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SUPERPASTORES E SUPERIGREJAS

  • por

Isaltino Gomes Coelho Filho

Começarei da forma mais pedante possível: contando vantagem e como fui malcriado. Mas meus parcos (não porcos) leitores são inteligentes. Entenderão o que digo.

Estava eu cá em meu gabinete e o telefone toca. Do outro lado da linha uma voz feminina. “Pr. Isaltino? Aqui é a secretária da Igreja tal, na cidade Tal. Estou telefonando para saber se o senhor pode pregar em nossa igreja, de tanto a tanto, de tal mês” (mantenhamos nomes e datas omissos). Era a minha consagração! Que glória, eu, um pastoreco no fundão da floresta amazônica, na isolada e pobre Macapá, recebendo convite para pregar numa grande igreja de uma grande cidade, no rico Sudeste! Que honra para um velhinho perdido na mata!

Pergunto pelo nome da pessoa que comigo fala, fico sabendo, e digo: “Irmã Fulana, sua igreja tem pastor?”. “Tem”, responde ela. “É o Pr. Dr. Beltrano!”, diz ela orgulhosa de ser a secretária do Pr. Dr. Beltrano. Despejo toda minha rabugice: “Irmã Fulana: temos duas alternativas. Uma é a irmã pedir ao Pr. Dr. Beltrano para me ligar. A outra é eu colocá-la em contato com minha secretária para a senhora falar com ela”. Meio sem graça, a funcionária do Pr. Dr. diz que ele é muito ocupado, por isso pediu que ela me ligasse. Pensei com meus botões (só dois, porque vestia uma camisa Lacoste, não a que os meus abonados leitores compram nas lojas oficiais, a R$ 300,00, mas as que compro em Macapá, por R$ 50,00, made in Guiana Francesa e que atravessam o Oiapoque na catraia): ela acha que sou um desocupado. Então lhe disse: “Irmã Fulana: estou com seis versões bíblicas em português abertas sobre minha mesa, fazendo um trabalho para uma editora, e tentando entender por que em Gênesis 47.21 nossas versões traduziram de acordo com a Septuaginta e não pelo Texto Massorético. Com as versões tenho a Bíblia Hebraica, um Interlinear Hebraico-Inglês, um Hebraico-Português e a Septuaginta. Estou fazendo um trabalho que demanda o uso do português, inglês, hebraico e grego, mas parei para atender a irmã porque era uma pessoa que queria falar comigo. Não sou um desocupado, mas dei-lhe atenção. Quando o Pr. Dr. Beltrano puder me ligar, peça a ele que ligue”.

Choca-me o nosso nível de institucionalização. Quem falava comigo não era uma irmã em Cristo, mas a secretária de uma organização. O contato era tão impessoal que ela não declinou seu nome e só me disse, com relutância, o nome do pastor depois que pedi. A ordem é a mesma que as secretárias das grandes empresas recebem: mantenham o “chefão” livre das pessoas comuns.

Já preguei em igrejas em que o contato foi feito pela secretária, quem me recebeu no aeroporto foram irmãos da igreja, e o pastor só me viu no gabinete alguns minutos antes do culto, e assim mesmo às pressas porque estava ocupado. Sequer foi à porta me levar, na saída. Nada contra as secretárias ou os irmãos que, bondosamente, conduzem pastores. O problema é com pastores tão importantes, tão impessoais, que são incapazes de falar com um colega. A impessoalidade no trato é grosseria.

É reflexo de uma situação em que os relacionamentos não são prezados, mas prevalece a institucionalização, inclusive a “institucionalização desinstitucionalizada”, ou seja, aquelas igrejas que alegam não serem institucionalizadas, e que fazem de sua desinstitucionalização a sua institucionalização. Exemplifico: a igreja não tem uma ordem de culto, e tudo é improvisado. A improvisação habitual é sua ordem. Nada é programado (a programação exige coordenação e tratos pessoais). O pastor ou animador de auditório não gosta de relacionamentos, então vai ao sabor do vento (e o Espírito Santo recebe a culpa da improvisação). Na artificialidade da improvisação nada se acerta, nada se conversa.

A vida cristã se restringe ao momento de culto. As pessoas não se conhecem, não se visitam nem se relacionam. A fraternidade se resume a um aperto de mãos enquanto se canta um corinho capenga, de letra pobre com a última flor da Lácio sendo espancada, num ritmo sofrível, executado por instrumentos simples nos acordes elementares. Então as pessoas se apertam as mãos e dizem “Meu irmão, eu amo você!”. Elas cumprem programas, desempenham papéis escritos por alguém, mas não se relacionam. Estou exagerando? Quanto tempo, nesta semana, você gastou vendo um jogo de futebol pela tevê, e quanto tempo empregou com um irmão que carecia de apoio?

Lendo as cartas de Paulo, mesmo absorvendo todo seu rico ensino teológico, vemos que vida cristã são relacionamentos. Romanos 16, por exemplo, é um texto fantástico! Quanto carinho, quanta gratidão, quanta pessoalidade! O maior teólogo cristão era um homem de relacionamentos! Hoje os pastores correm o risco de serem homens da instituição. E os crentes, de serem atores de um script mal feito, que desvirtua a fé cristã.

Pastores, não sejamos ocupados demais. Recordo-me que eu tinha catorze anos quando fui a uma igreja batista pela primeira vez. Tudo me era novo. À frente, um homem de terno preto dirigiu tudo e pregou. Fiquei impressionado. Voltei no domingo seguinte. O homem, com outro terno preto (ele só usava ternos pretos), me cumprimentou calorosamente à porta, na saída, olhou-me nos olhos e disse: “Como vai jovem? Prazer em revê-lo!”. O homem de terno preto era o Pr. João Falcão Sobrinho, ainda jovem, mas já muito ocupado. Ele notou um adolescente presente no culto (e a Igreja Batista de Acari já era grande, em 1963!). Cinquenta anos se foram, mas o adolescente, hoje de cabelos brancos e avô, ainda lembra (e quase tem a impressão física) do caloroso aperto de mão que recebeu.

Trato pessoal. Conversa jogada fora. Bate papo. O riso. O toque. A história contada e recontada. A piada mesmo que sem graça. O cafezinho em grupo. Tudo isto faz parte da vida cristã em camaradagem. Menos uso de secretárias, colegas. Liguem pessoalmente!

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