidamente pelos problemas sérios, de procurar ter mais em vez de buscar ser mais. Um mundo banal se infiltra na Igreja e a torna banal. Em vez de ser original, passamos a ser cópia.
(3º.) Esta perda de identidade se nota facilmente em posturas nitidamente seculares, que a Igreja sacraliza e adota. Ela tem santificado o pensamento secular, mudando sua roupagem e adotando-o. A chamada “geração shopping” acaba produzindo uma “igreja shopping”. Com fast food espiritual e tudo mais. O culto passa a ser entretenimento e não momento de encontro com Deus, confissão, consagração e revisão de valores.
(4º.) Há necessidade de uma reflexão séria sobre o que seja a Igreja. Um prédio com gente cantando louvores a Jesus pode estar hospedando pessoas bem distantes do conceito bíblico de Igreja.
(5º.) Precisamos redescobrir o sentido da Igreja como comunidade espiritual, de fé, transformada e buscando transformar a sociedade. Se recebe infiltração, ela age transformando as estruturas da sociedade onde se insere.
(6º) A transformação da sociedade e seus valores pervertidos é missão para a Igreja. Não é buscar somar pessoas num prédio, mas aperfeiçoá-las para desempenho de sua tarefa. A verdadeira Igreja é a da diáspora, a do povo na rua, e não a do povo dentro de um prédio, chamado de “santuário”. Segundo o Novo Testamento, santuário não é um prédio, mas pessoas. Os crentes nunca vão à Igreja. Eles são a Igreja que se reúne em um local e sai, depois, para o testemunho.
(7º.) Não podemos trabalhar pensando apenas em quantidade, mas em termos de futuro: que transformações estamos efetuando e para onde estamos direcionando o mundo? Para isto precisamos saber muito bem qual é a nossa missão.
(8º.) Normalmente, a Igreja vai à reboque das transformações, sendo infiltrada e assimilando conceitos humanos. Ela deve exercer influência e, em vez de sofrer, fazer as consequências. Ela deve ser cabeça e não cauda. E isto é um desafio para todos nós. A cidade de S. Paulo, a maior e mais rica do Brasil, tem como divisa a expressão latina Non ducor, duco. Significa “Não sou conduzido, conduzo”. Assim deve se ver e ser a Igreja de Cristo: condutora e nunca rebocada.