Isaltino Gomes Coelho Filho
Meus leitores (usando a expressão de uma pessoa dominadora: “minha família e mais uns quinze”) estranharão este título. Depois que o digitei achei que entrara num assunto difuso. Mas voltemos aos pardais. Terminei o último artiguete sobre os pardais com esta expressão: “Muito espaço para os pardais, ao invés de coisas mais sérias? Aprendi com o Salvador. Suas grandes e profundas verdades não foram expressas em conceitos complicados, com termos pomposos. Ele falava de pardais, lírios, semeador, aves do céu, nuvens, fermento, o cotidiano, enfim. Sempre lhe peço que me ensine todos os dias. Ele usou os pardais. Sou lhe grato por isto”.
A simplicidade de Jesus é desconcertante. Nós é que usamos palavras complicadas para mascarar o que não queremos ou não sabemos explicar. Outro dia eu lia um livro de filosofia, de um ex-ateu, agora teísta, Anthony Flew. Alguns parágrafos me desnorteavam. Eu os lia três, quatro vezes, e não conseguia entender o que estava sendo dito. Talvez limitação cultural minha, mas ele podia ser mais claro. Lembrei-me do menino Calvin, na sabedoria dos seus seis anos, dizendo para seu urso de pelúcia, Haroldo, o título de sua redação: “A dinâmica do inter-ser e imperativos monológicos em Dick e Jane: um estudo em modos psíquicos transrelacionais de gênero”. Sua explicação foi genial: “Eu percebi que a finalidade de escrever é inflar idéias fracas, obscurecer raciocínio pobre e inibir a clareza. Com um pouco de prática, a redação pode ser uma névoa intimadora e impenetrável”. O título da redação de Calvin se parece com algumas dissertações de mestrado e teses de doutorado: “Uma avaliação biopsíquica-físico-translúcida-patológica-emocional da ontologia hegeliana por uma perspectiva sãopaulina-hexacampeã em diálogo com a visão kierkegardiana do rebaixamento luso (Vasco-Portuguesa de Desportos) em contraposição ao louvor estrambótico do hipermega neolevitismo do movimento evangélico”. Ninguém entende nada, não tem valor algum, mas impressiona e intimida. Quem não entendeu não tem erudição. E quem formulou e desenvolveu o assunto é um gênio. Quem o aprovou não entendeu nada, até mesmo porque não tem sentido, mas fez ar de entendido e elogiou. Caso típico de vaca lambendo bezerro… Ou, em latim, asinus asinum fricat (“um asno esfrega outro asno”, ditado que se emprega para mútuos e excessivos elogios de duas pessoas).
O vocabulário confuso ajuda a não dizer nada de maneira que impressiona. Digo isto em relação à simplicidade de Jesus, que muitos pregadores e mestres abandonaram em troca do palavrório empolado que nada diz (“processo soteriológico” ao invés de “salvação”, por exemplo). As palavras complicadas servem para mascarar o nada. Gertrud Stein chama a isto de “nadez”, o nada bem apresentado. Em “Alice no país do espelho”, Carrol apresenta um poema chamado “O Tagarelão”. Sua primeira estrofe diz:
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